Opinião

Casamento civil e orientação sexual: proteção da vida familiar e discriminação

Autor

  • Roger Raupp Rios

    é desembargador federal no TRF-4 mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor do mestrado e doutorado da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e do mestrado profissional da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento da Magistratura (Enfam).

26 de setembro de 2023, 10h21

Do ponto de vista da proteção dos direitos fundamentais e da democracia, o projeto de lei que pretende impedir o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo esbarra em graves e importantes obstáculos. Ao mesmo tempo, ele coloca um debate muito relevante não só para as pessoas e grupos excluídos: o que está em jogo, na verdade, é  o convívio civilizado numa sociedade plural e o respeito aos direitos básicos de todos.

Vejamos.

Em primeiro lugar, tal restrição reforça a discriminação histórica que pessoas LGBTQIA+ sofrem, agravando mais ainda a injustiça que experimentam, o que compromete o convívio civilizado numa sociedade plural e o respeito aos direitos básicos de todos.

Em segundo lugar, tal iniciativa configura um retrocesso, uma vez que, tanto o Supremo Tribunal Federal, quantos outros tantos países e tribunais nacionais e internacionais, reconhecem o direito à igualdade de tratamento a homossexuais sem discriminações no acesso às diversas formas de proteção do vínculo familiar, inclusive o casamento civil.

Em terceiro lugar, o regime do casamento civil não pode ser pretexto para manter preconceitos, sofrimento e exclusão a quem quer que seja, como, por exemplo, ocorreu com a proibição do casamento inter racial, sob o pretexto de prevenir a "degeneração da raça" e até mesmo para proteger crianças.

Em quarto lugar, a proposta desconsidera a proteção devida à vida familiar, esvaziando esse espaço de vida íntima e privada em que se nutrem a subjetividade e o livre desenvolvimento da personalidade e, por conseguinte, para a cooperação na vida em sociedade.

Em quinto lugar, não pode um ato legislativo estatal ter fundamento em determinada crença religiosa, ainda que majoritária: isso seria um desrespeito à liberdade religiosa de outros crentes cuja fé acolhe uniões homossexuais, para não falar da liberdade religiosa daqueles que não professem qualquer religião. De fato, excluir um grupo do casamento civil por motivo religioso, é, na expressão coloquial, "dar um tiro no pé" da proteção da liberdade religiosa, pois abre espaço para que outras leis e atos estatais, invocando a crença religiosa de uns, atentem contra a liberdade religiosa de outros.

Por tudo isso, é preciso ter clareza quanto às exigências da democracia e levar a sério a proibição de toda forma de discriminação; sem isso, as liberdades, sejam elas religiosas, sexuais e outras tantas, estão em perigo. Nem o debate público, nem a deliberação parlamentar, podem ignorar a conquista civilizatória que o casamento igualitário traz ao pluralismo inerente às sociedades democráticas.

Autores

  • é desembargador federal no TRF-4, mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor do mestrado e doutorado da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e do mestrado profissional da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento da Magistratura (Enfam).

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