Opinião

123 Milhas: quando os clientes poderão receber após a recuperação judicial

Autor

  • Marco Antônio Sampaio Filho

    é especialista em Processos de Execução pela AVA Brasil Educação mestrando em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (Ceub) e advogado associado do escritório Miranda Lima & Lobo Advogados.

24 de setembro de 2023, 15h15

O caso da plataforma de turismo 123 Milhas provoca imensa insegurança e dor de cabeça nos consumidores que adquiriram pacotes aéreos e de hospedagem, mas não conseguiram viajar. Enquanto a empresa tenta se salvar da falência, estão suspensas as medidas executivas em ações judiciais movidas pelos clientes que se sentiram lesados. Mas, de fato, quando eles poderão receber?

A dor de cabeça aumentou entre os clientes da 123 Milhas desde que a plataforma anunciou, em 18 de agosto deste ano, a suspensão de pacotes e da emissão de passagens adquiridas em linha promocional previstas de setembro a dezembro de 2023. Conforme divulgado pela imprensa, a plataforma informou, inicialmente, que devolveria os valores pagos pelos clientes, mas não por meio de reembolso em dinheiro, e, sim, com vouchers acrescidos de correção monetária, para compra de outras passagens, hospedagens e pacotes.

Via de regra, os consumidores não podem ser obrigados a aceitar o voucher oferecido pela empresa, em razão das disposições do Código de Defesa do Consumidor. Na verdade, a 123 Milhas seria obrigada a emitir nova passagem aos consumidores ou devolver o dinheiro despendido pelos clientes, conforme determinam os artigos 6º, 20 e 35 do Código Consumerista. A empresa pode ser responsabilizada, ainda, pelos danos que os consumidores tiveram que suportar pela não emissão das passagens aéreas, tais como valores gastos com passeios turísticos não realizados e diárias em hotel.

Contudo, o cenário piorou para os clientes após o pedido de recuperação judicial da empresa ser aceito pela juíza Claudia Helena Batista, da 1ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte, no final de agosto. As passagens podem não ser mais emitidas mesmo nos casos de consumidores que conseguirem decisões liminares determinando a emissão. O próprio site da companhia informa que, temporariamente, não é mais possível a utilização de voucher.

(*a 21ª Câmara Cível do TJ-MG suspendeu o pedido de recuperação judicial da 123 Milhas até nova perícia)

O Instituto Brasileiro de Cidadania estima que há mais de 700 mil credores da 123 Milhas, a maioria deles é formada por consumidores. Com o pedido aceito pela Justiça, a empresa, que é alvo de investigação em Minas Gerais, deve apresentar o plano de recuperação judicial. A ação abrange também a HotMilhas e a holding Novum, dona da 123milhas.

A recuperação judicial, disciplinada pela Lei nº 11.101 de 2005, recentemente alterada pela Lei nº 14.112 de 2020, é uma espécie de processo judicial que tem por objetivo "viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica", conforme disposição do artigo 47 da Lei nº 11.101/05. Todavia, o processamento da recuperação judicial gera a suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, neste caso, a 123 Milhas.

Então, após o pedido de recuperação judicial, quando a empresa deverá pagar os clientes lesados? Infelizmente, eles devem ser os últimos a receber. Nestes casos, é realizado primeiro o pagamento de dívidas trabalhistas e tributárias. Já para os consumidores, o melhor é realmente acompanhar o desdobramento do processo de recuperação judicial e verificar se o seu crédito foi habilitado no plano de recuperação, ou seja, na relação de credores e plano de pagamento. Caso o crédito não seja reconhecido pela empresa e incluído no plano, é necessário entrar com uma ação judicial própria, para obter o reconhecimento judicial do crédito e, posteriormente, a habilitação desse crédito no plano de recuperação judicial.

Logo, os consumidores devem verificar a lista de credores, para ver se o seu crédito foi relacionado no processo e, caso não esteja lá, precisam tomar as medidas necessárias para habilitá-lo no processo de recuperação. A decisão que acatou o pedido de recuperação judicial destaca que "especial atenção será concedida aos credores, devendo a Administração Judicial disponibilizar uma plataforma amigável, específica de fácil acesso para prestação e recebimento de informações, divulgações do calendário da RJ [recuperação judicial] e seu desenvolvimento e entraves".

A situação, vista até aqui, pode ser apenas a ponta de um iceberg. A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou no dia 5 de setembro um pedido para suspender a quebra de sigilos fiscal e bancário dos sócios da 123milhas, aprovada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga esquemas de pirâmide financeira com criptoativos.

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) investiga a 123 Milhas desde o início deste ano por causa da promessa de reembolso por meio de voucher e não com a devolução do dinheiro e ajuizou ação civil pública para que os consumidores sejam ressarcidos pelos prejuízos.

A crise vivida pela 123 Milhas, apesar de ser ainda pouco conhecida, deve ser muito similar à crise da Hurb, que recentemente também suspendeu a execução de pacotes com datas flexíveis e emissão de passagens aéreas.

A suspeita é que ambas as plataformas atuavam em uma espécie de pirâmide financeira e, para obterem recursos financeiros a curto prazo, forneciam pacotes de viagens promocionais em valor muito abaixo do mercado e do custo real. Essa conduta, contudo, torna tais companhias dependentes de novas vendas para conseguir encontrar um equilíbrio financeiro e manter a operação, que é facilmente arruinada, se as novas vendas forem insuficientes para arcar com o passivo adquirido pelos pacotes promocionais vendidos. Trata-se de um modelo insustentável a longo prazo.

Agora, os consumidores precisam aguardar o desenrolar do processo de recuperação judicial. Para eles, a reflexão que fica é selecionar bem a empresa da qual adquirirão produtos e serviços, para evitar cair em uma situação de difícil reparação. Para empresários, o aprendizado deve ser agir sempre com cautela no controle de preços e alavancagem patrimonial, evitando-se adentrar em uma situação financeira difícil de sair.

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  • é especialista em Processos de Execução pela AVA Brasil Educação, mestrando em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (Ceub) e advogado associado do escritório Miranda Lima & Lobo Advogados.

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