Opinião

NLLC, Decreto nº 6.606 e governança nas contratações do Tocantins

Autor

  • Gabriela Lira Borges

    é mestre em Governança e Planejamento Público pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) especialista em Direito Constitucional pela Universidade do sul de Santa Catarina (Unisul) e em Direito Tributário pela Uniderp/Anhanguera ex-procuradora do Estado do Acre ex-consultora jurídica da Consultoria Zênite ex-analista de Licitações do Sesc-Paraná assessora jurídica do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-Paraná) autora de diversos artigos jurídicos versando especialmente sobre licitações e contratos regime de pessoal dos servidores públicos e Sistema S e consultora jurídica na área de licitações contratos e regime jurídico de servidores públicos.

22 de setembro de 2023, 17h18

O artigo 22, inciso XXVII, da Constituição atribui à União competência privativa para legislar sobre "normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, estados, Distrito Federal e municípios".

Em consonância com a norma constitucional, foi editada a Lei 14.133/2021 a qual, a exemplo do que já acontecia com a Lei nº 8.666/93, constitui norma geral em matéria de licitações e contratos. 

O caráter geral da norma abre espaço para que estados disciplinem questões que não detenham esta característica, abordando normativos próprios alinhados a interesses regionais.

Neste contexto, o Tocantins editou recentemente o Decreto nº 6.606, de 28 de março de 2023 o qual "Regulamenta, no âmbito da Administração Pública Estadual, direta, autárquica e fundacional do Estado do Tocantins, a Lei Federal no 14.133, de 1o de abril de 2021, que estabelece normas gerais de licitação e contratação, e adota outras providências".

Como não poderia deixar de ser, o decreto mantém coerência com a Lei 14.133/2021 e confere destaque à governança das contratações.

O legislador estadual atribui à alta administração a responsabilidade por implementar e manter mecanismos e instrumentos de governança das contratações públicas no estado do Tocantins e avança para definir quem é a alta administração para os fins do decreto:

"Artigo 3º Para os efeitos do disposto neste Decreto, considera-se:
I – alta administração: gestores que integram o nível executivo do órgão ou da entidade, com poderes para estabelecer as políticas, os objetivos e conduzir a implementação da estratégia para cumprir a missão da organização;"

Ainda relativamente às responsabilidades e atribuições da alta administração, o decreto cuida em estabelecer ações mínimas relativas à implementação dos mecanismos de governança, o que faz em seu artigo 18 que segue transcrito:

"Artigo 18. A alta administração dos órgãos e entidades deverá implementar e manter mecanismos e instrumentos de governança das contratações públicas estabelecendo, no âmbito de sua competência, no mínimo:
I – formas de acompanhamento de resultados, com indicadores e metas para a gestão dos processos de contratações;
II – iniciativas que promovam soluções para melhoria do desempenho institucional, com apoio, quando possível, dos resultados da gestão de riscos e do controle preventivo; e
III – instrumentos de promoção do processo decisório orientado por evidências, pela conformidade legal, pela qualidade regulatória, pela desburocratização e pelo apoio à participação da sociedade."

O decreto é bastante oportuno também ao disciplinar os objetivos da governança das contratações, objetivos estes que devem ser considerados como vetores orientativos tanto na implementação de novos mecanismos quanto no decorrer de sua utilização.

Neste sentido, o normativo estadual elenca quatro objetivos da governança nas contratações quais sejam: a) garantir a seleção da proposta mais vantajosa, b) assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição; c) evitar as contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos e d) incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável.

No que se refere aos instrumentos de governança, o artigo 7º do Decreto apresenta rol não taxativo de seguinte teor:

"Artigo 7º São instrumentos de governança nas contratações públicas, dentre outros:
I – plano de contratação anual;
II – política de gestão de estoques;
III – política de compras compartilhadas;
IV – gestão por competências;
V – política de interação com o mercado;
VI – gestão de riscos e controle preventivo;
VII – diretrizes para a gestão dos contratos;
VIII – definição de estrutura da área de contratações públicas."

Entre estes, destaca-se o plano de contratação anual para o qual o Decreto dedica diversos artigos abordando pontos como competência, calendário para elaboração e situações cuja inclusão no plano está dispensada.

O documento, a ser elaborado pelos gestores de órgãos e entidades da administração direta e indireta e consolidado pela Secretaria de Administração, deve contemplar todos os bens e serviços que a Administração Pública pretende adquirir ou contratar durante o exercício financeiro posterior à sua elaboração, devendo abranger também as renovações contratuais que ocorrerão no referido período.

De maneira didática, o Decreto nº 6.606 elegeu alguns temas-chave para os quais fixou desde logo diretrizes, entre os quais, a questão da gestão de estoques do processo de contratações, as compras compartilhadas e o relacionamento com o mercado fornecedor e com associações empresariais.

Sobre a gestão de estoques, o legislador estadual destacou a necessidade de que os custos de gestão de estoques sejam considerados nos estudos técnicos preliminares e que sejam adotadas medidas para a garantia de níveis mínimos de estoque e a minimização de perdas, deterioração e obsolescência.

Quanto às compras compartilhadas, as diretrizes foram no sentido de que as contratações de bens e serviços de uso comum sejam realizadas, preferencialmente, de forma compartilhada e que sejam utilizadas soluções centralizadas disponibilizadas pelo órgão ou entidade competente responsável pelas compras corporativas (artigo 10).

Importantes diretrizes sobre o relacionamento da administração com o mercado fornecedor foram estabelecidas pelo artigo 13 do Decreto , com prestígio à transparência e à não restrição à competitividade.

Sobre a transparência, é posta como característica do diálogo regular com o mercado que deverá ocorrer quando da elaboração dos estudos técnicos preliminares, devendo ser observada também na fase da seleção do fornecedor.

Já a promoção à competitividade é tutelada pela previsão constante do artigo 13, inciso IV segundo o qual deverão ser estabelecidas "exigências sempre proporcionais ao objeto a ser contratado, para assegurar que as oportunidades sejam projetadas de modo a incentivar a ampla participação de concorrentes potenciais, incluindo novos entrantes e pequenas e médias empresas".

Em linhas gerais, observa-se que o decreto deu maior concretude ao conceito de governança no cenário das contratações públicas, de forma alinhada aos interesses regionais. Constitui, portanto, importante diretriz interpretativa e de atuação tanto para os agentes públicos quanto para o mercado fornecedor e empresas que atuem junto à administração.

Autores

  • é mestre em Governança e Planejamento Público pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), especialista em Direito Constitucional pela Universidade do sul de Santa Catarina (Unisul) e em Direito Tributário pela Uniderp/Anhanguera, ex-procuradora do Estado do Acre, ex-consultora jurídica da Consultoria Zênite, ex-analista de Licitações do Sesc-Paraná, assessora jurídica do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-Paraná), autora de diversos artigos jurídicos, versando especialmente sobre licitações e contratos, regime de pessoal dos servidores públicos e Sistema S e consultora jurídica na área de licitações, contratos e regime jurídico de servidores públicos.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!