Opinião

Multiparentalidade na sucessão

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20 de setembro de 2023, 19h27

Todos sabem o quanto a sociedade tem evoluído e, obrigatoriamente, junto com essa evolução, o direito também precisa fazer adaptações para que possa acompanhar e amparar as mais diferentes situações. Na seara do direito de família e sucessões um grande tema que precisa ganhar espaço é quando se trata da sucessão em famílias que existe a multiparentalidade. Abordaremos, neste texto, alguns aspectos principais sobre o tema.

A multiparentalidade é caracterizada quando a pessoa possui vínculo de filiação com mais de dois ascendentes de primeiro grau. Podemos utilizar aqui como exemplo uma pessoa que é registrada com dois pais e uma mãe.

A multiparentalidade foi acolhida no ordenamento de direito de família brasileiro por meio da Tese nº 622 do Supremo Tribunal Federal, onde aconteceu o reconhecimento da filiação socioafetiva ao lado da filiação biológica. Ou seja, se tornou possível o reconhecimento de um pai socioafetivo mesmo existindo o registro de filiação biológica. Importante frisarmos que a multiparentalidade ocorre quando existe o vínculo de filiação com três ou mais ascendentes de forma simultânea.

A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento de vínculo de filiação concomitante baseado na ordem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. Ou seja, quando se fala em efeitos jurídicos próprios estamos informando que também se aplicam os direitos sucessórios no presente caso.

O Provimento 63 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) autorizou o registro dos vínculos consensuais socioafetivos de filiação de forma voluntária diretamente no registro civil de pessoas, sem precisar do judiciário. Diante dessa autorização, se tornou ainda mais fácil realizar o registro, ainda que existam pais biológicos também registrados.

Em relação à sucessão, questiona-se então se o filho poderá receber três heranças?

E a resposta é sim. Os filhos são iguais perante a Lei, conforme dispõe o artigo 277, §6º da Constituição Federal. Além disso, existe o direito de herança, também assegurado pela Constituição no artigo 5º, XXX.

Portanto, não teria motivo algum para o filho ser excluído de alguma das linhas de sucessão. O Recurso Especial nº 1618/230/RS já trouxe decisão neste sentido, garantido acesso aos efeitos jurídicos próprios — aplicando-se também para a sucessão. Vale mencionar também o Enunciado 632 da 8ª Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal (CJF), onde restou assegurado que nos casos de reconhecimento de multiparentalidade paterna ou materna, o filho terá direito à participação na herança de todos os ascendentes reconhecidos.

Mais uma reflexão importante a se fazer diz respeito ao inverso: como irão se comportar os múltiplos ascendentes em relação ao filho? Todos os ascendentes poderão ser herdeiros do descendente? E, se sim, como a herança seria dividida?

Se o filho em questão não possui descendentes e nenhum cônjuge/companheiro, seus ascendentes irão herdar seus bens. Quanto à divisão da herança, temos uma divergência na doutrina entre duas opiniões.

A tese 1 contempla a ideia de que a herança deve ser dividida em linha paterna e linha materna, ou seja, 50% para cada linha. Nesta hipótese, se a pessoa possui dois pais, ficaria 25% da herança para cada pai e 50% para mãe. Ou se for ao contrário, duas mães e um pai, 25% para cada mãe e 50% para o pai.

Já a tese 2 traz a ideia de que a herança deve ser dividida em percentuais iguais para todos os ascendentes, sem trazer a diferenciação entre linha paterna e materna. Trago aqui o enunciado 642 Conselho Federal de Justiça na 8ª Jornada de Direito Civil, vejamos:

Nas hipóteses de multiparentalidade, havendo o falecimento do descendente, com o chamamento dos seus ascendentes à sucessão legítima, se houver igualdade em graus e diversidade em linha entre os convocados a herdar, a herança será dividida em tantas linhas quantos sejam os genitores.

Diante do apresentado, me parece que a tese 2 é a mais adequada. Adotar os termos "linha paterna" e "linha materna" não parece, para os dias atuais, o mais propício levando em consideração a diversidade de gêneros. O mais adequado é se falar em linhas ascendentes.

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