Opinião

Tributação das prestadoras de serviços médicos que utilizam estrutura de terceiros

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19 de setembro de 2023, 20h39

Em época de desconfiança dos agentes econômicos quanto à sustentabilidade do arcabouço fiscal, a alta taxa dos juros definida pelo Banco Central, a diminuição do poder de compra dos brasileiros com a elevação dos preços dos produtos e serviços de uma forma geral, questões como "elevação da carga tributária" e "economia fiscal", ganham destaque.

Não se fala outra coisa senão sobre a possibilidade de aumento da carga tributária para as empresas prestadoras de serviços com a atual reforma tributária que se encontra atualmente em discussão no Senado e com previsão de pauta para votação nos próximos meses.

É nesse contexto que passo a tecer considerações sobre a tributação das pessoas jurídicas prestadoras de serviços médicos, organizadas como sociedades empresariais, que desempenham atividade com a utilização da estrutura de terceiros, que pode resultar em diminuição de custos tributários.

Sobre o arcabouço legal e regulamentar do IRPJ e da CSLL, em especial os da Lei 9.249/95, nota-se que, para determinar a base de cálculo desses tributos, foi definido o percentual de 32% sobre a receita bruta auferida mensalmente pelas atividades de prestação de serviços em geral. Com exceção, das hospitalares, que devem ser aplicadas bases reduzidas, apuradas por meio da incidência de 8% e 12% sobre a receita bruta obtida por mês, para o cálculo do IRPJ e da CSLL, respectivamente.

A Lei 9.249/95, no artigo 15, com redação introduzida pela Lei 11.727/08, ampliou o rol de pessoas jurídicas prestadoras de serviços médicos voltadas à promoção da saúde humana, passando a equiparar aos estabelecimentos hospitalares, as clínicas médicas prestadoras de serviços laboratoriais de auxílio diagnóstico e terapia, além de patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas, para fins de apuração da base de cálculo do IRPJ e CSLL, desde que a prestadora seja organizada como sociedade empresária e atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Assim, os prestadores desses serviços médicos, organizados em sociedade, que exercem suas atividades em conformidade com a Anvisa e que adotam o lucro presumido, devem recolher os tributos considerando, como percentuais de determinação de suas bases de cálculo, 8% para o IRPJ, e 12% para a CSLL.

Todavia, a Secretaria da Receita Federal do Brasil limitando a interpretação e a aplicação da lei 9.249/95, nos incisos II e III do § 4º do art. 33 da IN RFB nº 1.700, de 14 de março de 2017 (em combinação com o seu artigo 215, caput e § 1º), dispunha que não se aplicariam os percentuais reduzidos de presunção do lucro na hipótese de "serviços prestados com utilização de ambiente de terceiro" e de "pessoa jurídica prestadora de serviço médico ambulatorial com recursos para realização de exames complementares e serviços médicos prestados em residência, sejam eles coletivos ou particulares (home care)".

Num primeiro momento, a Secretaria da Receita Federal do Brasil, com base na referida legislação tributária, por meio das IN SRF 480, de 14 de dezembro de 2004 e IN SRF 539, de 25 de abril de 2005, passou a exigir dos estabelecimentos assistenciais de saúde uma estrutura física para que o contribuinte pudesse usufruir do benefício fiscal de redução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, exigência esta que extrapolou os limites da lei, conforme decidido pelo STJ, no julgamento do REsp nº 1.116.399 — Tema 217/STJ.

Na ocasião, o STJ consolidou o entendimento de que a expressão "serviços hospitalares" deve ser entendida de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva da atividade realizada pela contribuinte), porquanto a lei, ao conceder o benefício fiscal, não considerou o contribuinte em si (critério subjetivo), mas a natureza do próprio serviço prestado (assistência à saúde), além de que (…) os regulamentos emanados da Receita Federal referentes aos dispositivos legais acima mencionados não poderiam exigir que os contribuintes cumprissem requisitos não previstos em lei (a exemplo da necessidade de manter estrutura que permita a internação de pacientes) para a obtenção do benefício.

Acontece que a Secretaria da Receita Federal do Brasil passou a exigir novo requisito dos contribuintes a fim de conceder o benefício fiscal em comento, interpretação constante, inclusive, das IN RFB 1.234, de 11 de janeiro de 2012 e IN RFB 1.700, de 14 de março de 2017, atualmente em vigor.

Em sintonia com a previsão legal, a IN RFB 1.700, de 14 de março de 2017, em seus artigos 33 e 34, estabelece que o percentual das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, para as sociedades empresárias (Sociedade Ltda. e S.A.) que atendam às normas da Anvisa (entre outras, a prestação de serviços em ambientes desenvolvidos de acordo com o item 3 — Dimensionamento, Quantificação e Instalações Prediais dos Ambientes da Parte II – Programação Físico-Funcional dos Estabelecimentos Assistenciais de Saúde da Resolução RDC nº 50, de 21 de fevereiro de 2002, cuja comprovação deve ser feita mediante alvará da vigilância sanitária estadual ou municipal) e que tenham optado por serem tributadas por meio do regime do lucro presumido (regime tributário em que a empresa faz a apuração simplificada do IRPJ e CSLL), são, respectivamente, de 8% e 12% sobre a receita bruta.

Contudo, extrapolando novamente o texto legal, a Secretaria da Receita Federal do Brasil passou a exigir que a prestação dos serviços se dê em ambiente de titularidade do contribuinte, considerando que, nos casos de prestação de serviços médicos em ambiente de terceiros, como hospitais, o enquadramento com base de cálculo com percentual reduzido não seria aplicável.

É o caso, por exemplo, dos cirurgiões que atuam em geral no interior de hospitais, e apesar de cumprirem os requisitos expressos no artigo 15, da lei 9.249/95, com as alterações promovidas pela lei 11.727/08, vêm sendo tributados por meio do IRPJ e da CSLL, com bases de cálculo apuradas com a incidência de 32% sobre a receita bruta.

Em outras palavras, com essa regulamentação, a Secretaria da Receita Federal do Brasil vinha impossibilitando que as pessoas jurídicas prestadoras de serviços médicos, a exemplo, dos cirurgiões que atuam no interior de unidades hospitalares, a despeito de cumprirem todos os requisitos expressos e taxativos nos artigos 15 e 20 da Lei nº 9.249/95, com as alterações promovidas pela lei 11.727/08, pudessem se valer do enquadramento tributário com percentuais menores e, assim, acabam sendo tributados por meio do IRPJ e da CSLL, com bases de cálculo apuradas com a incidência de 32% (trinta e dois por cento) sobre a receita bruta.

Inclusive, em Solução de Consulta Disit/SRRF03 nº 3.005, de 03 de maio de 2021, a Secretaria da Receita Federal do Brasil externou esclarecimento nesse sentido ao consignar que para fins de minoração da alíquota prevista nos artigos 15, § 1º, inciso III, alínea "a", e 20 da Lei nº 9.249/1995, os serviços médicos de anestesia supostamente também deveriam ser "prestados nas próprias instalações do estabelecimento de saúde do contribuinte", o que por via oblíqua está implicitamente aplicando a restrição prevista na IN RFB 1.700, de 14 de março de 2017, na medida em que os serviços de anestesia são comumente prestados no ambiente de terceiros, mormente em intervenções cirúrgicas.

Todavia, prevenindo uma avalanche de casos que possivelmente seriam levados ao Poder Judiciário, por clara ofensa aos preceitos legais e aos balizamentos definidos pelo STJ, no julgamento do REsp nº 1.116.399 — Tema 217/STJ e Tema 353/STF, (inclusive que incide o Imposto de Renda Pessoa Jurídica — IRPJ e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSSL com alíquotas reduzidas, na forma do art. 15, § 1º, III, da Lei 9.249/1995, sobre a receita proveniente da prestação de 'serviços hospitalares' (não receita bruta total da empresa), neles compreendidas as atividades de natureza hospitalar essenciais à população, independente da existência de estrutura para internação, excluídas as consultas realizadas por profissionais liberais em seus consultórios médicos), a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por intermédio do Parecer SEI 7689/2021/ME, externou orientação vinculada para que as atividades da Secretaria da Receita Federal do Brasil observe o entendimento proferido pelo STJ no REsp 1.116.399/BA.

Nesse sentido, instado a se manifestar o STJ no REsp 1.116.399/BA, firmou a seguinte tese: "Para fins do pagamento dos tributos com as alíquotas reduzidas, a expressão 'serviços hospitalares', constante do artigo 15, § 1º, inciso III, da Lei 9.249/95, deve ser interpretada de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva da atividade realizada pelo contribuinte), devendo ser considerados serviços hospitalares 'aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde', de sorte que, 'em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos".

Seguindo a trilha da jurisprudência em relevo e da orientação vinculada proferida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por intermédio do Parecer SEI nº 7.689/2021/ME, a Secretaria da Receita Federal do Brasil confeccionou entendimento em recente Solução de Consulta Disit/SRRF04 nº 4.030, de 15 de agosto de 2023, vinculada à Solução de Consulta nº 147, de 20 de julho de 2023, que fica vedada a imposição de limitações, para aplicação da alíquota reduzida, relacionadas aos serviços de home care e às sociedades que desempenham atividade com a utilização da estrutura de terceiro, muito embora essa última situação possa indicar que a sociedade não apresenta elemento de empresa.

Assim, significa dizer que a Secretaria da Receita Federal do Brasil por ora pôs um pá de cal nessa questão, possibilitando, no exemplo acima, aos cirurgiões, organizados em sociedade empresariais — que atuam no interior de hospitais de propriedade de terceiros, que atendam às normas da Anvisa e que tenham optado por serem tributadas por meio do regime do lucro presumido, possam utilizar o percentual de 8% e 12% sobre a receita bruta como base de cálculo, respectivamente, do IRPJ e da CSLL, apenas no que toca às receitas de serviços tipicamente hospitalares.

Ou seja, o benefício não se aplicaria às consultas médicas, nem mesmo quando realizadas no interior de hospitais, de modo que só abrangeria parcela das receitas da sociedade que decorre da prestação de serviços hospitalares propriamente ditos.

Portanto, considerando a recente alteração de entendimento da Secretaria da Receita Federal do Brasil, fato este que se apresenta em debate, a conclusão a que se chega na esfera administrativa encontra-se garantido o direito das sociedades empresariais a utilizar os percentuais reduzidos de 8% de IRPJ e 12% de CSLL para a apuração das receitas auferidas em razão da prestação de serviços hospitalares, ressaltando aos contribuintes que se sintam prejudicados a possibilidade de buscar, pela via judicial, a recuperação dos valores indevidamente pagos ao Fisco Federal, cabendo, ainda, a reestruturação de sua operação, com vistas a uma economia fiscal nos próximos exercícios financeiros.

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