Opinião

Três distintas senhoras: Dona Canô, Constituição dos EUA e Ruth Ginsburg

Autor

  • João Carlos Souto

    é professor de direito constitucional doutor em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (Ceub) procurador da Fazenda Nacional e autor do livro Suprema Corte dos Estados Unidos – Principais Decisões (4ª ed editora Atlas).

17 de setembro de 2023, 18h24

Três distintas senhoras: Dona Canô Veloso, a Constituição dos Estados Unidos e Ruth Bader Ginsburg, 16, 17 e 18 de setembro.

O Recôncavo Baiano é uma região rica em história, arquitetura e cultura, localizada a poucos quilômetros da capital, Salvador. Duas cidades se destacam: Cachoeira e Santo Amaro da Purificação. Tem origem em Santo Amaro uma das mais importantes linhagens musicais do Brasil; a dos Veloso; Caetano e Maria Bethânia à frente. Mas este artigo, escrito em 16 de setembro de 2023, destina-se a celebrar três figuras femininas, duas estadunidenses e uma brasileira.

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Começo pela santamarense Dona Canô Veloso, mãe dos dois ícones da MPB. A conheci na década de 1980 no seu apartamento em Nazaré, bairro de classe média de Salvador, a cidade mais musical do Brasil. Uma mulher de fala mansa, gestos simples e tempero equilibrado, que nos preparou uma sopa, que degustamos na companhia de Rodrigo Veloso, irmão mais velho de Caetano; uma foto sua ilustra a capa do disco “Uns”, do irmão famoso, lançado em 1983.

Nesse dia, "Seu Zezinho", o pai, apareceu muito rapidamente e com semblante de poucos amigos. Dona Canô conversou longa e animadamente, inclusive para fazer uma breve observação sobre a capa do LP "Cores e Nomes", que explico em detalhes em outra crônica, publicada há alguns anos. [1]

Escrevo este texto no dia que Dona Canô, se fisicamente viva fosse, completaria 116 anos, ela que nasceu em 16 de setembro de 1907, em Santo Amaro. Viveu 105 anos, educou seus filhos, lutou pela cultura baiana e santamarense, lutou pelas liberdades.

Setembro acolhe o aniversário de uma outra senhora, que completa em 17 de setembro 236 anos de criada. Refiro-me à Constituição dos Estados Unidos da América, elaborada na Filadélfia em 1787, após o experimento dos "Artigos da Confederação", misto de constituição e tratado internacional que precariamente uniu as antigas 13 Colônias inglesas na América no período imediatamente posterior à Independência.

A Constituição dos Estados Unidos é referência e pioneira em diversos aspectos, seja pelo simples uso da expressão "presidente da República", pelo inovador acolhimento da teoria da separação e equilíbrio entre os Poderes, pelo estabelecimento do Estado federal moderno, por ter criado o Senado como representante dos estados e fiador do equilíbrio federativo,[2] e pela instituição da Corte Suprema que mais tarde, por construção judicial, inauguraria o primeiro caso de controle de constitucionalidade que se tem notícia, ao decidir, pelas mãos e talento jurídico do Chief Justice John Marshall, o caso Marbury v. Madison[3] que se tornaria referência mundial em controle de constitucionalidade.[4]

E na sequência aos 18 de setembro o mundo jurídico e feminino estadunidense celebra o passamento de Ruth Bader Ginsburg, a segunda mulher a ter assento na Suprema Corte, nomeada que fora por Bill Clinton, em agosto de 1993. Clinton, aliás, afirmou, ao encaminhar seu nome ao Senado, que Ginsburg representava para o movimento feminino nos Estados Unidos o que Thurgood Marshall representou na luta em prol dos Direitos Civis nas décadas de 1950 e 1960. [5]

Ginsburg encarnou o movimento feminista como advogada, autora de artigos e posteriormente magistrada. É de sua autoria o voto, pela maioria, no caso United States v. Virginia, [6] que colocou um ponto final na proibição da admissão de mulheres no Virginia Military Institute, situação que durava mais de um século e contava com apoio de setores conservadores poderosos, a exemplo do seu colega de Tribunal, Antonin Scalia, inclusive autor de voto contrário à admissão. Esse caso é emblemático, porque criou precedente para impedir que escolas públicas erigissem regra similar.

Ginsburg, como dito, foi "a segunda mulher a ter assento na Corte, mas a primeira integrante a con­quistar um lugar na sua história como ícone cultural de uma geração".[7]

São três datas sequenciais, em setembro, que convidam à reflexão, sobre música, cultura, liberdade, empoderamento feminino e equilíbrio e respeito entre os Poderes.

 


[1]. SOUTO, João Carlos. Eu e Dona Canô. Correio Braziliense, Brasília, p. 3, 14 dez. 2021. Dsponível impressa e também em meio eletrônico: https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/12/4970567-joao-carlos-souto-eu-e-dona-cano.html

[2]. SOUTO, João Carlos. Composição da Câmara e equilíbrio federativo. Correio Braziliense/Caderno Direito & Justiça, Brasília, p. 1, 13 abr.1998.

[3]. 5 U.S. (1 Cranch) 137 (1803).

[4]. SOUTO, João Carlos. Suprema Corte dos Estados Unidos – Principais Decisões. 4a. ed. São Paulo: GEN/Atlas, 2021. O Capítulo II é dedicado à organização, funcionamento e processo decisório da Suprema Corte dos Estados Unidos. O Capítulo III versa sobre o nascimento do controle de constitucionalidade, com todo o drama político e as etapas anteriores e posteriores à decisão de John Marshall.

[5]. HART, Jane Sherron De. Ruth Bader Ginsburg, a Life. New York: Vintage Books, 2020, p. v, 302 e seguintes.

[6]. 518 U.S. 515 (1996).

[7]. SOUTO, João Carlos; MELLO, Patrícia Perrone Campos. Suprema Corte dos Estados Unidos: lições do -term- 2019-2020 e uma breve homenagem a Ruth Bader Ginsburgh. Revista de Direito Internacional, v. 19, p. 381-399, 2022.

Autores

  • é professor de Direito Constitucional (UDF), mestre e doutor (suma cum laude) em Direito (Ceub), procurador da Fazenda Nacional, autor de "Suprema Corte dos Estados Unidos — Principais Decisões" (Atlas, 4ª ed/2021).

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