Questão de ética

Alito defende direito de ministros nos EUA de rejeitar pedidos de suspeição

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14 de setembro de 2023, 18h49

Em uma declaração oficial de quatro páginas, na sequência de duas páginas de "Ordens em casos pendentes" da Suprema Corte dos EUA, o ministro Samuel Alito afirmou que "não vê razão válida para se declarar suspeito" no julgamento de um caso (Moore v. United States), em que um dos advogados dos autores da ação participou de uma entrevista com o ministro para o Wall Street Journal.

Italy in US/Flickr
A entrevista, feita pelo advogado e "jornalista de opinião" David Rivkin e pelo editor James Taranto do jornal conservador, resultou em dois artigos, em que Alito teve a oportunidade de se manifestar, entre outras questões que o afetavam, sobre o desejo do Congresso de aprovar um código de ética para os ministros da Suprema Corte.

Referindo-se aos congressistas, Alito declarou: "Nenhum dispositivo na Constituição concede a eles a autoridade para regulamentar a Suprema Corte — ponto final."

Diante da aparência de que a entrevista foi "amigável", o presidente do Comitê Judiciário do Senado, Dick Durbin, enviou uma carta ao presidente da Suprema Corte, ministro John Roberts, pedindo que tomasse as medidas apropriadas, para se assegurar de que Alito se declarasse suspeito no julgamento desse caso, que apresenta uma questão tributária.

Entre outras coisas, Alito declarou que os ministros são capazes de colocar de lado suas conexões pessoais com advogados que atuam na Suprema Corte ou que expressaram pontos de vista sobre os ministros e que, na entrevista, Rivkin atuou como jornalista, não como advogado.

Declarou ainda que outros ministros já deram entrevistas a publicações e não se declararam suspeitos e que, se os ministros se declararem suspeitos, por suas relações com jornalistas e advogados, nunca haverá quórum para os julgamentos da corte.

A "Declaração do ministro Alito" diz [parágrafos acrescentados para facilitar a leitura]:

"Em uma carta ao presidente da Suprema Corte, datada de 3 de agosto de 2023, o senador Richard Durbin, presidente do Comitê Judiciário do Senado, conclamou o presidente da corte a 'tomar medidas apropriadas para se assegurar' que eu me declarasse suspeito nesse caso.

A declaração de suspeição é uma decisão pessoal de cada ministro e, quando não há uma razão sólida para o ministro se declarar suspeito, o ministro tem de julgar. Como a audiência desse caso está programada para breve e porque a atenção para a minha participação planejada já é conhecida, eu respondo a essas preocupações agora.

Não há razão válida para eu me declarar suspeito nesse caso. A carta do Senador Durbin expressou a opinião de que a declaração de suspeição é necessária porque participei de duas entrevistas que resultaram em dois artigos sobre meu trabalho, que apareceram no Wall Street Journal.

As entrevistas foram conduzidas em conjunto e os artigos resultantes foram escritos em conjunto por James Taranto e David B. Rivkin Jr. Taranto, um jornalista proeminente que, presumivelmente escreveu ou aprovou tudo o que apareceu nos artigos sob sua assinatura e a carta do senador Durbin não faz objeções relativas a sua participação nesse projeto.

O senador Durbin argumenta, no entanto, que a participação de Rivkin exige que eu me declare suspeito, porque Rivkin, que é um jornalista de opinião muito publicado e um advogado praticante, é um dos advogados nesse caso.

Este argumento é infundado. Quando Rivkin participou das entrevistas e foi coautor dos artigos, ele o fez como jornalista, não como advogado. O caso em que está envolvido nunca foi mencionado; nem discutimos qualquer assunto nesse caso, direta ou indiretamente. Seu envolvimento no caso foi divulgado no segundo artigo e, portanto, os leitores poderiam levar isso em consideração.

Não houve nada de extraordinário nas entrevistas em questão. Ao longo dos anos, muitos ministros participaram em entrevistas com representantes de meios de comunicação, que frequentemente foram partes em processos perante o tribunal, incluindo a NPR, o New York Times, a CBS, a Fox News, a National Review e a ABC.

Da mesma forma, muitos dos meus colegas foram entrevistados por advogados que também atuaram neste Tribunal e alguns foram coautores de livros com esses advogados. Essas entrevistas não resultaram nem exigiram suspeição.

O pedido do senador Durbin para me declarar suspeito se baseia, presumivelmente, na teoria de que meu voto em Moore será afetado de alguma forma pelo conteúdo dos artigos que resultaram das entrevistas, mas, fundamentalmente, essa teoria interpreta mal as circunstâncias sob as quais os ministros da Suprema Corte devem trabalhar.

Não temos controle sobre os advogados que as partes escolhem para representá-las e, como resultado, frequentemente nos deparamos com casos em que um dos advogados falou favorável ou desfavoravelmente sobre nosso trabalho ou caráter.

Da mesma forma, recebemos regularmente petições protocoladas por ou em nome de membros do Congresso, que apoiaram ou se opuseram às nossas confirmações ou que fizeram comentários favoráveis ou desfavoráveis sobre nós ou nosso trabalho.

Participamos de casos em que um ou mais dos advogados são ex-auxiliares da corte, ex-colegas ou pessoas que conhecemos há muito tempo. Se nos declararmos suspeitos em tais casos, teríamos normalmente menos de um tribunal pleno e o trabalho da corte seria substancialmente perturbado e distorcido.

Em todos os casos mencionados acima, somos obrigados a tirar da mente comentários favoráveis ou desfavoráveis e quaisquer conexões pessoais com um advogado e julgar os casos com base exclusivamente na lei e nos fatos. E é isso que fazemos.

Por estas razões, não há razão sólida para me declarar suspeito nesse caso e, de acordo com o dever de julgar, recuso a me declarar suspeito.

Em notas de rodapé, Alito menciona casos de ministros da Corte que deram entrevistas a meios de comunicação que, a qualquer tempo, tiveram casos na Suprema Corte e que, nem por isso, se declaram suspeitos. Ele cita John Roberts, Neil Gorsuch, Sonia Sotomayor, Stephen Breyer e Ruth Bader Ginsburg.

Rivkin é sócio da Baker & Hostetler. Ele e dois outros advogados da banca representam o casal Charles e Kathleen Moore, sócios minoritários de uma empresa que vende equipamentos agrícolas a preços razoáveis, na Índia. O governo dos EUA tributa receitas obtidas no exterior, com base no imposto obrigatório de repatriação (Mandatory Repatriation Tax).

Os autores da ação alegam que nunca receberam distribuições, dividendos ou outros pagamentos decorrentes de seu investimento de US$ 40 mil. Mas, apesar disso, eles tiveram de pagar impostos sobre os reinvestimentos de receitas da empresa.

A lei em questão visa acionistas que detêm participação de 10% ou mais em empresas estrangeiras que sejam, primariamente, de propriedade de ou controladas por cidadãos dos Estados Unidos.

Com informações adicionais do Jornal da ABA, Reuters, Bloomberg Law e Law360.

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