Opinião

Súmula 347 e o TCU: alteração ou reafirmação da posição do STF?

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13 de setembro de 2023, 6h30

Desde 1963 o Tribunal de Contas da União mantém vigente a Súmula 347, que autoriza a Corte de Contas a exercer controle de constitucionalidade de leis e atos do poder público. Trinta e cinco anos depois da Constituição de 1988, no recente MS 25.888, surge a necessidade de o Supremo Tribunal Federal afirmar a evidência de que a aplicação dessa súmula não é livre e não constitui poderes ao TCU como se fosse espécie de mini corte constitucional. Não obstante, isso não significa que o STF afastou totalmente a referida súmula: apenas deu a ela a interpretação de acordo com o texto constitucional vigente. 

Para compreender corretamente a questão, é necessário considerar que, como lembrado pelo ministro Gilmar Mendes na medida cautelar MS 25.888 (2006), até a edição da EC 16/1965, introdutora do controle abstrato de constitucionalidade, era possível que órgãos não-jurisdicionais recusassem dar vigência a norma considerada inconstitucional. Contudo, com a nova Constituição, cujo texto possibilitou maior acesso à discussão de questões constitucionais no STF, altera-se o modelo de controle de constitucionalidade até então vigente no Brasil: restringiu-se a possibilidade de controle difuso de constitucionalidade, especialmente por órgãos que não integram o Poder Judiciário, como o TCU. 

Isso significaria, então, que o TCU deve aplicar leis inconstitucionais? A resposta é negativa. 

A decisão do Supremo aponta que o TCU pode e deve afastar a aplicação de leis quando se tratar de matéria pacificada no STF, com a condicionante do voto vencedor: o argumento de inconstitucionalidade precisa ser imprescindível para o controle externo. 

Essa condição impõe que o TCU, além de verbalizar a súmula para afastar a constitucionalidade da norma, promova também a devida fundamentação de necessidade e embasamento na jurisprudência do STF sobre o tema. 

Por fim, reforçando a tese que já constava da ementa do MS 35.410, o voto vencedor registrou a impossibilidade da objetificação dos eventuais controles realizados pelo TCU no caso concreto, o é fruto natural das premissas estabelecidas pelo STF para que a Corte de Contas possa não aplicar uma norma. Nesse sentido, a ementa do MS 35.410 foi explícita ao afirmar que "o Tribunal de Contas da União, órgão sem função jurisdicional, não pode declarar a inconstitucionalidade de lei federal com efeitos erga omnes e vinculantes no âmbito de toda a Administração Pública Federal". Como na hermenêutica do direito não existem palavras vazias, a expressão "com efeitos erga omnes e vinculantes" é de importância salutar: o que se rejeitou foi a possibilidade de o TCU, a partir de um caso concreto, faça transcender os efeitos de suas decisões a toda a administração pública, vedando-lhe, assim, a aplicação automática e irrestrita do entendimento exarado para outros casos concretos. 

Com base nessa lógica o relator concluiu que a Súmula 347 mostra-se compatível com ordenamento jurídico, desde que se perceba que o tratamento das questões constitucionais por Tribunais de Contas observe "a finalidade de reforçar a normatividade constitucional"

A partir disso, espera-se que as cortes de contas passem a atuar estritamente na função desse reforço normativo da Constituição, prestando deferência ao entendimento daquele que tem efetivamente a competência para afastar as violações a dispositivos constitucionais: o Supremo Tribunal Federal – sendo tal função modulada nos termos do voto vencedor do MS 25.888, nas hipóteses em que a não aplicação da lei/ato seja necessária ao controle externo e desde que se dê com efeitos restritos ao caso concreto em análise.  

Importa destacar que a discussão no STF sobre a Súmula 347 ainda não se encerrou porque está pendente de apreciação o ARE 1.208.460, em que novamente se discute a possibilidade de Tribunais de Contas apreciarem a constitucionalidade de leis.  

Aguardemos o novo julgamento da corte. 

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