Núcleos de prática jurídica como legitimados ativos para propositura de ACP
13 de setembro de 2023, 11h21
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) estabelece em seu artigo 5º, XXXV, a garantia da inafastabilidade da jurisdição ou, em outras palavras, o direito de ação. Isso porque "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito". De acordo com SOUZA (2007, p. 73-74),
"Trata-se de direito público subjetivo, decorrente do monopólio da prestação jurisdicional cabente ao Estado. De fato, se o Estado chama a si a responsabilidade de prestar a jurisdição de forma privativa, é indispensável que confira aos integrantes da sociedade (ou ao próprio corpo social) o direito de provocá-lo, no sentido de dirimir, com color de definitividade, todo e qualquer conflito de interesses que venha a manifestar-se."
Para melhor compreensão, o artigo 5º, XXXV, da CRFB/88, estabelece o direito de movimentação da administração pública (por meio do Poder Judiciário), com vistas à obtenção de tutela, a partir de instrumentos normativos estabelecidos no ordenamento jurídico brasileiro. Em verdade, é um direito fundamental do cidadão.
Nesse contexto, para além da proteção estatal a direitos individuais e/ou personalíssimos, há possibilidade vasta de tutela de interesses metaindividuais, com mecanismos adequados de proteção jurídica efetiva.
É válido expor que Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73) possuía caracteres, evidentemente, individualistas, ante o seu aspecto subjetivista. Tal esquematização dificultava a tutela de direitos metaindividuais.
Por outro lado, o Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15) traz a ação como um direito conferido à parte, que dela pode utilizar e transigir (negociar) acerca de seu próprio objeto — quando disponível, logicamente.
A princípio, a proteção dos interesses transindividuais é relativizada quando é visualizada a eficácia material da coisa julgada, nos termos do artigo 506 do CPC, que dispõe que a sentença produz efeitos internos às partes da relação jurídico-processual, não prejudicando terceiro. Porém, no direito processual coletivo há possibilidade da coisa julgada in utilibus para o terceiro, quando este for beneficiado pela res judicata produzida inter partes, poderá usá-la em seu benefício.
Nesse contexto, tem-se o artigo 18 do CPC/15, que ao tratar da legitimidade ativa, afirma que o titular da ação e do direito material lesado ou sob ameaça de lesão é quem deve propor eventual ação judicial — que é a legitimidade comum ou ordinária.
O referido dispositivo legal afirma que é possível que sejam criadas hipóteses em que determinada pessoa poderá, em nome próprio, buscar proteção à direito alheio — que a legitimidade excepcional ou extraordinária.
Essa última legitimação é a mais alinhada aos interesses metaindividuais que possuem objeto indivisível, pertencente à coletividade e relacionados a questões públicas.
O artigo 5º, da Lei de Ação Civil Pública (LACP), dispõe quais são os legitimados ativos para a propositura da demanda transindividual, não sendo exclusividade Ministério Público, embora exista a disposição do artigo 129, III, da CRFB/88.
O que se busca, em verdade, com o artigo 5º, da LACP, é efetivar o amplo acesso à Justiça, ante a relevância democrática e social do Direito Coletivo (lato sensu). Nessa lógica, este texto defende a necessidade e fundamentalidade da inclusão dos Núcleos de Prática Jurídica (NPJ) como legitimados ativos à propositura de ações civis públicas.
Os NPJs, seja em parceira ou não com as Defensorias Públicas, buscam contribuir com o máximo acesso à Justiça aos cidadãos hipossuficientes econômicos e técnico-jurídicos. Nesse contexto, faculdades de Direito desenvolvem seus acadêmicos para atuarem, eticamente, e com responsabilidade social-democrática. Isso porque as Defensorias, embora representem papel relevantíssimo no cenário jurídico atual, ainda carecem de melhor estruturação para o desempenho efetivo de seu mister constitucional, presente no artigo 134, da CRFB/88.
Sendo assim, adequado e republicano é a inserção dos NPJs no rol do artigo 5º, da LACP, por meio de lei. Isso devido à aproximação ontológico-jurídica entre as atividades prestadas pela Defensoria Pública (legitimada presente no artigo 5º, II, da LACP) e os serviços realizados pelos Núcleos de Prática Jurídica (verdadeiros escritórios experimentais) — sintetizados em: atendimento a cidadãos hipossuficientes econômicos e técnico-jurídico — em consonância com os direitos e garantias constitucionais.
Além disso, atribuir incumbência de exímia magnitude aos NPJs, qual seja: auxílio à concretização de direitos metaindividuais, também colabora com o aperfeiçoamento da educação jurídica e com a formação ética do estudante de Direito.
Com certeza, esse avanço auxiliará na inserção, no mercado de trabalho, de profissionais polidos tecnicamente e, sobretudo, sensíveis a desigualdades sociais, econômicas e culturais.
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