Desafio da publicidade dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal
13 de setembro de 2023, 10h23
A recente declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a publicidade dos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) despertou reações que variaram entre a surpresa e a indignação, como se a ideia aventada fosse um despautério — o que não é o caso, malgrado a incompatibilidade com a Constituição brasileira. O tópico é passível de debate porque experiências internacionais atestam a viabilidade de modelos distintos do adotado no Brasil.
A Carta de 1988 é clara ao consagrar a regra da transparência já no inciso 60 do artigo 5º: "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem". Em síntese, o sigilo é admitido, mas excepcionalmente. O artigo 37 impõe, dentre outros, o princípio da publicidade à administração pública dos Poderes da União.
Em essência, essa ênfase na transparência deriva do nosso modelo de organização: na República, a publicidade é uma exigência que nasce já na etimologia dos termos. A questão que se coloca é de medida — quanto maior a opacidade do sistema, maior o alheamento de seus operadores às cobranças e pressões. O que queremos, então: julgadores nefelibatas, infensos às vozes das ruas? Ou magistrados que oscilam ao sabor do barulho da opinião pública, das redes sociais?
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Os julgamentos são públicos e assim hão de permanecer, para o bem do Estado democrático de Direito. Se o poder emana do povo, os Poderes devem a este, no mínimo, satisfação — os governantes não estão dispensados de prestar contas, frise-se. Por outro lado, não pode a publicidade tornar-se opressiva. Pelo contrário, favorecerá precisamente aquilo que visa combater: as interferências indevidas. Em vários sistemas jurídicos do mundo, julgamentos são anulados quando ocorre a interferência indevida da mídia sobre o caso julgado.
As manifestações dos ministros do STF justificam o interesse público sobretudo porque balizam outras deliberações, em outras instâncias, sejam vencidas ou vencedoras. A expressão do desagrado de parcela da população com determinações judiciais é natural nas democracias, já que o Judiciário é chamado a dirimir conflitos preexistentes, que a sociedade ou os outros Poderes não puderam resolver por si mesmos. Entretanto, não podemos repetir a máxima nazista, segundo a qual a interpretação da lei deve consultar o sentimento da raça ariana.
Nesse contexto de disputa, o mais relevante é a manutenção da independência judicial, verdadeira garantia da cidadania, que possibilita a tomada de decisões isentas e imparciais por parte dos tribunais.
Afinal, entre a obscuridade total e a exposição excessiva, o que vale é a efetividade da prestação jurisdicional — que não se alcançará senão por meio do equilíbrio, não por acaso, o símbolo mor da própria Justiça.
*O artigo foi publicado originalmente na Folha de S.Paulo
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