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A oralidade e as condições de comunicação — parte 3: teoria e prática

Autor

  • Thiago M. Minagé

    é advogado criminalista professor de Processo Penal pós-doutor pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro doutor e mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá conselheiro estadual da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil-RJ e presidente da seção do Rio de Janeiro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim).

12 de setembro de 2023, 15h33

Nesse ensaio, parti da premissa de que na fala escrita o interlocutor (ausente) elabora seu texto pautado em possíveis reações do destinatário (juiz), logo, o processo de criação é oculto e sigiloso e, na fala falada, a elaboração da fala é persuasiva e pautada nas reações dos envolvidos no debate, onde o processo criativo do discurso é exposto de forma pública[1]. Passei pela constatação da importância da oralidade ao identificar três razões específicas: (1) que ordena ao juiz e ninguém menos que o juiz seja aquele que conhece a prova, proibindo a delegação de funções; (2) permite ao juiz testemunhar diretamente a "fonte" da informação que o levará à sua decisão, evitando assim o risco de distorção sofrida pela informação quando recebida de “segunda mão”; e (3) permite que o juiz possa julgar, testemunhar e controlar o modo como a informação é produzida.[2] Agora, tento fechar o raciocínio proposto com a demonstração de que a teoria se aplica na prática.

Spacca
Assim, trago algumas perspectivas na implementação da oralidade verificável em alguns países:

Argentina
Com a aprovação da Lei 27.063/14 — Código de Processo Penal da Nação Argentina — a oralidade foi implementada no país. O novo código instaurou um sistema de audiências orais[3], demonstrando grande avanço na efetivação da justiça. O CPP Argentino, em seu artigo 2°[4], categoriza a oralidade como um dos princípios que devem ser observados durante todas as fases do processo, evitando, na maioria dos casos, a delegação de funções.

Uruguai
O Código de Processo Penal Uruguaio privilegiou o princípio da oralidade, estabelecendo que todas as audiências serão realizadas oralmente. Dessa forma, o contraditório é assegurado de maneira muito mais efetiva.[5]

Chile
O Chile implementou a oralidade, tendo em vista que os artigos 266 e 291, ambos do Código de Processo Penal Chileno — Lei 19.696/2000[6] — determinam que o julgamento será oral, dirigido pelo juiz de garantias, não admitindo a apresentação de alegações ou pedidos por escrito durante sua realização. O código chileno estabelece que a oralidade é uma garantia básica dos envolvidos, a introdução da oralidade teve o objetivo de reconhecer os valores políticos do sistema do país.[7]

México
O CPP do país implementou a oralidade em suas audiências. O artigo 44 do referido código[8] dispõe exclusivamente sobre a oralidade nas ações processuais e o artigo 396[9] determina que os julgamentos acontecerão sempre oralmente.

Colômbia
A Lei 906 de 2004, Código de Processo Penal da Colômbia, também implementou a oralidade em todo o processo penal, determinando que a ação seja realizada oralmente, utilizando os meios técnicos disponíveis, que tragam agilidade para o procedimento.[10]

Equador
O país adota a oralidade em todo o seu processo criminal, determinando em seu CPP de 2000, que em todas as fases do processo, as ações, decisões judiciais e alegações dos advogados, ocorrerão oralmente.[11]

Guatemala
O artigo 362, da Decreto 51-92 — Código de Processo Penal da Guatemala[12] — implementou a oralidade em seus debates, estabelecendo que o procedimento acontecerá de forma oral.

Honduras
O país também adota a oralidade em seu procedimento. O artigo 310, do CPP de Honduras — Decreto 9-99-E[13] — determina que as declarações e as sentenças deverão ocorrer de forma oral e, depois, serão registradas em ata.

Nicarágua
A Lei 406, de 13 de novembro de 2001 — Código Procesal Penal de La República de Nicaragua — implementou a oralidade em todo seu procedimento, dispondo em seus artigos 13 e 287[14], sobre o princípio da oralidade, afirmando que as audiências e o processo acontecerão oralmente, de forma clara e audível, possibilitando que todo o tribunal entenda, sob pena de nulidade.

Panamá
O artigo 3º do CPP do país[15] destaca a oralidade como um princípio a ser seguido em todo o processo. Assim, todos os atos do processo deverão acontecer oralmente, conforme o artigo 128[16] do mesmo diploma legal.

Peru
O país implementou a oralidade, caracterizando-a como uma garantia processual, reconhecida por sua constituição e pelos tratados internacionais de direitos humanos. O Decreto Legislativo 957 — Código Processual Penal do Peru — dispõe em seu artigo 361[17] que a audiência será realizada oralmente e registrada em ata.

Espanha
O país também adota a oralidade em seu procedimento, estabelecendo que os depoimentos, sentenças e atos processuais, serão realizados oralmente. Essa informação pode ser constatada ao observarmos o Código de Processo Penal do país — Ley de Enjuiciamiento Criminal, Decreto 14/1982 — que reservou diversos de seus títulos[18] para dispor sobre a oralidade.

Ainda hoje se busca uma completa aceitação do fato de que a linguagem e a realidade se complementam mutuamente, por consequência, não se pode mais confrontar proposições com uma realidade que não esteja também fundada na linguagem. No que se refere a uma opinião tida como verdadeira e outras já aceitas, fato é, a coerência estabelecida tão somente por uma cadeia de fundamentação é incapaz de dar conta até mesmo de asserções justificadas — eis um dos motivos que me levam a não aceitar “fundamentações” por demais extensas e carentes de qualquer justificativa aceitável, como, por exemplo, a utilização de fórmulas prévias para todo e qualquer caso que se enquadre na forma, mesmo porque a verdade continua sendo um conceito inalienável, mas que agora não mais goza de evidência e correspondência no mundo, eis que a sua justificação envolve uma discussão pública e requer uma ampla participação. Deixando, assim, clara a distinção entre discurso de aplicação e discurso de justificação, sendo certo que este último deverá sempre obedecer ao momento e às circunstâncias envolventes do ponto debatido daquele[19].

Mas não é só: é importante termos a concepção de que ao se falar sobre o processo penal, de forma específica, não está se tratando de qualquer tipo de processo, está-se falando de um método de definição da responsabilidade penal, que deve partir de uma perspectiva analítica de forma a identificar e considerar não apenas seu objeto específico como, também, sua função e finalidade.

A falta de precisão compreensiva do processo penal acaba por ser uma ferramenta que sempre favorece a discricionariedade judicante e, desta forma, o arbítrio estatal, trazendo sérios prejuízos a toda sociedade, envolvidos e, principalmente ao acusado[20]. Fruto de conceitos indeterminados, como tantos outros, dos quais está repleta a legislação processual penal, encontrando referencial semântico naquilo que entender o julgador. Quando não há forma precisa, não existe garantia e segurança ao acusado e, por consequência, não existe devido processo legal[21]. Forma é garantia.

No âmbito prático, a implementação (ou não) da cultura da audiência em respeito à oralidade, denota a influência inquisitória enraizada na América Latina priorizando a centralidade da prisão preventiva como 'praxe' do processo penal, uma vez que, a burocratização de tramitação e da escrita sobrepõe a importância dessa modalidade de prisão em detrimento da pena, que pode ou não ser imposta. Nesse exemplo, a prisão preventiva se torna uma verdadeira pena antecipada daquilo, que pode não vir (condenação). A intenção de uma alteração dos juízos criminais para incrementação de uma cultura de audiência é uma realidade em países da América Latina, que tem por finalidade garantir os direitos mais básicos dos envolvidos no processo penal e, ainda, concentrar o debate, produção de prova e decisão em um único ato jurídico amparado nas condições de publicidade, oralidade e contraditório; condição necessária para legitimação dos atos de exercício do poder de tamanha gravidade e intervenção nos direitos individuais dos envolvidos. Assim, o primeiro dado a ser constatado será o deslocamento de centralidade da prisão preventiva no processo para sua efetiva posição de cautelaridade[22]. Enfim.

É essencial que os juízes mudem sua maneira de pensar e agir no processo. Reconheço que não é uma tarefa fácil, porque estamos falando sobre mudar a maneira de pensar em uma tradição profundamente enraizada. Esse hábito de ver e perceber o juiz como se ele fosse um “agente que combate à criminalidade”, não tem lugar em um sistema acusatório. O juiz, sob o novo sistema, deve ser um sujeito totalmente neutro e imparcial. Não é como no sistema inquisitivo, onde ele é percebido como um aliado da acusação. É dever do Judiciário a observância do devido processo legal. Cabendo ao juiz exigir que o Ministério Público reduza (temporariamente) ou afaste (definitivamente) a presunção de inocência gozada pelo acusado[23].

Ao Ministério Público foi reservada a importante decisão sobre a exposição ou não de uma pessoa a um processo criminal. Acusar ou não. Denunciar ou arquivar. Antes de submeter o cidadão a um processo criminal, deve-se exigir a garantia de que existem elementos informativos ou probatórios suficientes para fazê-lo. O não cumprimento desta regra deve ensejar a rejeição da acusação por falta de justa causa.

Ao advogado, foi atribuída uma nova forma de atuação desde a fase pré-processual à consequente fase processual. Direito ao aconselhamento jurídico e representação durante a etapa pré-processual (valorização da Investigação Defensiva); direito à entrevista reservada com advogados; direito a contar com parâmetros sobre a independência e profissionalismo do advogado; e direito à autodefesa. Possibilidade de obter provas e entrevistar prováveis testemunhas, dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa; direito de ser julgado quando presente e a participar dos procedimentos judiciais. Ou seja, uma nova forma de advogar é necessária!

[1] MINAGÉ, Thiago M. A oralidade e as condições de comunicação — parte 1: fala escrita e fala falada. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-mar-22/thiago-minage-oralidade-condicoes-comunicacao-parte. Acesso em: 12/09/2023.

[2] MINAGÉ, Thiago M. A oralidade e as condições de comunicação — parte 2: oralidade no processo penal. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-mar-30/thiago-minage-oralidade-condicoes-comunicacao-parte. Acesso em: 12/09/2023.

[3] “GONZÁLEZ POSTIGO, Leonel; JOSÉ PODESTÁ, Tobías. A oralidade no novo código de processo penal da nação Argentina. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 3, n. 3, p. 849-878, set./dez. 2017. Disponível em: https://doi.org/10.22197/rbdpp.v3i3.89 . Acesso em: 23/03/2023.

[4] “Artículo 2°- Principios del proceso acusatorio. Durante todo el proceso se deben observar los principios de igualdad entre las partes, oralidad, publicidad, contradicción, concentración, inmediación, simplicidad, celeridad y desformalización. Todas las audiencias deben ser públicas, salvo las excepciones expresamente previstas en este Código.”

[5] “O que temos a aprender com o sistema processual penal do Uruguai”, por Rômulo de Andrade Moreira. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-nov-28/romulo-moreira-precisamos-aprender-processo-penal-uruguaio Acesso em: 24/03/2023

[6] “Artículo 266 – Oralidad e inmediación. La audiencia de preparación del juicio oral será dirigida por el juez de garantía, quien la presenciará en su integridad, se desarrollará oralmente y durante su realización no se admitirá la presentación de escritos.”

“Artículo 291 – Oralidad. La audiencia del juicio se desarrollará en forma oral, tanto en lo relativo a las alegaciones y argumentaciones de las partes como a las declaraciones del acusado, a la recepción de las pruebas y, en general, a toda intervención de quienes participaren en ella.

Disponível em: https://www.bcn.cl/leychile/navegar?idNorma=176595, Acesso em: 23/03/2023.

[7] RIEGO, C. La renuncia a las garantías del juicio oral por medio del procedimiento abreviado en Chile. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, [S. l.], v. 3, n. 3, p. 825–847, 2017. DOI: 10.22197/rbdpp.v3i3.80. Disponível em: https://revista.ibraspp.com.br/RBDPP/article/view/80. Acesso em: 23 mar. 2023.

[8] “Artículo 44. Oralidad de las actuaciones procesales Las audiencias se desarrollarán de forma oral, pudiendo auxiliarse las partes con documentos o con cualquier otro medio. Disponível em: https://www.diputados.gob.mx/LeyesBiblio/pdf/CNPP.pdf. Acesso em: 25/03/2023.

[9] “Artículo 396. Oralidad en la audiencia de juicio La audiencia de juicio será oral en todo momento” Disponível em: https://www.diputados.gob.mx/LeyesBiblio/pdf/CNPP.pdf. Acesso em: 25/03/2023.

[10] “Artículo 9°. ORALIDAD. La actuación procesal será oral y en su realización se utilizarán los medios técnicos disponibles que permitan imprimirle mayor agilidad y fidelidad, sin perjuicio de conservar registro de lo acontecido. A estos efectos se dejará constancia de la actuación.” Disponível em: https://www.oas.org/juridico/spanish/mesicic2_col_Ley_906_2004.pdf. Acesso em: 23/03/2023.

[11] “Art. 258.- Oralidad.- El juicio es oral; bajo esa forma deben declarar las partes, los testigos y los peritos. Disponível em: http://www.oas.org/juridico/PDFs/mesicic4_ecu_codigo_pp.pdf. Acesso em:25/03/2023.

[12] “Artículo 362. (Oralidad). El debate será oral. En esa forma se producirán las declaraciones del acusado, de los órganos de prueba y las intervenciones de todas las personas que participan en él. Las resoluciones del tribunal se dictarán verbalmente, quedando notificados todos por su emisión, pero constarán en el acta del debate. Asimismo también podrá proceder de acuerdo al párrafo tercero del artículo 142 de éste Código, en lo que fuere aplicable. Quienes no pudieren hablar o no lo pudieren hacer en el idioma oficial formularán sus preguntas o contestaciones por escrito o por medio de intérpretes, leyéndose o relatándose las preguntas o las contestaciones en la audiencia. Disponível em: http://www.cicad.oas.org/fortalecimiento_institucional/legislations/pdf/gt/decreto_congresional_51-92_codigo_procesal_penal.pdf. Acesso em: 24/03/2023.

[13] ‘Artículo 310. Oralidad del juicio. Las declaraciones del imputado, de los testigos y peritos y las demás intervenciones que se produzcan durante el debate, así como, las resoluciones o sentencias que dicte el respectivo tribunal, serán orales. De todo lo actuado, sin embargo, se dejará constancia en acta, en los términos que se regulan en el artículo 346 y sin perjuicio de lo dispuesto en los artículos 133 y 134, de éste Código. Disponível em: https://www.poderjudicial.gob.hn/CEDIJ/Leyes/Documents/CPP-RefDPI.pdf. Acesso em: 24/03/2023.

[14] “Artículo 13 do Ley de Enjuiciamiento Criminal Espanhol.

[15] “Artículo 3. Do CPP Panamenho.

[16] “Artículo 128 do CPP Panamenho.

[17] “Artículo 361 do CPP Peruano.

[18] “Libro III Del juicio oral”, “CAPÍTULO IV De la preparación del juicio oral”, “CAPÍTULO V Del juicio oral y de la sentencia” «Gaceta de Madrid» núm. 260, de 17/09/1882. Disponível em: https://www.boe.es/buscar/pdf/1882/BOE-A-1882-6036-consolidado.pdf cesso em:24/03/2023.

[19] HABERMAS. Jurgen. A ética da discussão e a questão da verdade. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

[20] STRECK. Lenio. Do pamprincipiologismo à concepção hipossuficiente de princípio. Dilemas da crise do direito. Brasília a. 49 n. 194 abr./jun. 2012. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496574/000952675.pdf?sequence=1>. Acesso em: 01 mar. 2017, p. 18.

[20] Ibid.

[21] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 1158.

[22] RIEGO, Cristian. La Oralidade En La Discusión Sobre La Prisión Preventiva. IN: Estudios Sobre El Nuevo Proceso Penal – Implementación y Puesta En Prática. Associación de Magistrados Del Uruguay. Montevideo: FCU, 2017, pp. 107/108

[23] VARGAS; Héctor Quiñones. Las Técnicas de Litigación Oral en el Proceso Penal Salvadoreño: Un análisis crítico del sistema oral en el proceso penal salvadoreño desde una perspectiva acusatória adversativa. 1a. ed. – San Salvador, El Salvador, 2003, pp. 62-72.

Autores

  • é advogado, pós-doutorando na UFRJ/FND, professor de Processo Penal, conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil-RJ e presidente da Abracrim-RJ.

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