Opinião

Consequências da decisão do STF sobre licença-paternidade

Autor

  • Rodrigo Chagas Soares

    é sócio do escritório Granadeiro Guimarães Advogados doutor em Direito do Trabalho e Seguridade Social pela USP mestre e especialista em Direito do Trabalho pela PUC-SP professor em Direito Sindical do Insper membro da Comissão de Direito Sindical da OAB-SP autor dos livros Gestão de Conflitos Entre Empregados: Um Estudo dos Procedimentos Empresariais de Solução de Conflitos Interpessoais no Interior das Empresas (Mizuno 2021) e Negociação Coletiva do Trabalho (LTR 2015) e palestrante.

12 de setembro de 2023, 17h17

A questão merece breve introdução, uma vez que não se limita a respostas sobre "o que é, de onde vem e para onde vai?".

Ao falar-se em licença-paternidade, logo vem à mente a licença-maternidade, ambas voltadas à tutela da criança ou, na licença-maternidade, também à saúde da mãe que perdeu a criança, entre outros de igual relevância.

Logo, a pergunta se insere em um contexto de mercado de trabalho, na evolução de uma sociedade brasileira, cuja cultura machista atribuía às mulheres — e lamentavelmente ainda atribuída por alguns — a exclusividade dos afazeres domésticos e cuidados com as crianças, popularmente conhecida como "dupla jornada".

A sociedade vem evoluindo, ainda que a passos lentos, para extirpar o machismo estrutural e inconsciente. Os direitos conquistados às duras penas pelas mulheres no passado são, infelizmente, colocados em xeque por parcela das próprias destinatárias desses direitos.

O fundamento para tanto é que esses direitos seriam os causadores de indevida discriminação da mulher no mercado de trabalho, impedindo-as de competir em igualdade de condições com os homens na busca por emprego. Dentro dessa concepção, uma licença-maternidade de maior duração inibiria a contratação de mulheres pelo mercado, que optaria pela contratação de homens, cuja licença-paternidade é de menor duração.

Contudo, o ponto principal aqui talvez não seja propriamente a supressão de direitos da mulher, uma vez que aviltaria a história de conquistas de mulheres que morreram no passado e lutas sindicais, e sim buscar a isonomia dos direitos das pessoas, consciente que não há mais espaço para atribuir as atividades domésticas exclusivamente à mulher, preservando-se a história de conquistas femininas. Afinal, "a essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos" (Hannah Arendt).

Assim, analisar a licença-paternidade é debruçar-se em soluções que concedam a todos a efetiva participação na criação dos filhos, ingresso ao mercado de trabalho e manter-se em seus empregos. Com este raciocínio em mente, examinemos as seguintes questões: Como funciona a licença-paternidade atualmente; quais as consequências para as empresas da decisão do STF sobre o assunto; e o que mais pode ser feito?

1. Como funciona a licença-paternidade atualmente?
O afastamento ao emprego, sem prejuízo dos salários, é devido por cinco dias consecutivos, em caso de nascimento de filho, de adoção ou de guarda compartilhada, conforme art. 473, III da Consolidação das Leis do Trabalho, muito embora não tenha menção expressa à denominação "licença-paternidade" na norma celetista.

Isto porque é a partir de 1988, com a previsão contida no inciso XIX do artigo 7º, da Constituição Federal, que passou a ser prevista a denominação expressa e o direito à licença-paternidade, condicionando, contudo, à criação de lei. Acontece que a regulamentação por lei específica ainda não ocorreu e o legislador Constituinte brasileiro, junto com a Constituição de 1988, promulgou o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que tem por objetivo regulamentar a transição entre um texto constitucional e outro, prevendo que a licença-paternidade é de cinco dias enquanto a lei não venha a disciplinar o inciso XIX, artigo 7º da Constituição.

Nos primeiros projetos da Constituição, mais especificamente o datado de 5/7/1988, o constituinte previu oito dias de licença-paternidade, mas a polêmica e debates no Congresso sobre a fixação de quantidade de dias de licença no texto constitucional fez com que o inciso XIX do artigo 7º da CF/88 fosse promulgado sem a fixação de um período específico de dias. Os cinco dias de licença foram inseridos no Ato de Disposições Constitucionais Transitórias, de forma transitória, enquanto não houver a regulamentação legal do dispositivo constitucional.

Neste momento, o Supremo Tribunal Federal analisa ação sobre omissão (ou não) dos legisladores acerca da previsão contida no referido inciso XIX, artigo 7º da Constituição, que exige uma lei específica para regulamentar a licença-paternidade.

Mais importante que analisar exclusivamente a exigência de lei de regulamentação, entendemos que o essencial aqui é examinar se é justificável a diferença na quantidade de dias de licença-maternidade se comparado com a licença-paternidade, considerando a sociedade em que vivemos e a mensagem que o legislador transmite com tal discrepância, que — como alegada por parcela das mulheres — ensejaria discriminação no mercado de trabalho.

Nesse sentido, a Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008, criou o Programa Empresa Cidadã, destinado à prorrogação da licença-maternidade mediante concessão de incentivo fiscal, prevendo que — além dos cinco dias estabelecidos no § 1º do artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias — haverá a ampliação por 15 dias da duração da licença-paternidade, totalizando 20 dias de licença.

Para tanto, é necessário que o empregado fique atento se a empresa na qual trabalha aderiu ao Programa Empresa Cidadã, por meio de requerimento dirigido à Secretaria Especial da Receita Federal do Ministério da Economia, conforme previsão no Decreto nº 10.854/21.

Além da legislação vigente e Constituição é necessário que o pai trabalhador fique atento se há Convenção Coletiva de Trabalho, assinada entre sindicato patronal e laboral, ou Acordo Coletivo de Trabalho, assinado entre sindicato laboral e empresa diretamente, prevendo algum direito específico. Afinal, a negociação coletiva de trabalho e a participação do trabalhador na vida sindical é importante para a conquista de direitos.

2. Quais as consequências para as empresas da decisão do STF sobre o assunto?
A decisão a ser proferida pelo Supremo estabelecerá um período para que o legislador regulamente a licença-paternidade. As empresas deverão ficar atentas para possíveis alterações legislativas, caso o Supremo decida que, de fato, houve omissão do legislador sobre o tema.

Ao longo dos anos, a licença-paternidade foi sofrendo alterações, com acréscimos de dias de ausência do empregado ao trabalho sem prejuízo de seus salários. O julgamento do STF analisará se, então, a regulamentação se faz necessária e se, eventualmente, será preciso estabelecer uma eficácia temporal para a decisão a ser proferida.  

3. O que mais pode ser feito?
Verificamos cada vez mais políticas corporativas que incentivam a paternidade. Algumas empresas indicam que o caminho está na personalização das políticas empresariais, de acordo com a cultura e demandas específicas de seus empregados, apostando na equidade de gênero dentro da empresa, para conceder, por exemplo, licença-paternidade de 30 dias e a inclusão de enteados como dependentes.

Outras empresas chegam a oferecer 120 dias de licença-paternidade de forma obrigatória e devidamente remunerada, para cisgênero e transgênero, para pais de filhos não consanguíneos e casais homoafetivos.

Em que pese as louváveis iniciativas, é importante ressaltar que tais concessões por liberalidade da empresa aderem aos contratos de trabalho de modo que qualquer supressão ou alteração posterior poderá ser questionada pelo trabalhador que se sentir prejudicado.

Vale dizer, só é lícita a alteração das respectivas condições do contrato de trabalho por consentimento do empregado envolvido e do empregado, e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da alteração contratual que suprimiu ou reduziu aquele direito à licença estendida.  

Na tentativa de dar uma segurança jurídica e permitir que aquele direito seja concedido naquele período em específico, podendo ser suprimido posteriormente, a negociação coletiva se mostra um importante instrumento de adequação setorial, correspondendo aos anseios de determinada categoria. Nesse contexto, é razoável que o trabalhador e empresa levem opções aos sindicatos que lhe representam a fim de negociar uma alternativa que reflita a realidade do setor ou do ambiente de trabalho.

Mostra-se adequado que se busque uma forma de permitir que o próprio casal decida, entre si com seus respectivos empregadores e sindicatos, a maneira como usufruirão e dividirão entre si os dias de afastamento para cuidados com a criança, possibilitando a aplicação prática e individualizada da finalidade para qual a lei surgiu, evitando generalizações.

Permitir que os próprios interessados, ou seja, a família, busquem uma forma de igualar os dias de licença entre si, é uma forma de afastar a preocupação, de parcela feminina, com indesejadas discriminações no mercado de trabalho. Instrumentos não faltam.

Autores

  • é sócio da área de Relações Trabalhistas e Sindicais do escritório Granadeiro Guimarães Advogados, doutor em Direito do Trabalho e Seguridade Social pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor do Insper e Cogeae/PUC-SP e autor dos livros "Gestão de Conflitos Entre Empregados: Um Estudo dos Procedimentos Empresariais de Solução de Conflitos Interpessoais no Interior das Empresas", Mizuno, 2021 e "Negociação Coletiva do Trabalho", LTR, 2015.

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