Opinião

Exclusão das áreas destinadas à mineração da apuração do ITR

Autor

  • Rodrigo Pires

    é advogado no escritório William Freire Advogados Associados pós-graduado em Direito Tributário pela FGV mestre em Direito pela PUC-MG e professor do IEC PUC Minas.

    View all posts

11 de setembro de 2023, 16h15

Iniciado o mês de setembro, ganha importância a transmissão de uma das principais obrigações instrumentais tributárias dos detentores de imóveis rurais, qual seja, a Declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (DITR).

Para 2023, a Instrução Normativa RFB nº 2.151/2023 definiu que a DITR deve ser apresentada até 29 de setembro de 2023 pela internet, por meio do Programa ITR 2023.

Embora a apuração do ITR mereça profundos comentários em seus diversos aspectos, limitaremos nossa análise, neste momento, ao correto tratamento das áreas destinadas à mineração na apuração desse imposto. A correta apuração desse imposto é especialmente importante para o setor mineral, na medida em que, em regra, essas atividades tendem a ser exercidas em áreas rurais.

A análise da regra matriz de incidência do ITR, extraída da Lei nº 9.393/1996, deixa claro que área aproveitável, que determina o Grau de Utilização/alíquota do ITR, é tão somente aquela passível de exploração agrícola, pecuária, granjeira, aquícola ou florestal. Além disso, há expressa determinação de que as áreas de que tratam as alíneas do inciso II, do § 1º, do artigo 10 (áreas não tributáveis) sejam consideradas inaproveitáveis, inclusive aquelas imprestáveis para a atividade rural.

Nesse contexto, uma vez que, por sua própria natureza, as atividades de pesquisa e lavra mineral impedem que a terra seja utilizada para qualquer outro fim, é nítido que tais áreas devem ser tratadas como inaproveitáveis, para fins de cálculo do Grau de Utilização do imóvel e, consequentemente, determinação da alíquota do imposto.

Além de inaproveitáveis — o que impacta a alíquota do ITR —, as áreas destinadas a atividades de pesquisa e lavra mineral também são imprestáveis para a produção rural, por sua própria natureza, que inviabiliza o exercício de qualquer atividade rural. Sendo imprestáveis para a atividade rural, as áreas de mineração não são tributáveis, resultando na necessidade de sua exclusão da apuração do imposto.

Transcreve-se abaixo a redação dos dispositivos da Lei nº 9.393/1996 pertinentes à qualificação das áreas aproveitáveis, efetivamente utilizadas e tributáveis:

"Art. 10. A apuração e o pagamento do ITR serão efetuados pelo contribuinte, independentemente de prévio procedimento da administração tributária, nos prazos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, sujeitando-se a homologação posterior.

§ 1º. Para os efeitos de apuração do ITR, considerar-se-á:

II – área tributável, a área total do imóvel, menos as áreas:

c) comprovadamente imprestáveis para qualquer exploração agrícola, pecuária, granjeira, aqüícola ou florestal, declaradas de interesse ecológico mediante ato do órgão competente, federal ou estadual;

IV – área aproveitável, a que for passível de exploração agrícola, pecuária, granjeira, aqüícola ou florestal, excluídas as áreas:

b) de que tratam as alíneas do inciso II deste parágrafo.

V – área efetivamente utilizada, a porção do imóvel que no ano anterior tenha:

c) sido objeto de exploração extrativa, observados os índices de rendimento por produto e a legislação ambiental."

Não bastasse a redação dos dispositivos da Lei nº 9.393/1996, especificamente para a mineração, deve ser observado o disposto no art. 8º do Decreto-Lei nº 57/1966, recepcionado pela Constituição como Lei Complementar, segundo o qual a área rural destinada a atividades de pesquisa e lavra mineral é inaproveitável para fins de lançamento do ITR:

"Art 8º Para fins de cadastramento e do lançamento do ITR, a área destinada a exploração mineral, em um imóvel rural, será considerada como inaproveitável, desde que seja comprovado que a mencionada destinação impede a exploração da mesma em atividades agrícolas, pecuária ou agro-industrial e que sejam satisfeitas as exigências estabelecidas na regulamentação dêste Decreto-Lei."

Sendo qualificadas como inaproveitáveis, as áreas rurais destinadas à pesquisa e lavra mineral, inclusive a extensão das benfeitorias e instalações vinculadas a essas atividades, devem (1) ser excluídas no cálculo do Grau de Utilização do imóvel, de forma a proporcionar a redução das alíquotas do ITR; e (2) ser deduzidas da área tributável, reduzindo também a base de cálculo do imposto rural, uma vez que, nos termos da Lei nº 9.393/1996, há uma correlação entre a imprestabilidade e a inaproveitabilidade. Logo, todas as áreas qualificadas como imprestáveis também serem caracterizadas como inaproveitáveis para a atividade rural, conforme dispõe o artigo 10, § 1º, II, "c", c/c V, "b", daquela lei.

Porém, a RFB entende de forma diversa, exigindo que as áreas destinadas à mineração sejam consideradas como tributáveis e, ao mesmo tempo, não aproveitadas, majorando a alíquota e a base de cálculo do tributo.

Ao exigir essa declaração também para as áreas de mineração, o Fisco desconsidera a existência do artigo 8º do Decreto-Lei nº 57/1966, que deve ser interpretado conjuntamente com a Lei nº 9.393/1996 (interpretação sistemática), sobretudo por se tratar de norma mais específica, já que versa expressamente sobre o tratamento das áreas de mineração no cômputo das alíquotas e da base de cálculo do ITR.

Para regulamentar a Lei nº 9.393/1996, foi editado o Decreto nº 4.382/2002, cujo artigo 18, III, c/c artigo 27, restringiu o conceito de atividade extrativa — considerada como efetivamente utilizada — apenas à atividade extrativa vegetal:

"Art. 18. Área efetivamente utilizada pela atividade rural é a porção da área aproveitável do imóvel rural que, no ano anterior ao de ocorrência do fato gerador do ITR, tenha (Lei nº 9.393, de 1996, art. 10, § 1, inciso V, e § 6):

III – sido objeto de exploração extrativa, observados, quando aplicáveis, os índices de rendimento por produto a que se refere o art. 27 e a legislação ambiental.

(…)

Art. 27. Área objeto de exploração extrativa é aquela servida para a atividade de extração e coleta de produtos vegetais nativos, não plantados, inclusive a exploração madeireira de florestas nativas, observados a legislação ambiental e os índices de rendimento por produto estabelecidos em ato da Secretaria da Receita Federal, ouvido o Conselho Nacional de Política Agrícola (Lei nº 9.393, de 1996, art. 10, § 1, inciso V, alínea "c", e § 3)".

No mesmo sentido dos dispositivos supracitados, o art. 26, da Instrução Normativa SRF nº 256/2002, dispõe que apenas é atividade extrativa válida, para cálculo do ITR, aquela voltada ao extrativismo vegetal. Ademais, o seu art. 30, II, expressamente qualificou as áreas ocupadas com jazidas ou minas, exploradas ou não, como áreas não utilizadas:

"Art. 30. A área não utilizada pela atividade rural corresponde ao somatório das parcelas da área aproveitável do imóvel que, no ano anterior ao de ocorrência do fato gerador do ITR, não tenham sido objeto de qualquer exploração ou tenham sido utilizadas para fins diversos da atividade rural, tais como:

II – áreas ocupadas por jazidas ou minas, exploradas ou não".

Além disso, tanto o Decreto nº 4.382/2002 (artigo 15), como a Instrução Normativa SRF nº 256/2002 (artigo 14, parágrafo único), expressamente condicionam a validade das áreas imprestáveis para a atividade rural à obtenção de declaração, do órgão competente, que diga que essas áreas são de interesse ecológico — o que não se aplica a áreas de mineração:

Decreto nº 4.382/2002:

"Art. 15. São áreas de interesse ecológico aquelas assim declaradas mediante ato do órgão competente, federal ou estadual, que (Lei nº 9.393, de 1996, art. 10, § 1, inciso II, alíneas "b" e "c"):

I – se destinem à proteção dos ecossistemas e ampliem as restrições de uso previstas nos incisos I e II do caput do art. 10; ou

II – sejam comprovadamente imprestáveis para a atividade rural".

Instrução Normativa SRF nº 256/2002:

"Art. 14 . São áreas de interesse ecológico aquelas assim declaradas mediante ato do órgão competente, federal ou estadual, que:

I – se destinem à proteção dos ecossistemas e ampliem as restrições de uso previstas para as áreas de preservação permanente e de reserva legal; ou

II – sejam comprovadamente imprestáveis para a atividade rural.

Parágrafo único. Para fins do disposto no inciso II, as áreas comprovadamente imprestáveis para a atividade rural são, exclusivamente, as áreas do imóvel rural declaradas de interesse ecológico mediante ato específico do órgão competente, federal ou estadual".

Ou seja, no que tange à apuração do Grau de Utilização do imóvel, a regulamentação dada à Lei nº 9.393/1996 impede que as áreas de mineração sejam consideradas efetivamente utilizadas, portanto, produtivas; e, ao mesmo tempo, também veda a sua exclusão da área aproveitável do imóvel.

Por outro lado, uma vez que, nos termos do Decreto nº 4.382/2002 e da Instrução Normativa SRF nº 256/2002, não é possível a qualificação das áreas destinadas a atividade de mineração como imprestáveis — ante a imprescindibilidade da declaração de interesse ecológico —, tais áreas devem compor a área tributável (base de cálculo) do ITR.

Esse entendimento foi oficializado pela Receita Federal do Brasil por meio da Decisão nº 195, de 18 de agosto de 1998:

"ASSUNTO: Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR

EMENTA: As áreas destinadas à exploração mineral (minas, lavras, jazidas, lagoas de rejeitos, oficinas, etc) são consideradas pela legislação do ITR como componentes da Área Tributável e da Área Aproveitável do imóvel, mas não como componentes de sua Área de Utilização Limitada."

Outra restrição, introduzida pela Instrução Normativa SRF nº 256/2002, consiste na vedação da dedutibilidade, na apuração da alíquota do ITR, das áreas ocupadas com benfeitorias que não estejam vinculadas à atividade rural propriamente dita (artigoa 15 e 16). É dizer, as benfeitorias ligadas à atividade de mineração não são admitidas como dedutíveis na apuração das áreas não aproveitáveis.

Acrescente-se à posição restritiva do Fisco que a DITR está parametrizada de forma a considerar as áreas destinadas à atividade mineral como necessariamente não utilizadas. Logo, não é possível informá-las como áreas efetivamente utilizadas (exclusivo para as áreas de exploração extrativa vegetal), tampouco como áreas não aproveitáveis, para fins de cálculo do Grau de Utilização. Por fim, não é possível exclui-las da área tributável (exclusivo para as áreas imprestáveis para a atividade rural que tenham sido declaradas de interesse ecológico), para fins de apuração da base de cálculo.

Diante desse cenário, a única forma de excluir as áreas destinadas à mineração da base de cálculo do ITR é judicializando a matéria. Por se tratar de discussão exclusivamente de direito, os contribuintes têm utilizado o Mandado de Segurança como veículo processual, que é célere e não possui risco sucumbencial.

Judicialmente, a despeito de os Tribunais terem enfrentado a matéria em poucas oportunidades [1], os contribuintes vêm obtendo amplo sucesso em decisões liminares [2] e sentenças [3]. Em regra, reconhece-se a vigência e aplicabilidade do artigo 8º do Decreto-Lei nº 57/1966. Além disso, vem sendo reconhecido que a exigência da Receita Federal viola a progressividade do ITR e a isonomia, ao exigir alíquotas maiores de contribuintes que estão atendendo à vocação mineral da terra e cumprindo a função social da propriedade rural.

Assim, permite-se a exclusão das áreas destinadas à mineração, inclusive todas as benfeitorias, da apuração do ITR. A decisão cujo trecho segue abaixo é clara nesse sentido:

"3. Diante do exposto, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA postulada apenas para reconhecer à autora o direito de excluir as áreas destinadas à mineração, assim entendidas as destinadas efetivamente à pesquisa e lavra mineral, bem como áreas ocupadas com benfeitorias e instalações necessárias ao exercício da mineração, no cômputo das alíquotas e da base de cálculo do imposto territorial rural, mediante a sua não inclusão na área aproveitável (cálculo do grau de utilização) e na área tributável (que afeta a base de cálculo), na declaração do imposto sobre a propriedade territorial rural de 2016, e respectivo pagamento que ocorrerá até 30/9/2016, ficando ressalvada a fiscalização pela Receita Federal para verificação da extensão da área efetivamente utilizada na atividade minerária e considerada inaproveitável." (Autos nº 0057452-87.2016.4.01.3800) (grifos do original)

Diante disso, é importante que as companhias do setor mineral avaliem e revisem suas DITRs, para verificar se as áreas destinadas à mineração estão majorando indevidamente a apuração do ITR, em razão do entendimento ilegal adotado pela Receita Federal.

 


[1] AC 0022324-29.1999.4.01.3500 / GO, Rel. JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA, 5ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 p.324 de 23/10/2013

[2] MS nº 1013195-59.2017.4.01.3400 e MS nº 1000329-92.2017.4.01.3311

[3] Ação Ordinária nº 0028513-41.2013.4.01.3400

Autores

  • é advogado no escritório William Freire Advogados Associados. Pós-graduado em Direito Tributário pela FGV. Mestre em Direito pela PUC-MG. Coordenador científico do Nete (Núcleo de Estudos em Tributação e Empreendedorismo) PUC-MG.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!