Certo e errado

ABA diz o que advogados podem e não podem fazer na preparação de testemunhas

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11 de setembro de 2023, 8h49

Advogados têm o dever de preparar e orientar seus clientes e testemunhas para todos os procedimentos em que são interrogados, sejam depoimentos, audiências ou julgamentos. Mas são proibidos de orquestrar um testemunho falso (coaching) — isto é, tentar influenciar uma pessoa com o intuito de fabricar um testemunho mais conveniente.

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Associação americana estabelece
diretrizes para a atuação de advogados
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Preparar testemunhas para procedimentos judiciais e extrajudiciais faz parte das funções dos advogados (o que inclui os membros do Ministério Público). O coaching da testemunha, no entanto, é uma interferência na integridade do sistema judicial e uma tentativa de ocultar provas, o que é uma prática sujeita às sanções cabíveis.

Porém, nem todos os advogados, promotores e procuradores têm uma visão clara do que diferencia uma coisa da outra. Por isso, o Comitê Permanente sobre Ética e Responsabilidade Profissional da American Bar Association (ABA) divulgou novas diretrizes, que pretendem estabelecer uma linha que separa o que pode ser feito do que não pode na preparação de testemunhas.

As novas diretrizes também chamam a atenção dos advogados para o respeito aos princípios éticos nos casos de procedimentos judiciais e extrajudiciais remotos. E recomendam que os profissionais aprendam a usar novas tecnologias de comunicação por meios eletrônicos, para poder detectar tentativas de coaching pela parte adversária.

O bom caminho
"O papel do advogado na preparação da testemunha e na orientação para testemunhar não só é uma função profissional aceita, mas é também considerado um componente tático essencial da advocacia. Preparar a testemunha ou o cliente em antecedência para um procedimento judicial ou extrajudicial faz parte do repertório profissional do advogado", diz a Opinião Formal 508 da ABA sobre "A Ética da Preparação de Testemunha". "De acordo com as Regras Modelo de Conduta Profissional que governam o relacionamento cliente-advogado e os deveres do advogado como conselheiro, a falha ao preparar adequadamente uma testemunha pode ser classificada, em muitas situações, como uma violação da ética."

Segundo as diretrizes, os advogados (e promotores) precisam entender a distinção ética entre a discussão do testemunho com as pessoas envolvidas e a tentativa de influenciá-las inapropriadamente para chegar a um resultado. E a ABA dá exemplos do que os advogados podem fazer na preparação de testemunhas, dentro de uma conduta ética:

  • Lembrar a testemunha de que estará sob juramento;
  • Enfatizar a importância de dizer a verdade;
  • Explicar que dizer a verdade pode incluir a resposta de que "não me recordo";
  • Explicar a estratégia e o procedimento no caso, incluindo a natureza do processo de testemunho ou o propósito do depoimento;
  • Sugerir o uso de roupa apropriada e dar explicações sobre atitude e decoro;
  • Fornecer contexto sobre o testemunho;
  • Inquirir a testemunha sobre o provável testemunho e recordação dos fatos;
  • Identificar outros testemunhos que poderão ser dados e explorar a versão da testemunha em comparação com eles;
  • Rever documentos e provas físicas com a testemunha, incluindo usar documentos para refrescar a memória dela sobre os fatos;
  • Identificar linhas de questionamento e possíveis perguntas na inquirição cruzada;
  • Sugerir as melhores palavras a serem usadas no testemunho em benefício da clareza;
  • Dizer à testemunha para não responder uma pergunta até que ela seja totalmente concluída;
  • Enfatizar a importância de permanecer calma e não discutir com o advogado (ou promotor) que o questiona;
  • Dizer à testemunha para falar somente o que sabe e recorda e não tentar adivinhar ou especular;
  • Dizer à testemunha para prestar atenção à pergunta e responder somente o que foi perguntado, sem acrescentar qualquer informação não solicitada.

O mau caminho
Há certas situações, bem conhecidas, em que advogados (ou promotores) ultrapassam a linha que separa o que é certo do errado — e, portanto, constituem violações do código de ética profissional. Às vezes, essa linha é ambígua, devido, em parte, aos deveres éticos de representar o cliente de forma diligente e competente, segundo as diretrizes da ABA.

A ABA dá alguns exemplos de situações em que o advogado "viola suas obrigações éticas":

  • Aconselhar a testemunha a produzir um falso testemunho;
  • Ajudar a testemunha a produzir um falso testemunho;
  • Aconselhar um cliente ou testemunha a desobedecer a uma ordem do juiz relativa ao processo de julgamento ou de discovery;
  • Tentar convencer ou impedir alguém de comparecer ao testemunho ou depoimento.
  • Oferecer um incentivo ilegal a alguém para testemunhar.

Por "oferecer um incentivo ilegal", a ABA quer dizer "oferecer um pagamento a alguém com base na substância do testemunho ou condicionar tal pagamento ao conteúdo do testemunho, mesmo que tal compensação seja por um testemunho 'verdadeiro'". Doar dinheiro a uma entidade beneficente favorita da testemunha também é uma tentativa de influenciar o resultado do procedimento.

"Instigar uma testemunha a mentir pode ocorrer de maneiras que vão além de a induzi-la descaradamente a fabricar um testemunho. Por exemplo, é antiético combinar com uma testemunha uma declaração que reduza o número de vezes que se reuniram antes do julgamento ou encorajar a testemunha a mudar a localização de uma queda ou outro acidente em uma loja."

"É apropriado dizer à testemunha que responder uma pergunta com a declaração de que não se lembra, porque essa é uma resposta aceitável. Mas não é ético dizer à testemunha que quanto mais ela declarar que não se lembra, melhor", diz o documento da ABA.

Durante depoimento ou julgamento
"Embora existam métodos variáveis e aceitáveis de preparação prévia de testemunha, as coisas mudam quando um advogado tenta refinar as respostas dela durante o julgamento ou depoimento. Tentativas de manipular testemunhos em andamento constituem, em muitas situações, pelo menos uma conduta prejudicial à administração da Justiça, em violação ao código de ética", diz a ABA.

"Piscar para a testemunha durante o julgamento, chutar a perna de um depoente por debaixo da mesa, passar bilhetes para a testemunha durante o procedimento são exemplos clássicos de esforços para influenciá-la inapropriadamente. Outros tipos mais sutis de sinalização também implicam obrigações éticas e, algumas vezes, resultam em sanções impostas pelo juiz."

Um tipo familiar de coaching disfarçado é o chamado "protesto à fala" ou "protesto sugestivo". São "declarações que vão além de apenas declarar o protesto ou a base do protesto, com o intuito de manipular a testemunha ou depoente". "As regras em muitas jurisdições estaduais e na federal proíbem protestos que têm o efeito de coaching ou de instruir a testemunha a não responder uma pergunta, a não ser que fazê-lo seja especificamente autorizado".

"Às vezes, advogados e promotores tentam interromper um testemunho em andamento para exercer 'controle de danos', pedindo um intervalo ou recesso de alguns minutos, com o objetivo subtendido de conversar particularmente com a testemunha e lhe dar instruções. Embora não haja proibição ética expressa de comunicação entre o advogado e a testemunha, as autoridades judiciais podem tomar medidas específicas para conter esse expediente de interromper o testemunho", afirma a ABA.

Más condutas em depoimentos e testemunhos remotos
"O uso de plataformas de comunicações remotas e outras tecnologias em procedimentos judiciais e extrajudiciais fornece oportunidades e tentações adicionais para advogados e promotores instruírem, discretamente, testemunhas sobre o que dizer ou não dizer nos procedimentos de uma corte. Mas o coaching remoto, como o tradicional, pode sujeitar o profissional a repreensões, sanções judiciais e sanções disciplinares", prossegue a associação.

"Com a tecnologia de telefonia celular, ficou fácil e conveniente a comunicação secreta entre pessoas e isso levou alguns profissionais a abusarem dessas vantagens — e a serem descobertos e disciplinados."

A logística de julgamentos e de depoimentos extrajudiciais para produção antecipada de provas, quando feitos remotamente, pode colocar o advogado e a testemunha em um escritório e o advogado da outra parte em outro — e, em julgamento, o juiz em seu gabinete na corte.

"É relativamente fácil para um advogado que não aparece na câmera — ou alguém agindo sob o comando do advogado — dar sinais para a testemunha, imperceptíveis para os demais, tais como piscadas, acenos com a cabeça, sinais de positivo ou negativo, bem como passar bilhetes, enviar mensagens de texto ou usar qualquer outra artimanha", dizem as diretrizes.

"Por isso, todos os advogados têm a obrigação ética de entender como as tecnologias relevantes funcionam. Algum grau de sofisticação, relativa à natureza da tecnologia usada em procedimentos remotos, ajuda a evitar atos impróprios, mesmo que inadvertidos".

Uma compreensão dos riscos das tecnologias de comunicações pode ajudar os operadores do Direito a estruturar procedimentos remotos de maneira a detectar e deter o coaching de testemunhas. Segundo a ABA, existem precauções que podem ser tomadas para isso, tais como:

  • Inquirição cruzada habilidosa;
  • Ordem da corte determinando testemunho ininterrupto;
  • Pedidos para terminar ou limitar depoimentos extrajudiciais ou para sanções;
  • Inclusão de protocolos em ordens de depoimento remoto, ordens de agendamento e planos de discovery propostos;
  • Ordens administrativas que governem a conduta em depoimentos remotos;
  • Inclusão de protocolos remotos nos planos de julgamento e audiências preliminares;
  • Desenvolvimento de diretrizes e de melhores práticas para conduta em procedimentos remotos;
  • Códigos de profissionalismo, civilidade e cortesia.

"Estruturar procedimentos remotos com antecedência, por meio de acordo, ordem da corte ou normas de comportamento coletivamente adotadas, vai criar maior transparência e fornecer proteções úteis para ajudar os advogados a evitar condutas antiéticas."

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