Opinião

Olé: as liçōes da estratégia espanhola em inteligência artificial

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9 de setembro de 2023, 11h15

Desde fevereiro de 2020 a União Europeia tem debatido o tema da regulamentação da inteligência artificial, quando foi aberta uma consulta pública para saber a opinião da população sobre o tema. Em setembro daquele ano foi constituída uma comissão especial para conduzir o debate [1] [2]. Essa discussão ocasionou, em julho deste ano, a aprovação do regulamento europeu, que ainda não entrou em vigor.

Nos últimos dias a Espanha virou notícia por ter dado um verdadeiro olé, tendo em vista que se antecipou à exigência do regulamento europeu e criou uma Agência de Supervisão da Inteligência Artificial (Aesia), devidamente regulamentada pelo seu estatuto.

Muito se engana quem acha que esta é a primeira iniciativa dos ibéricos sobre o tema. Na verdade, a Espanha desenvolveu um engendrado projeto de digitalização do país — o España Digital 2026. Este programa traz diversos indicadores dos objetivos pretendidos pelo governo espanhol até o ano de 2026 [3], e tem sido bem direcionado pelo governo, com a publicação de informes diagramados sobre as medidas tomadas pelo governo. O último deles foi publicado em maio deste ano [4].

Dentro do contexto do España Digital, foi desenvolvida a Estratégia Nacional de Inteligência Artificial (Enia), que contou com uma dotação orçamental inicial de mais de 600 milhões de euros para o desenvolvimento de 20 medidas fundadas em seis eixos estratégicos.

E o Brasil?

O Brasil não está inerte na questão da inteligência artificial, tendo instituído diretrizes sobre o tema em abril de 2021, em documento que ficou conhecido como a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (Ebia). Estas novas diretrizes se destacam por sua preocupação com os princípios éticos e com a utilização sustentável dos recursos de IA, objetivando estabelecer um planejamento tecnológico eficaz.

O surgimento de planos sobre a utilização da IA demonstra a mudança de seu papel no mundo atual: ela sai de uma ferramenta de desenvolvimento tecnológico e toma o lugar de política pública.

Nesse ponto, podemos aproximar bastante o documento espanhol ao documento brasileiro, pois ambos refletem a preocupação dos governos com o desenvolvimento das ferramentas tecnológicas e as consequências multifacetadas trazidas pelo boom da inteligência artificial.

Essa é uma das poucas semelhanças entre os projetos mencionados. Neste texto ressaltamos as suas principais diferenças, buscando refletir sobre o que pode ser adaptado da Espanha para o Brasil.

Eixos de abordagem
Ambos os planos são estruturados em cima de eixos temáticos, e aqui detalhamos quais são eles. A Ebia possui três eixos transversais, quais sejam: 1) aspectos internacionais; 2) governança de IA; 3) legislação, regulação e uso ético.

Já o plano espanhol se baseia em 06 eixos estratégicos, que agregam as vinte medidas iniciais planejadas pelo governo espanhol. São eles: impulsionamento da pesquisa científica; desenvolvimento de capacidades digitais; desenvolvimento de plataformas de infraestrutura; estruturação de cadeias econômicas de valor; potencialização da IA na administração pública; desenvolvimento de um marco ético e normativo.

O plano espanhol não traz grandes preocupações com relação a questões de políticas externas. Isso porque não dedicou nenhum de seus eixos ao tema, e também não estabeleceu qualquer medida mais concreta nesse sentido. Pensamos que isso se dá pelo reflexo de o país ser membro da União Europeia, e que tais planejamentos cabem a todo o bloco, e não a cada país individualmente.

No âmbito regulatório, a União Europeia tem avançado com o já mencionado regulamento, que apesar de não estar em vigor já começa a surtir efeito. No Brasil, ainda não temos nenhuma medida regulatória de inteligência artificial, muito embora tenha aflorado nos últimos meses o debate sobre a regulamentação das plataformas digitais, em projeto que ficou conhecido como PL das Fake News.

Definição de metas
A Ebia traçou um panorama bastante abrangente, com ações divididas em 9 (nove) eixos. Isso permite não só abarcar mais áreas de conhecimento, como também criar grupos ainda mais especializados, gerando melhores resultados.

A estratégia espanhola não se apresenta tão desenvolvida se comparada, por exemplo, à chinesa, mas faz traz uma riqueza de detalhes e de medidas mais concretas que a brasileira. Além disso, é parte de um projeto maior, como já mencionamos (España Digital 2026).

A Ebia traz objetivos logo em seu segundo capítulo, porém o faz de forma genérica. Em nossa percepção, não há a definição de metas palpáveis como no projeto espanhol. Ademais, há que frisar que a estratégia brasileira também não traz em seu bojo nenhum mecanismo de accountability. Não há no texto, e nem em seu regimento interno, nenhuma forma de controle e de cobrança de resultados.

Se analisarmos, portanto, estratégias para garantia de soberania no desenvolvimento seguro dessa tecnologia, a Espanha tem dado olé, principalmente por estar estruturado uma plataforma eletrônica que contém todos os indicadores atualizados constantemente. No site podemos verificar desde qual a porcentagem de empresas utiliza inteligência artificial, e big data ao número de séries sobre ficção científica produzidas no país!

O Brasil, por sua vez, ainda luta com o estabelecimento de ações mais concretas e de metas mais claras. Falta uma revisão da estratégia para que esta faça jus ao nome e defina, de fato, indicadores que permitam a avaliação do atual estágio de desenvolvimento da Inteligência Artificial no Brasil, além de estabelecer agendas e objetivos claros para conseguir driblar os adversários mundiais [5].

 


Referências Bibliográficas

BRASIL. https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-omcti/transformacaodigital/arquivosinteligenciaartificial/ebia-documento_referencia_4-979_2021.pdf

ESPANHA. https://planderecuperacion.gob.es/noticias/conoce-Estrategia-Nacional-Inteligencia-Artificial-ENIA-IA-prtr

JUNQUILHO, Tainá Aguiar Junquilho. Inteligência Artificial e Direito: limites éticos. Salvador: Juspodivm, 2022.

JUNQUILHO, Tainá Aguiar. O equilíbrio Yin e Yang à moda chinesa no desenvolvimento da IA generativa. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jul-21/taina-junquilho-equilibrio-yin-yang-ia-generativa. Acesso em 16/8/2023.

ROBERTS, H.; J. Cowls; J. Morley; M. Taddeo; V. Wang; & L. Floridi. (2021). The Chinese approach to artificial intelligence: An analysis of policy, ethics, and regulation. AI & Society, 36 (1), 59–77. Doi: https://doi.org/10.1007/s00146-020-00992-2.

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