Opinião

STF x JT na relação de emprego em outras modalidades contratuais

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6 de setembro de 2023, 6h32

Temos observado, ultimamente, diversas decisões proferidas em Reclamações Constitucionais perante o Supremo Tribunal Federal, que têm como efeito cassar decisões da Justiça do Trabalho que reconhecem vínculo de emprego em relações formalmente estabelecidas sob outra modalidade.

De fato, já é reconhecido um certo descompasso entre ministros do Supremo e a Justiça do Trabalho, inclusive, acusada, esta,  pelo ministro Gilmar Mendes, em sede da ADP 324, de colocar "sérios entraves a opções políticas chanceladas pelo Executivo e pelo Legislativo". Afirmou também, o ministro, que "a engenharia social que a Justiça do Trabalho tem pretendido realizar não passa de uma tentativa inócua de frustrar a evolução dos meios de produção, os quais têm sido acompanhados por evoluções legislativas nessa matéria".

A origem da controvérsia está em uma série de decisões do STF que reconheceram a licitude de formas de organização da produção e de pactuação da força de trabalho distintas do regime previsto na Consolidação das Leis do Trabalho. Esse entendimento foi construído, principalmente, na ADPF 324, na ADC 48, nas ADIs 3961 e 5625 e no Recurso Extraordinário 958252, que resultou no Tema 725 da repercussão geral.

Na ADPF 324 foi firmada a tese pela licitude da terceirização em qualquer atividade, seja ela meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. A tese se coloca em sentido oposto a parte da Súmula 331 do TST, que apenas admite a terceirização em atividade meio.

Em sentido semelhante, mas com maior abrangência, no RE 958.252, foi fixada a tese de que "é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante".

Já em julgamento conjunto da ADC 48 e da ADI 3.961, foi reconhecida a constitucionalidade da Lei nº 11.442/2007, sendo mais uma vez declarada lícita a terceirização de outras formas de mão de obra.

Finalmente, na ADI 5.625, foi declarado constitucional contrato civil de parceria entre salões de beleza e profissionais do setor, nos termos da Lei n. 13.352/2016, exceto se o contrato for utilizado para dissimular relação de emprego de fato existente.

Nas palavras do ministro Luís Roberto Barroso, na ocasião do julgamento da Reclamação 59.836: "o contrato de emprego não é a única forma de se estabelecerem relações de trabalho. Um mesmo mercado pode comportar alguns profissionais que sejam contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho e outros profissionais cuja atuação tenha um caráter de eventualidade ou maior autonomia. Desse modo, são lícitos, ainda que para a execução da atividade-fim da empresa, os contratos de terceirização de mão de obra, parceria, sociedade e de prestação de serviços por pessoa jurídica (pejotização), desde que o contrato seja real, isto é, de que não haja relação de emprego com a empresa tomadora do serviço, com subordinação, horário para cumprir e outras obrigações típicas do contrato trabalhista, hipótese em que se estaria fraudando a contratação".

Em suma, o Supremo adotou a entendimento de admitir qualquer outra forma de pactuação das relações de trabalho, além da relação de emprego, desde que a forma contratual alternativa àquela da CLT não seja utilizada como evasão para o reconhecido do vínculo de emprego quando presentes seus requisitos.

Apesar desse entendimento, temos observado diversas decisões na Justiça do Trabalho reconhecendo o vínculo de emprego em relações de trabalho que se formaram sob outra denominação, como por exemplo a terceirização, a pejotização ou o contrato de autônomo. Em muitos desses casos a Justiça laboral tem verificado que em que pese a relação de trabalho formalmente ter se dado sob outra modalidade, na realidade ela preenche todos os requisitos da relação de emprego e, assim, é reconhecida a configuração de fraude trabalhista e a incidência do artigo 9º da CLT.

Em outros, ainda, o vínculo é reconhecido não porquê restou provado os requisitos da relação de emprego, mas em razão de o reclamado não ter se desvencilhado do ônus de provar que a relação de trabalho se deu de forma distinta.

Parte dessas decisões tem sido objeto de Reclamação Constitucional, as quais obtém êxito para cassar a decisão de origem e afastar o reconhecimento do vínculo de emprego. O fundamento para tanto é todo o arcabouço jurisprudencial citado acima e que considera lícita formas de contratação distintas da relação de emprego.

Contudo, em que pese o brilhantismo da Suprema Corte brasileira, parece-nos que nem sempre as decisões têm sido tomadas com o acerto jurídico que lhe é próprio.

Antes mesmo do conjunto de decisões mencionados acima, as relações de trabalho já conviviam com diferentes formas contratuais, sendo a mais comum a distinção entre trabalho autônomo e relação de emprego. Apesar disso, não raro a Justiça do Trabalho julgava nulo determinado contrato de autônomo sob o fundamento de que, a partir do princípio da primazia da realidade, havia sido verificado na prática o preenchimento de todos os requisitos do vínculo empregatício.

Tal entendimento nunca gerou qualquer conflito com o STF, cabendo às instâncias inferiores analisar as provas dos autos e dizer em cada caso concreto se há vínculo de emprego ou relação de trabalho autônomo.

As recentes decisões do STF, que deram ensejo às teses mencionadas anteriormente, não modificam substancialmente esse raciocínio, mas apenas ampliam o rol de contratos considerados lícitos, tal como ocorre no tocante à terceirização da atividade fim, até então entendida como ilícita pela Justiça do Trabalho.

O raciocínio jurídico, entretanto, permanece o mesmo: se no caso concreto for verificado que os requisitos da relação de emprego estão presentes, o vínculo deverá ser reconhecido, independentemente se o contrato foi formalmente estabelecido como de terceirização ou de relação autônoma.

Essa, porém, não tem sido a linha adotada pelo Supremo em muitos casos, nos quais nota-se basicamente dois fundamentos para afastar o reconhecimento do vínculo de emprego.

O primeiro é a licitude de outras formas de contratação. Nesses casos a simples possiblidade de poder existir contrato distinto da relação de emprego já é suficiente para o acolhimento da reclamação, sem adentrar no mérito da existência ou não de fraude. É o que ocorre, por exemplo, nas Reclamações 55.769 e 61115, a primeira de relatoria do ministro Gilmar Mendes e a segunda do ministro Alexandre de Moraes.

Outras decisões admitem expressamente que a existência de fraude trabalhista permite o reconhecimento do vínculo de emprego, mas exigem que para isso seja demonstrada a coação sofrida pelo trabalhador. Nesse sentido é a decisão do ministro Luís Roberto Barroso na Reclamação 59.836.

Dessa forma, para que o contrato distinto do empregatício seja considerado nulo, não bastaria que no caso concreto se verificasse o preenchimento dos requisitos da relação de emprego, sendo necessária, também, a prova da coação.

A título de exemplo podemos pensar em uma forma de contratação que tem crescido: a pejotização. Não há dúvida sobre a licitude desse modelo contratual. Contudo, os contratos sob a forma de PJ e de emprego possuem características diversas, sendo uma das principais a maior autonomia do trabalhador no primeiro. Se no caso concreto for verificado que o trabalhador exerce sua atividade mediante subordinação, está descaracterizado o contrato sob a forma de PJ e, desde que preenchidos os demais requisitos, deverá ser reconhecida a relação de emprego.

Não obstante, não é o que acontece em algumas Reclamações Constitucionais, que ou consideram que a simples possiblidade, em tese, de existir contrato diverso da relação de emprego, é suficiente para afastá-la ou exigem a prova de coação do trabalhador.

Acrescenta-se, ademais, que não caberia ao Supremo analisar a existência ou não de fraude ou se são preenchidos os requisitos da relação de emprego, já que para tanto seria necessária a análise de fatos e provas, o que está restrito às instâncias inferiores.

Diante disso, entendemos que somente é possível a cassação da decisão de origem se ela reconhecer o vínculo de emprego sob o fundamento de ter considerado a forma contratual distinta ilícita per se.

Ademais, se consolidada a postura de cassar decisões da Justiça do Trabalho sem adentrar no mérito sobre a existência de fraude ou não, quando esse tenha sido o fundamento da decisão atacada, e pelo simples fato de uma forma contratual específica ser considerada lícita em abstrato, corre-se o risco de criar mecanismos que chancele a fraude trabalhista.

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