Opinião

O STJ e a aplicação das novas regras sobre indisponibilidade de bem

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5 de setembro de 2023, 20h54

Em artigo anterior, criticamos a nova tese do Superior Tribunal de Justiça sobre a retroatividade da nova Lei de Improbidade, que estaria restrita à norma que aboliu a modalidade culposa. Apontamos os perigos subjacentes a esse entendimento. Recentemente, seguindo essa tendência de interpretação restritiva das hipóteses de retroatividade da Lei nº 14.230/21, o STJ decidiu que as novas regras e requisitos para a indisponibilidade de bens não se aplicam às decisões proferidas antes da vigência da nova lei (Petição no AgInt nos EDcl no AREsp nº 1.877.917/RS).

No caso, por unanimidade, a 1ª Turma da Corte entendeu que, como a discussão não envolvia o Tema 1.199/STF (retroatividade, para os processos em curso, da norma que aboliu a modalidade culposa de improbidade), mas pedido de revisão de decisão que decretou a indisponibilidade de bens, não haveria o que se cogitar de aplicação das novas regras da Lei nº 14.230/2021.

A tese como um todo está equivocada. Inclusive, já foi descartada pelo próprio STF: no ARE n. 1.346.594/SP, o ministro Gilmar Mendes reconheceu que a taxatividade do artigo 11 tem aplicação retroativa. Isto é, o próprio STF reconheceu hipóteses de retroatividade da nova Lei para além da norma que aboliu a improbidade culposa.

Em caso envolvendo a revisão de decretação de indisponibilidade, decidir com base numa suposta irretroatividade da norma é um problema mal colocado.

Isso porque a indisponibilidade de bens é medida cautelar de natureza provisória e, enquanto tal, decisão de natureza precária [1]. Assim como qualquer outra decisão de caráter liminar, a decisão que decreta a indisponibilidade de bens pode ser revista a qualquer tempo, nos termos do artigo 296 do Código de Processo Civil [2]. Ou seja, se no curso do processo sobrevierem alterações (fáticas ou legislativas) que modifiquem a situação fático-jurídica vigente no momento do proferimento da decisão, é possível a sua revogação ou modificação.

É exatamente isso o que deve acontecer quando uma nova legislação estabelece novos requisitos para a concessão da cautelar. Há alteração fático-jurídica que autoriza a revisão da decisão e, se for o caso, sua revogação por não satisfação dos novos requisitos autorizadores da medida.

Não se trata de aplicação retroativa, pois a retroatividade pressupõe a existência de situações jurídicas já consolidadas e que serão desconstituídas com a aplicação de uma legislação nova. Nada disso se aplica a uma decisão cautelar, sendo certo se falar em aplicação imediata da nova norma, nos termos do artigo 14 do CPC [3]. As exceções presentes na parte final do dispositivo (atos processuais já praticados e situações jurídica consolidadas) não se aplicam nos casos de decisão provisória, justamente em razão da sua natureza precária, temporária.

Com efeito, a tese firmada pelo STJ (interpretação restritiva das hipóteses de retroatividade da Lei nº 14.230/21) não pode ser aplicada às novas regras sobre indisponibilidade, pois não é de retroatividade que se trata. Por serem normas processuais, o caso é de aplicação imediata aos processos em curso (artigo 14 do CPC).

Nesse sentido, as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/21 em matéria de indisponibilidade de bens são alterações fático-jurídicas e são suficientes para justificar a revisão das medidas concedidas antes de sua vigência. Não é preciso se falar em retroatividade aqui, mas tão somente em aplicação imediata das novas regras e requisitos a uma decisão precária, temporária, que não está sujeita à estabilização e cujos efeitos se prolongam no tempo. É inaceitável que uma decisão provisória, proferida sob a luz de lei revogada ou derrogada, continue produzindo efeitos após a alteração legislativa cujos requisitos a decisão não satisfaz.

Assim, indisponibilidades decretadas com fundamento na tutela de evidência (o que era permitido pelo STJ sob a vigência da lei antiga, conforme Tema Repetitivo nº 701) devem ser revistas à luz da Lei nº 14.230/2021, que qualifica a medida de indisponibilidade como tutela de urgência (§ 3º do artigo 16). Não se pode mais pressupor a evidência de improbidade. É preciso analisar as provas dos autos e demonstrar a urgência. As novas regras e requisitos valem para os processos em curso e, portanto, autorizam (e exigem) eventual revisão da decretação de indisponibilidade pelo magistrado.

Não se trata, contudo, de revogação automática. O que deve haver é a revisão da medida adotada. Se os novos requisitos forem preenchidos, a medida permanece; se estiverem ausentes, a medida deve ser revogada. Em todos os casos, deve haver manifestação judicial – seja de ofício, seja mediante provocação da parte.

 


[1] GUIMARÃES, Bernardo Strobel; SOUZA, Caio Augusto Nazário de; VIOLIN, Jordão; MADALENA, Luis Henrique. A nova improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 178.

[2] Art. 296. A tutela provisória conserva sua eficácia na pendência do processo, mas pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada.

[3] A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

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