Opinião

Viabilidade das regras de compliance nos partidos políticos

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5 de setembro de 2023, 12h23

Falta pouco mais de um ano para as eleições de 2024, quando prefeitos e vereadores serão escolhidos nos 5.568 municípios do Brasil. Para alguns, este prazo significa muito tempo e, para outros, quase nada. O fato é que, pela análise da questão temporal, seria mais do que suficiente para aplicação das regras de compliance nos partidos políticos brasileiros, visto a democrática viabilidade existente, não somente em âmbito das organizações empresariais privadas, como já se observa em execução crescente.

O "compliance é instrumentalizado por meio de um programa que tem como finalidade tornar a pessoa jurídica de direito público ou privado em cumpridora da legislação, independentemente da área de atuação econômica ou social". A afirmativa foi apresentada por Antonio Joaquim Ribeiro Júnior em revista de estudos eleitorais sobre a estrutura dos programas de compliance.

Cabe ressaltar que, embora não haja limitações nesta viabilidade de aplicação do compliance, há distinções entre o partido político e empresa privada, ainda que tenham adquirido igual entidade, neste caso, a personalidade jurídica de direito privado disposto no Código Civil  Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002, artigo 44 com a seguinte redação.

O partido político tem como fonte de financiamento o dinheiro público, por meio do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário previstos na Lei nº 13.487, de 6 de outubro de 2017 e na Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, respectivamente. Dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em período de janeiro e junho de 2023, evidenciam estes dados sobre os recursos públicos destinados aos partidos políticos.

No total, 21 agremiações receberam R$ 462.047.549,62 em valores provenientes da União. Ou seja: recursos do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, o Fundo Partidário estabelecido pela Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95) e outros normativos. Portanto, exige-se o cumprimento de uma transparência pública. Ao passo que uma empresa privada possui aspectos mais internos, no que tange as auditorias, salvo se este se relacionar com a administração pública. Nesse caso, a nova Lei de Licitações, artigo 25, §4º e também a Lei anticorrupção (Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013), já que empresas privadas, diferente dos partidos políticos, possuem obrigações legais e diretrizes para implantação de programa de integridade.

No Brasil, atualmente, no que diz respeito à adoção de programas de compliance, quando se trata de partido político, ainda existe uma lacuna legislativa. Apesar desta faculdade, alguns partidos políticos, já implementaram estes programas de forma voluntária como, por exemplo: o União Brasil e o Podemos. Nos demais partidos brasileiros, as regras que se aproximam dos programas de compliance estão presentes em estatutos e/ou códigos de ética.

Estes documentos, porém, não substituem as práticas do compliance visto que, esse último prevê a conformidade legal, enquanto os demais descritos estão ligadas ao agir de acordo com a moral e à luz dos valores. Além disso, não seria uma prática voluntária, pois os estatutos são exigidos pela Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 no artigo 7º, para registrar o partido político na Justiça Eleitoral. Ainda assim, avanços sobre o tema em questão podem ser comprovados diante dos projetos de lei relacionados ao compliance, na esfera eleitoral e que já tramitam no Congresso. Primeiro trata-se do Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 60, de 2017, de autoria do então senador Ricardo Ferraço.

O PLS nº 60, de 2017, dispõe sobre a "responsabilidade objetiva dos partidos políticos pela prática de atos contra a administração pública e para estabelecer que, na aplicação de penas, seja considerada a existência de mecanismos internos de compliance", sendo este mais flexível com a mera faculdade na adoção das regras de compliance. O mesmo foi aprovado em decisão terminativa pela CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) do Senado, e, encaminhado à Câmara dos Deputados para análise e votação.

Em segunda abordagem, o PLS nº 429, de 2017, de autoria do senador Antonio Anastasia, que visa também aplicar aos partidos políticos as normas sobre programa de integridade, porém, defendida de forma mais efetiva, imediata e de caráter obrigatório. O objetivo é inserir estas novas regras na Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995). A matéria também foi aprovada pela CCJ do Senado, e, aguarda votação do parecer favorável no Plenário. 

Além do Senado, a Câmara também teve iniciativa para criar mecanismos de compliance, em âmbito eleitoral, apresentando o Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 80, de 2016, mais conhecido como as "Dez Medidas contra a Corrupção" do Ministério Público Federal (MPF). No entanto, o PLC encontra-se arquivada após ser devolvido à Câmara dos em virtude de decisão judicial.

Esta lacuna na legislação brasileira tem sido suprida também por meio do direito comparado, pois, além das normas nacionais aplicam-se legislações de países como Estados Unidos, Chile, Itália e Reino Unido. Além das convenções, que também cumprem importante papel reforçando a necessidade de implementação do compliance em todos os países.

Em destaque estão: a Convenção à Corrupção de Funcionários Públicos em Transações Comerciais Internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); a Convenção Interamericana Contra a Corrupção da Organização dos Estados Americanos (OEA); e a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção da Organização das Nações Unidas (ON).

Órgãos públicos também estão aderindo aos programas de compliance considerando os trabalhos realizados pelas convenções como, por exemplo, a Convenção das Nações Unidas contra, além de outros parâmetros de boa governança aderindo, cada vez mais, "da avaliação e da gestão dos riscos associados ao tema e do monitoramento contínuo dos seus atributos".

Ao corroborar o exposto acima, insta transcrever resolução nº 12/2023 do Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia (TRE-RO), aprovada recentemente, que institui a Política do Sistema de Integridade e Compliance da Justiça Eleitoral no estado, em 31 de março de 2023.

A própria Lei Anticorrupção, apesar de não abranger os partidos políticos, não obstante tenha sido voltada precipuamente às pessoas jurídicas de direito privado, pode ser utilizada para fins de analogia direcionada ao caso concreto. A analogia jurídica está prevista no artigo 4º da lei de introdução às normas do Direito brasileiro ao estabelecer que "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do Direito".

Nota-se, portanto, esforços em relação a uma possível medida para que as siglas partidárias adotem os programas de compliance. Certamente, o aumento desta prática atenderia parte dos anseios da própria sociedade.

Apesar disso, o tema apresenta divergências existentes sustentadas no argumento de que uma possível obrigatoriedade, na qual se pretende inserir no ordenamento jurídico brasileiro seria inconstitucional por ferir o artigo 17, §1º da Constituição de 1988, quando o mesmo artigo garante a autonomia para os partidos políticos definirem sua estrutura interna. 

Todavia, a regra do artigo 17, §1º: a respeito da "autonomia" não deve ser tratada como fator de impedimento, tão pouco inconstitucional para aplicabilidade dos programas de compliance, pois o artigo 37 da Carta Magna estabelece princípios constitucionais em que a "administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte".

São princípios constitucionais estes norteadores para a construção de leis e demais mecanismos jurídicos que venham a inovar para garantir uma segurança jurídica, inclusive, nas organizações sejam essas públicas ou privadas. Sendo assim, finda o argumento relacionado à perda da autonomia partidária já que a implementação dos programas de integridade encontra-se em estrita concordância às diretrizes da Constituição e por privilegiar os princípios da moralidade e legalidade.

Sendo assim, faz-se necessária a prática de compliance como forma de manifesto compromisso dos partidos políticos brasileiros em prol da transparência e apuração de possíveis irregularidades partidárias.

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