Opinião

Consequências do acórdão sobre a produção antecipada de provas nas SAs

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28 de outubro de 2023, 17h06

Muito já foi dito sobre o julgamento do Recurso Especial nº 2.023.615/SP. No referido REsp, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, que a produção antecipada de provas (fundada nos incisos II e III, do artigo 381, do Código de Processo Civil  sem o requisito da urgência, portanto) é de competência da jurisdição arbitral quando há convenção de arbitragem regulando a relação entre as partes.

Talvez haja consenso na comunidade arbitral acerca da necessidade de as próprias instituições arbitrais acrescentarem em seus regulamentos regras específicas para a produção antecipada de prova. O recado do Judiciário, no julgamento acima referido, é claro. Em não havendo a autorregulação dessa matéria pelas câmaras arbitrais, sem dúvida esse vácuo será preenchido de alguma forma — seja pelo próprio Judiciário ou pelo Legislativo.

Mas até que o as instituições arbitrais tenham alterado seus regulamentos para passarem a prever procedimento específico de produção antecipada de provas, o que fazer? O acórdão do REsp nº 2.023.615/SP foi publicado em março deste ano e, até o momento, apenas uma instituição arbitral alterou seu regulamento de arbitragem para incluir um procedimento específico para a produção antecipada de provas [1].

Seria razoável supor que toda e qualquer hipótese em que uma parte submetida à convenção arbitral desejar produzir prova que "seja suscetível de viabilizar a autocomposição" ou para que "o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação", a jurisdição será arbitral?

É inegável que as próprias partes, ao negociarem a convenção de arbitragem, podem dispor que a produção antecipada de provas sem o requisito da urgência será ajuizada perante o Juízo estatal. No entanto, a adoção dessa solução consensual nos parece bastante restrita para a maior parte das relações contratuais já existentes, sobretudo, aquelas decorrentes de vínculo societário por contratos sociais ou estatutos com cláusulas compromissórias estatutárias.

Não havendo a escolha das partes pela Jurisdição estatal, na cláusula ou no compromisso arbitral, elas terão, de acordo com o entendimento do STJ, que recorrer à arbitragem para produção antecipada de provas sem o requisito da urgência. Contudo, como compatibilizar a pretensão do jurisdicionado às regras das principais instituições arbitrais brasileiras?

É comum mencionar-se a possibilidade de utilização dos procedimentos de árbitro de emergência ou de arbitragem expedita, mas será que esses procedimentos específicos são aplicáveis à produção antecipada de provas sem o requisito da urgência?

Após analisar regulamentos de arbitragem de seis das principais câmaras arbitrais brasileiras podemos apontar algumas dificuldades para aplicação de procedimentos específicos de árbitro de emergência e arbitragem expedita: 1) há regulamentos que não preveem o árbitro de emergência, nem a arbitragem expedita; 2) os regulamentos que preveem o árbitro de emergência condicionam a sua utilização à existência de urgência na tutela pretendida  o que afasta, por consequência, a produção antecipada de provas fundada nos incisos II e III, do artigo 381, do Código de Processo Civil; 3) em complemento às questões acima, alguns regulamentos condicionam a utilização do árbitro de emergência e da arbitragem expedita à previsão expressa no compromisso arbitral sobre a adoção do procedimento específico.

Vê-se, portanto, que não é tarefa simples compatibilizar a produção antecipada de provas sem urgência e antes de constituído o tribunal arbitral com o árbitro de emergência e a arbitragem expedita.

Infelizmente, a tendência é de o Judiciário declinar da competência para processar e julgar as produções antecipadas de provas para o Juízo arbitral sem considerar as dificuldades e/ou impossibilidades de se compatibilizar a pretensão de produzir prova antecipadamente com os regulamentos de arbitragem existentes, sobretudo, em se tratando de conflitos societários em companhias listadas nos segmentos especiais da B3.

O procedimento arbitral ordinariamente adotado, com árbitro único ou com um painel de três árbitros, é caro quando comparado com a propositura de uma ação no Judiciário. Além disso, o rito da arbitragem regular, ainda que mais célere do que uma ação judicial, não é tão simples e rápido  apenas para instituição da arbitragem propriamente dita pode levar um tempo considerável, o que não se coaduna com o procedimento de produção antecipada de provas previsto no CPC. Tais circunstâncias, aliás, podem levar à conclusão de que o Judiciário deveria ser o método adequado para o pedido de produção antecipada de provas. Não custa lembrar que, nos Estados Unidos, o discovery pode se dar perante o Judiciário.

Adicionalmente, o regulamento de arbitragem da Câmara de Arbitragem do Mercado  obrigatório para todas as 233 companhias atualmente listadas nos segmentos especiais da B3  condiciona a utilização do árbitro de emergência tão somente para medidas de urgência (item 5.1) e desde que "a convenção de arbitragem contiver previsão expressa quanto à sua atuação" (item 5.1.3).

Não se pode perder de vista que criação do Novo Mercado se deu como uma tentativa de reduzir a percepção de risco dos investidores a partir da adoção de padrões elevados de governança corporativa e, com isso, influenciar positivamente a valorização e liquidez das ações. À época, a Bovespa considerou que "a percepção de menor risco ocorreria graças a direitos e garantias adicionais concedidos aos acionistas e a uma redução na assimetria de informações entre controladores /administradores das empresas e participantes do mercado" [2].

Considerando a utilidade da produção antecipada de provas para reduzir a assimetria informacional antes da conflagração de um litígio, parece-nos bastante grave o cenário regulamentar existente no âmbito das instituições arbitrais  sobretudo na Câmara de Arbitragem do Mercado  após o entendimento firmado pelo STJ do Recurso Especial nº 2.023.615/SP. Isso, principalmente, em razão de a assimetria informacional ser quase inerente às relações intra societatis  agravada nas estruturas societárias com controle, o que é bastante comum no Brasil. Nesse sentido, a Câmara de Arbitragem do Mercado, que é vinculada à B3, deveria estar na vanguarda do que há de mais avançado em termos de garantia e proteção dos investidores e acionistas minoritários.  

Em todo caso, independente de se verificar qual a jurisdição mais adequada para analisar a produção antecipada de provas, quando ausente o requisito da urgência, a reflexão que se coloca é que caso seja confirmada a tendência acima não implicaria em fazer letra morta da lei e denegar acesso à Justiça, em violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.

 


[1] Trata-se da Resolução Administrativa nº 3/2023 do Centro de Arbitragem e Mediação AMCHAM, datada de 7 de agosto de 2023, cujo inteiro teor pode ser acessado no endereço: https://estatico.amcham.com.br/arquivos/2023/resolucao-administrativa-n3-2023.pdf

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