Opinião

Complementação de preparo recursal nos JECs é essencial para a Justiça

Autores

  • Ricardo Alves

    é DPO e sócio responsável pela área de Tecnologia e Inovação do escritório Fragata e Antunes Advogados.

  • Janaina Môcho

    é sócia e coordenadora do setor de Direito Imobiliário do escritório Fragata e Antunes Advogados e pesquisadora da FGV-RJ.

  • Murilo Ferreira

    é advogado especialista em sustentações orais e líder da equipe de performance jurídica do escritório Fragata e Antunes Advogados.

25 de outubro de 2023, 15h17

A luta dos advogados para obter decisões que permitam a complementação do recolhimento de custas em recursos dos juizados especiais, sem que isso resulte em deserção, é uma batalha fundamental no campo jurídico. Essa questão não apenas impacta diretamente a capacidade de acesso à justiça de muitos cidadãos, mas também é essencial para garantir que o sistema legal seja justo e equitativo.

A Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95) estabelece procedimentos simplificados e desburocratizados para lidar com causas de menor complexidade e valor. Uma das características mais marcantes desses Juizados é o objetivo de tornar possível o acesso à justiça. No entanto, em alguns casos o recolhimento de custas pode ser feito a menor, seja por erro de cálculo, erro do sistema ou simplesmente por um erro material. Quando as custas são recolhidas de forma inadequada, o risco de deserção se torna uma preocupação iminente. A deserção é a penalidade que pode ser aplicada quando as custas não são pagas ou são recolhidas incorretamente. Ela pode resultar na não modificação da sentença que se queria ver reanalisada.

Advogados têm se esforçado para encontrar soluções justas para essa situação. Eles têm argumentado que, em muitos casos, o recolhimento a menor de custas não deve resultar em deserção, desde que a parte demonstre sua boa-fé e prontidão para corrigir o erro. Isso pode incluir a regularização do pagamento das custas ou a comprovação de que o valor correto foi depositado em juízo. Entretanto, todas as tentativas são em vão, face a normativa da Lei 9099/95.

A busca por decisões que permitam a complementação de custas sem gerar deserção tem se baseado não apenas na interpretação estrita da lei, mas também na busca pela equidade e no respeito ao princípio do acesso à justiça. Muitos advogados argumentam que a deserção não deve ser aplicada de forma automática, especialmente quando a parte demonstra que está disposta a cumprir com as obrigações financeiras pendentes conforme dito acima. Essa luta não é apenas sobre o interesse dos advogados, mas principalmente sobre garantir que o sistema legal seja acessível e justo para todos. Garantir que as custas recolhidas incorretamente não se tornem uma barreira intransponível para o acesso à justiça é um objetivo fundamental no campo jurídico. É uma questão de equidade, responsabilidade e respeito aos princípios que norteiam a justiça.

Como uma luz no final desse sombrio túnel, dias atrás a Turma de Uniformização do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) reacendeu a esperança dos advogados que militam nos juizados especiais e enfrentam rotineiramente a injustiça de terem seus recursos julgados desertos.

A turma fixou a seguinte tese a respeito das custas:

"Preparo recursal no âmbito dos juizados especiais – não recolhimento ou recolhimento insuficiente – possibilidade de aplicação subsidiária do artigo 1.007 e parágrafos do código de processo civil – revisão puil número 0000043-07.2017.8.26.9001."

Isso é uma vitória para os advogados, sem precedente.

Esse passo da magistratura paulista coloca novamente em debate a injustiça das custas judiciais no preparo dos recursos inominados. Caso seja firmada a tese proposta, entendemos que é o caso da revogação imediata do Enunciado 80 do Fonaje (Forum Nacional de Juizados Especiais), que não abre espaço para complementação de eventual divergência no recolhimento das custas. A saber:

Enunciado Cível nº 80 do Fonaje:

"O recurso Inominado será julgado deserto quando não houver o recolhimento integral do preparo e sua respectiva comprovação pela parte, no prazo de 48 horas, não admitida a complementação intempestiva (artigo 42, §1º, da Lei 9.099/1995) (nova redação — XII Encontro Maceió-AL)."

Essa proposta leva à tona a nova dinâmica na dualidade entre o acesso facilitado ao Judiciário, as inovações tecnológicas advindas com a pandemia, mas também coloca sob tensão a relação entre os princípios que regem os JECs e o que se entrega efetivamente ao jurisdicionado em termos práticos.

O que se observa nesse enunciado em sua dialética simples, revestido do cunho célere, não só dificulta, retarda e mitiga o bom direito, como impede o acesso à justiça de forma fria e descompromissada, conforme já mencionado. Ao se afirmar isso, não se está fazendo referência aos magistrados que têm o dever de aplicar as ferramentas que dispõem, a Lei ou Enunciados e normas pertinentes, mas ao sistema — que precisa de ajustes imediatamente.

No 50º Fonaje defendeu-se a revogação da parte final do dito enunciado, conforme proposto no artigo "A injustiça das custas nos Juizados Especiais", de autoria dos advogados Ricardo da Costa Alves e Murilo da Silva Ferreira. Esta foi a nova redação sugerida:

"O recurso Inominado será julgado deserto quando não houver o recolhimento integral do preparo e sua respectiva comprovação pela parte, no prazo de 48 horas, aplicando-se subsidiariamente o artigo 1.007 e parágrafos do Código de processo civil."

A proposta foi sustentada seguindo os princípios que regem a Lei 9.099/95 e também pelo fato de que sendo os juizados um microssistema simplificado, é a porta de entrada para muitos advogados recém-formados ao mercado de trabalho. Neste rito, os advogados novatos encontram enorme dificuldade com o preenchimento da guia de recolhimento, em especial a do Tribunal fluminense, trazendo uma tecnicidade incompatível com a simplicidade dos próprios JECs. Mas não só se aplica às principais capitais como Rio de Janeiro e São Paulo. Faz-se necessária uma imediata mudança em todo o território nacional.

A proposta foi por maioria rejeitada, sob o argumento de que este Enunciado não poderia ser alterado para acomodar um problema setorizado nos Tribunais fluminense e paulista e que afetaria outros Estados que possuem sistemas mais modernos, robôs e sistema automático de preenchimento de guias disponibilizados pelos próprios Tribunais. Entretanto, a situação descrita reflete um desafio comum em processos de tomada de decisão, onde a necessidade de equilibrar interesses e realidades diferentes é evidente. A rejeição da proposta de alteração do Enunciado, sob o argumento de que tal mudança poderia prejudicar Estados com sistemas mais modernos, por si só revela a complexidade de questões envolvendo sistemas judiciais e regulatórios.

Em um cenário ideal, a busca por soluções deve levar em consideração a diversidade de realidades e necessidades dos diferentes Estados e tribunais. É compreensível que, em alguns casos, a alteração de um enunciado ou regulamento específico possa criar conflitos ou implicações não intencionais em outras regiões. Nesse sentido, a preocupação com a uniformidade e a harmonização das regras e procedimentos judiciais em todo o país é legítima.

A possibilidade da tese firmada pelo colegiado paulista nos abre um leque de possibilidades de reacender um debate maduro e isento, de soluções eficientes para frear o alto volume de recursos desertos nas turmas recursais. Uma delas, e que foi ponto de debate no 50º Fonaje, seria a possibilidade de no próprio site do Tribunal de Justiça a guia já sair impressa com o valor correto a ser pago. Outra solução seria a certificação prévia, pela serventia do Juizado, do valor a ser recolhido para o recurso.

A aplicação subsidiária do CPC pode ser uma alternativa para resolver essa questão: o artigo 1.007 e seus parágrafos tratam do preparo de recursos e estabelecem regras claras sobre a regularização do preparo, incluindo prazos para pagamento das custas de forma suplementar.

A aplicação subsidiária desses dispositivos do CPC nos juizados especiais pode ser vista como uma tentativa de harmonizar a simplicidade e o acesso à justiça com a necessidade de manter a eficiência e a ordem no processo. Essa abordagem permitiria às partes regularizarem o recolhimento do preparo, evitando a deserção, desde que sigam as normas estabelecidas pelo CPC ou outra que se entendesse mais adequada ao rito escolhido.

Por óbvio, essas sugestões se tornam apenas complementares e provavelmente inócuas, caso a tese definida persista, o que aliviaria e traria muito mais justiça aos jurisdicionados. Com essa decisão, teríamos o ajuste do procedimento que rege a própria Lei no que se refere à simplicidade; teríamos substancial economia processual não só dentro do próprio processo, mas também impedindo a propositura de mandados de segurança e agravos (nos tribunais onde é permitida a interposição deste recurso em sede de juizado); e, por fim, evitaríamos a propositura de novas demandas rediscutindo sob novo viés e muitas vezes com narrativa similar, demanda anteriormente mitigada pela injustiça que sobrepõe a decretação de deserção de um recurso inominado.

A busca pela justiça e pela facilitação do acesso à justiça deve ser o cerne de qualquer mudança no sistema judiciário. É fundamental reconhecer que a realidade judiciária pode variar significativamente de um Estado para outro, e as regras e procedimentos precisam ser adaptados para refletir essas diferenças. A busca pela harmonização das regras judiciais em todo o país é louvável, mas deve ser equilibrada com a consideração das peculiaridades locais. Essa abordagem proativa e pragmática da decisão do TJ-SP pode ser um passo importante na direção certa.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!