Opinião

Nulidade da cláusula de uso compulsório da arbitragem em contrato de consumo

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24 de outubro de 2023, 16h22

Se enganam os que pensam que a única forma de resolver disputas decorrentes de descumprimento de cláusulas contratuais é mediante o ajuizamento de ações perante o Poder Judiciário.

Há muito que os métodos alternativos de resolução de conflitos são validados e incentivados, tal como ocorre com a mediação e arbitragem. Especificamente sobre a arbitragem, de acordo com a Lei nº 9.307/96, aqueles que são capazes de contratar podem valer-se do procedimento arbitral para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, desde que o contrato preveja a cláusula compromissória arbitral.

Com a promessa de resolução mais rápida das disputas, a arbitragem acabou caindo nas graças não só de juristas e operadores do direito, mas também das empresas, em todos os segmentos econômicos.

Foi com esse pano de fundo, que empresas prestadoras de serviços de consumo passaram a adotar em seus contratos celebrados com seus clientes as cláusulas compromissórias, estipulando as Câmaras Arbitrais como competentes para dirimir quaisquer problemas advindos na execução de referidos contratos.

Muito embora seja facultado às partes pactuar sobre a adoção da arbitragem como método para resolução de disputas, a vinculação de determinados tipos de contrato, em especial contratos que veiculam prestação de serviços voltados ao público consumidor, às regras arbitrais, acaba por onerar demasiadamente o consumidor em si, especialmente se for levado em consideração que os processos arbitrais possuem custos financeiros altos se comparados com as custas processuais praticadas pelo Poder Judiciário.

Dado o espírito protecionista da legislação pátria, encara o consumidor como parte hipossuficiente nas relações contratuais havidas com os fornecedores, as cláusulas compromissórias arbitrais, previstas em contratos genéricos e de adesão são tidas como manifestamente nulas pelo próprio Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo no artigo 51, inciso VII. 

E, mesmo com a previsão expressa na legislação consumerista, o debate acerca da validade da cláusula compromissória arbitral em alguns contratos continua em destaque perante o Poder Judiciário.

Em recentíssimo julgamento de embargos de divergência em Recurso Especial nº 1.636.889/MG, relatado pela ministra Nancy Andrighi [1], a 2ª Seção do STJ (Superior Tribunal de Justiça) firmou o entendimento jurisprudencial validando a regra expressa do Código de Defesa do Consumidor, no sentido de ser nula a cláusula de contrato de consumo que determina a utilização compulsória da arbitragem.

O caso versava sobre atraso na entrega das obras de um imóvel, com pedido de condenação da empresa construtora não só a entregar o bem, mas também ao pagamento de multa contratual e indenização por danos morais. Contudo, o contrato entabulado entre as partes previa cláusula compromissória arbitral,  o que, a princípio, afastaria a competência do Poder Judiciário para resolução da lide. Buscava-se entender, portanto, se seria cito ao Poder Judiciário afastar a cláusula compromissória inserta no contrato, tendo em vista o fato de que o consumidor optou por ajuizar ação judicial para a tutela de seu direito.

A decisão, que encontra respaldo na legislação consumerista, justifica-se naturalmente pelo fato de que o simples ajuizamento pelo consumidor de ação perante o Poder Judiciário caracteriza, de maneira indubitável, a sua discordância em submeter-se ao juízo arbitral.

Sendo o consumidor parte vulnerável no polo da demanda, é certo que não pode ser compelido a submeter-se a um processo arbitral, sendo-lhe assegurado o direito de acionar a jurisdição estatal para dizer sobre o seu direito no caso concreto.

A verdade é que o Código de Defesa do Consumidor não se opõe a utilização da arbitragem como meio alternativo de resolução de conflitos nas relações de consumo. Se opõe, somente, a imposição da cláusula compromissória, fazendo com que o consumidor renuncie o direito de socorrer-se ao judiciário.

 


[1] REsp 1.636.889-MG, relatora ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 9/8/2023, DJe 14/8/2023.

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