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Corte dos EUA julga se Estado pode usar drones para espionagem sem mandado

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20 de outubro de 2023, 7h32

O Tribunal Superior de Michigan, nos EUA, começou a julgar, na quarta-feira (18/10), se entidades governamentais, em busca de provas, podem espionar livremente cidadãos com o uso de drones — isto é, sem mandado judicial. Em instância inferior, um tribunal de recursos decidiu que, em casos criminais, não podem; mas, em casos civis, podem.

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O caso Long Lake Township v. Maxon teve idas e voltas na justiça estadual, em torno de uma pequena causa. Em 2008, a pequena cidade de Long Lake Township processou o casal Todd e Heather Maxon por manterem "sucatas", em sua propriedade de cinco acres, em violação às regras de zoneamento municipais.

O casal fez um acordo com a cidade: em troca da retirada das acusações, prometeu não aumentar sua "frota" de carros quebrados, que gostava de reparar. Mas vizinhos o denunciaram: disseram à prefeitura que ele adquiriu mais carros, em descumprimento do acordo.

Funcionários da prefeitura foram conferir, mas não podiam ver nada da rua, por causa de uma cerca alta. Assim, a prefeitura contratou uma empresa privada, operadora de drones, para inspecionar e fotografar a propriedade dos Maxons — o que foi feito por alguns anos. Com provas fotográficas, a cidade processou o casal por violação do acordo inicial, que resultou na contínua violação das regras de zoneamento.

No tribunal de recursos, um colegiado de três juízes determinou que a prefeitura "usou o drone para fotografar a propriedade sem autorização do casal, sem mandado judicial ou sem qualquer outra autorização legal, uma violação da Quarta Emenda da Constituição dos EUA", que diz:

"O direito das pessoas de estarem seguras em suas pessoas, casas, papéis e pertences contra buscas e apreensões não razoáveis, não será violado e nenhum mandado será emitido, a não ser por causa provável, apoiada por juramento ou afirmação, e particularmente descrevendo o local a ser revistado e as pessoas ou coisas a serem apreendidas."

Consequentemente, o tribunal de recursos decidiu a favor dos Maxons: as provas foram obtidas de forma ilícita. O caso foi para o tribunal superior. Mas bateu e voltou: em remanda, o tribunal superior ordenou ao tribunal de recursos determinar "se a regra de exclusão de provas ilícitas do processo (exclusionary rule) se aplicava a essa disputa".

"A regra de exclusão proíbe o governo de usar provas obtidas em violação da Constituição: da Quarta Emenda, que proíbe busca e apreensões não razoáveis; da Quinta Emenda, que proíbe o uso de declarações autoincriminatórias obtidas indevidamente (conforme decisão em Miranda v. Arizona); da Sexta Emenda, que proíbe o uso de provas obtidas em violação ao direito do réu a um advogado. Mas a regra não se aplica a casos civis, como audiências para deportação", de acordo com o Legal Information Institute.

Dessa vez, o tribunal de recursos decidiu a favor da cidade. Concordou que a busca feita por drone, sem mandado, violou os direitos dos Maxons garantidos pela Quarta Emenda. Porém, isso não importava, porque o caso era civil e não criminal.

"A regra da exclusão não tem a intenção de operar nessa arena e não serve qualquer função de valor no caso", escreveu a presidente do tribunal, ministra Eleizabeth Gleicher. "A intenção da regra de exclusão é impedir a má conduta da polícia, não a de funcionários de baixo escalão, que não têm treinamento sobre a Quarta Emenda."

Diversas organizações de defesa dos direitos civis protocolaram amicus curiae no tribunal superior, a favor dos Maxons. A American Civil Liberties Union (ACLU), a ACLU de Michigan e o Mackinac Center for Public Policy protocolaram uma petição conjunta, na qual argumentam que uma decisão a favor da cidade irá abrir as portas para "outros big brothers governamentais espionarem cidadãos sem mandado sustentado em causa provável".

"A regra de exclusão, seja em casos criminais ou civis, é, na prática, o único instrumento jurídico disponível para forçar as autoridades policiais, no mundo moderno, a respeitar os direitos garantidos pela Quarta Emenda", alegou o Institute for Justice em seu amicus curiae. "Sem consequências para invasões arbitrárias a seus direitos, ninguém pode estar seguro em sua pessoa, casa, papéis ou pertences", diz o instituto.

O Cato Institute, por sua vez, alegou que a busca feita pela cidade foi "manifestamente não razoável", porque foi "conduzida sem supervisão judicial e sem qualquer justificativa para não haver buscado um mandado, a não ser a da mera conveniência".

A Electronic Frontier Foundation (EFF) alegou, em sua petição, que, embora exista jurisprudência que se alinha com a posição da cidade, "as características modernas da busca por drones merecem um reexame do precedente".

Por exemplo, em 1986, no caso California v. Ciraolo, a Suprema Corte decidiu que a Quarta Emenda não requer que a polícia obtenha um mandado, "a fim de observar o que é visível a olho nu". Porém, esse caso envolveu agentes do governo voando em um avião a mais de três quilômetros de altura.

"Mas a corte reconheceu a possibilidade de, no futuro, novos desenvolvimentos eletrônicos resultarem em invasões furtivas da privacidade dos cidadãos. Esse futuro já chegou: “as mudanças tecnológicas sísmicas” no mercado de drones “exigem uma nova avaliação da moderna tecnologia de vigilância aérea utilizada neste caso", diz a EFF.

Com informações adicionais do Detroit News, Reason, ABC12 News, Traverse City Record Eagle, Legal Information Institute e Pacific Legal Foundation.

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