'Permita-me interrompê-la'

Estudo aponta machismo dos ministros na Suprema Corte dos EUA

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16 de outubro de 2023, 7h48

Um estudo de cinco pesquisadores, publicado pela organização SocArXiv, analisou mais de 3 mil transcrições de sustentações orais na Suprema Corte dos EUA, em um período de quase quatro décadas, para avaliar o "efeito do gênero" nas audiências da Corte. Conclusões: as advogadas são muito mais interrompidas pelos ministros do que os advogados; depois delas, as ministras são mais interrompidas pelos ministros.

supremecourtus.gov
Nas sustentações orais, os ministros interrompem os advogados, quando estão apresentando seus casos, por diversas razões — entre as quais: 1) querem esclarecimentos; 2) querem debater argumentos; 3) querem manifestar seus pontos de vista; 4) querem mudar o rumo dos debates; 5) querem se contrapor a argumentos que contrariam suas ideologias; 6) sem motivo aparente.

"A frequência de vezes que os ministros interrompem as advogadas ofusca todas as demais razões", diz o estudo. "Pode-se esperar que interrupções ocorram, quando os argumentos de advogados e advogadas contrariam as posições ideológicas dos ministros. No entanto, interrupções de advogadas são e três a cinco vezes mais frequentes por serem mulheres do que por razões ideológicas."

O estudo traz um exemplo de uma interrupção considerada estranha da advogada-geral do governo Biden, Elizabeth Prelogar. Ela foi interrompida pelo ministro Samuel Alito, quando defendia a posição do governo em respeito a uma lei do Texas que proibia o aborto após seis semanas. Uma parte do diálogo foi a seguinte:

Advogada-geral: Embora eu certamente reconheça, ministro Alito, que uma ordem judicial que vincule os juízes dos tribunais estaduais seja extremamente rara, não é inédita e acho que, nos fatos sem precedentes deste caso, seria uma medida apropriada. E…

Alito: Bem, juízes têm sido proibidos por ordem judicial.

Advogada-geral: … E a razão para isso é…

Alito: Permita-me interrompê-la, juízes têm sido proibidos de praticar atos ilícitos.

Os autores do estudo citam um outro estudo (Zimmermann and West, 1996) que, segundo eles, explica o fenômeno: "Interrupções são uma forma de alguém impor um domínio em uma conversação, porque obriga a outra pessoa a se calar e ouvir". E os ministros tentam impor um domínio no debate com advogadas, mais do que fazem com advogados, o que dificulta a atuação das mulheres na corte, diz o estudo.

Vieses inconscientes
Os autores do estudo reconhecem que a luta das advogadas contra o preconceito de gênero, às vezes inconscientes, não se limita a problemas para lidar com ministros da Suprema Corte. Muitas vezes, começa antes. Até mesmo mulheres que atingem os mais altos níveis na advocacia são pouco representadas na Suprema Corte. Por exemplo, no ano judicial 2020-2021, apenas 18% dos advogados que atuaram na Suprema Corte eram mulheres (estudo St. Eve and Luguri, 2021).

A advogada-geral dos EUA, Elizabeth Prelogar, também se queixou sobre isso. Na audiência de sustentação oral na Suprema Corte, em que o precedente da ação afirmativa (cotas raciais nas universidades) foi revertido, ela argumentou que essa proteção era necessária em todas as áreas em que as disparidades são extremas.

E citou, como exemplo, o fato de que, naquele semestre, a Corte iria ouvir 27 advogados, sendo 25 homens e duas mulheres — apesar de 50% dos bacharéis formados pelas faculdades de direito serem mulheres. "E isso leva as advogadas a pensar: é esse o único caminho aberto para mim? Quando há esse tipo de disparidade grosseira em representação, alguma coisa está errada."

Um estudo da American Bar Association (ABA) sobre a atuação de advogadas no Tribunal Federal da 7ª Região indicou que elas são mais escaladas pelos escritórios de advocacia para representar clientes em casos criminais e em casos que envolvem governos estaduais e federal. Muito pouco em processos civis e nada em processos civis complexos. Existem pelo menos duas vezes mais advogadas trabalhando para governos do que advogados, diz o estudo atual.

Na magistratura
Os autores do estudo também pesquisaram a nomeação de advogadas para cargos na justiça federal. Concluíram que isso depende do partido que está no governo e da vontade do presidente em promover a diversidade de gênero.

Por exemplo, no governo de quatro anos do ex-presidente Donald Trump (republicano), 24% dos juízes federais nomeados foram mulheres; no governo de oito anos do ex-presidente Barack Obama (democrata), 42% foram mulheres; no governo, de menos de três anos até agora, do presidente Joe Biden (democrata), 77% foram mulheres.

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