Malícia real

Suprema Corte dos EUA mantém proteção à liberdade de imprensa e de expressão

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11 de outubro de 2023, 16h44

A Suprema Corte dos EUA negou, na terça-feira (10/10),  um pedido de certiorari — isto é, decidiu não decidir o caso — de um ex-candidato ao Senado pelo Partido Republicano, que moveu uma ação contra 16 réus, entre órgãos de imprensa, jornalistas e comentaristas políticos, por difamação.

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No que se refere aos fatos, com razão: durante a campanha eleitoral de 2018, jornalistas e comentaristas descreveram o candidato erradamente como "criminoso condenado" a um ano de prisão; De fato, ele passou um ano na prisão, mas porque foi condenado por contravenção penal. No que se refere à lei, sem razão: afinal, ele não conseguiu provar, nem de longe, que a imprensa o ofendeu por "malícia real" — um parâmetro estabelecido pela Suprema Corte em precedente.

Mas, quando a Suprema Corte decide não decidir, está tomando algumas decisões importantes, que beneficiam a mídia: 1) se livra de milhares de processos (a corte só decide de 100 a 150 ações, de cerca de 7 mil que são protocoladas na instituição a cada ano judicial); 2) prevalece jurisprudência anterior, se houver uma; 3) prevalece a decisão de um tribunal de recursos que, para todos os efeitos, fica valendo para todos os tribunais.

(Se houver decisões conflitantes entre tribunais de recurso, a Suprema Corte tende a julgar o caso, para harmonizar o conflito; e também decide casos em que é preciso estabelecer um precedente ou que há uma questão constitucional já julgada nos tribunais superiores dos estados.)

No caso atual, Don Blankenship v. NBC Universal, LLC, se salvou o precedente estabelecido pela Suprema Corte em New York Times v. Sullivan, em 1964. Nesse caso, a corte decidiu, por unanimidade, que a Primeira Emenda da Constituição requer que o autor de uma ação por difamação demonstre que o jornalista ou órgão de imprensa sabia que a informação era falsa ou decidiu de forma temerária publicá-la, sem investigar se era correta ou não.

O relator, ministro William Brennan, introduziu em seu voto o conceito de "malícia real", para resumir esse novo parâmetro. A defesa do réu passou a ser a de que cometeu um "erro honesto" — e só isso. Poderá, provavelmente, corrigir a informação.

No caso presente, o autor da ação pediu, em sua petição, para a corte rever a decisão tomada em New York Times v. Sullivan, considerada uma "landmark decision" — ou seja, "uma decisão que estabelece um novo e significativo princípio ou conceito ou que, de qualquer forma, muda substancialmente a interpretação de lei existente", segundo o site Connections da Suprema Corte.

Os ministros Clarence Thomas e Neil Gorsuch já manifestaram desejo de reverter o precedente estabelecido em New York Times v. Sullivan.

Com a negação de certiorari, também prevaleceu a decisão do Tribunal Federal de Recursos da 4ª Região. O voto do relator, juiz Roger Gregory, confirmou a decisão do juiz federal de primeira instância, segundo a qual os 16 réus não agiram com "malícia real" na cobertura da campanha eleitoral malsucedida de Blankenship em 2018, mesmo que eles não tenham observado os melhores padrões jornalísticos.

"A falha de não checar devidamente os fatos não é suficiente para fabricar uma questão genuína de malícia real", escreveu o juiz Roger Gregory.

Blankenship, ex-CEO da Massey Energia, proprietária de uma mina de carvão que explodiu, matando 29 trabalhadores, em 2010, foi denunciado por múltiplas acusações de crime e contravenção penal. O júri o considerou não culpado das acusações de crime, mas o condenou por conspirar para violar uma lei federal sobre segurança das minas, uma contravenção penal que lhe rendeu a pena máxima de um ano de prisão e multa de US$ 250 mil.

Depois de perder as eleições primárias do Partido Republicano para o Senado, ele processou a NBCUniversal, a Fox News, a MSNBC, a CNN, a CNBC, a ABC, o Washington Post, o Boston Globe e mais oito réus menos conhecidos, por difamação, responsabilizando-os por seu insucesso político.

O tribunal de recursos determinou que os jornalistas se confundiram sobre o significado do termo "felon" que, por definição, se refere a alguém condenado por crime. O juiz Roger Gregory escreveu que Blankenship esteve tão próximo quanto possível de ser sentenciado como criminoso: um ano e um dia de prisão o colocaria nessa classificação.

"Algumas informações podem ter sido produtos de descuidos e de métodos jornalísticos precários. Mas, no final das contas, os autos não contêm provas de que os jornalistas e comentaristas, responsáveis pelas notícias, estavam mais do que confusos sobre como descrever uma pessoa que foi sentenciada a um ano de prisão por um delito federal."

"Para não advogados, descrever Blankenship como criminoso condenado não era inerentemente improvável e não havia razões óbvias para duvidar da veracidade de tais informações", diz a decisão do tribunal federal de recursos.

Com informações adicionais de The Mercury News, Bloomberg Law, CNN, Yahoo!finance, AP e BNN.

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