Opinião

A propaganda como elemento estratégico de guerra

Autor

  • Paulo Rafael Ferreira Bastos

    é oficial do Serviço de Intendência e foi formado pela Academia Militar das Agulhas Negras (Aman)cursou Operações na Selva no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) e a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (Esao) e serve na Base Administrativa do Quartel General do Exército em Brasília.

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9 de outubro de 2023, 21h37

Nos conflitos armados, a propaganda pode ser empregada para fortalecer o moral da tropa, desestabilizar o oponente e influenciar a opinião pública, reverberando até em decisões a nível estratégico. Cartazes, jornais, filmes e outras formas de mídia foram amplamente usadas desde o século passado para criar uma imagem positiva do país e, ao mesmo tempo, desacreditar e desumanizar o inimigo. Principalmente durante as duas Grandes Guerras, a estratégia da propaganda foi utilizada para mobilizar soldados, reforçar o nacionalismo, estimular o racionamento de recursos e arrecadar fundos para financiar a participação dos países nos conflitos.

Durante a Primeira Guerra Mundial, o cartaz de recrutamento norte-americano "I want YOU for U.S. Army" (Eu quero VOCÊ para o Exército dos EUA) foi um dos mais famosos e icônicos da história da propaganda. O cartaz apresenta a imagem do "Tio Sam" apontando o dedo para o observador de forma contundente e desafiadora, com o intuito de incentivar os jovens americanos a se alistarem no Exército. A propaganda foi tão eficaz para o recrutamento que foi readaptada para a Segunda Guerra Mundial.

Divulgação/Exército Brasileiro
Exército Brasileiro

A propaganda britânica de 1939, que se tornou mundialmente famosa nos anos 2000, foi o cartaz com uma coroa e o slogan "Keep Calm and Carry On" (Mantenha a Calma e Siga em Frente). A propaganda fez parte de uma campanha durante a guerra para incentivar a população a ter calma e resiliência, mantendo as atividades cotidianas mesmo com a ameaça iminente dos bombardeios aéreos nazistas.

Quanto às propagandas divulgadas pelo governo brasileiro, a partir de 1942, além das constantes campanhas de mobilização pelo rádio, podemos citar slogans como "O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever", "Ajude a vitória do Brasil comprando títulos de guerra" e "A vitória é a nossa única esperança". Alguns dos cartazes e propagandas da época incluíam imagens patrióticas, como a bandeira brasileira ou o símbolo da Força Expedicionária Brasileira (FEB).

Consciente da importância da propaganda para o esforço de guerra, o governo americano em conjunto com os estúdios Disney produziu diversos desenhos animados exaltando a bravura do povo americano e com temáticas antinazistas. Em 1943, o próprio Walt Disney veio ao Brasil para conhecer a cultura local, resultando na criação do papagaio Zé Carioca, personagem da Disney cujo objetivo foi propagar a amizade entre os Estados Unidos e o Brasil, de modo a atrair a simpatia da opinião pública e consolidar o apoio do governo brasileiro aos aliados.

Outra estratégia de propaganda largamente utilizada na história é a disseminação de informações falsas ou distorcidas, com o objetivo de confundir e desinformar o inimigo. Paul Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda na Alemanha Nazista, adaptou filosofia e técnicas da propaganda comercial à esfera política. Tais recursos incluíam o uso de filmes, jornais e revistas, além de cartazes com imagens e slogans de impacto e até com mensagens subliminares, tudo com o intuito de disseminar a ideologia nazista promovendo os valores do regime como nacionalismo, antissemitismo, racismo, militarismo e culto ao líder.

Ainda na Segunda Guerra Mundial, ressalta-se a operação "Fortitude" realizada para enganar os alemães com propagandas e informações falsas sobre o local do desembarque das tropas Aliadas na Normandia durante a Operação Overlord, o que pode ter sido decisivo para o sucesso da invasão no dia "D".

A partir da segunda metade do século 20, a propaganda ideológica do capitalismo e do comunismo intensificou-se a nível global, já no contexto da Guerra Fria. A propaganda e a guerra ideológica buscavam divulgar as vantagens de cada sistema bem como atacar o polo adversário, gerando, em ambos os lados, a perseguição aos cidadãos que não se alinhassem ao respectivo sistema, os quais eram acusados de subversão e traição.

Durante a Guerra do Vietnã, em 1972, um caso célebre de propaganda utilizada na guerra foi a fotografia de Kim Phuc, de apenas nove anos de idade. A foto registrou a criança correndo nua, chorando em desespero com a pele queimada, enquanto a fumaça do bombardeio de Napalm pode ser vista ao fundo. A imagem virou um símbolo da Guerra do Vietnã e muitos acreditam que ela foi decisiva para os rumos do conflito por retratá-lo de forma impactante e brutal. Tanto as forças do Vietnã do Norte como as do Sul usaram a foto como propaganda, acusando-se mutuamente.

Mais recentemente, na Guerra do Iraque, no início do século 21, a propaganda foi empregada pelos Estados Unidos para persuadir a opinião pública americana e mundial quanto a necessidade da invasão. Por meio de campanhas publicitárias e outras formas de marketing, o governo do então presidente Bush conseguiu construir uma imagem positiva da necessidade da guerra, legitimando suas decisões perante a opinião pública.

Posteriormente, diversas imagens e vídeos de ações do Exército Americano no Iraque vieram a público, influenciando a população de forma extremamente negativa, comprovando mais uma vez que a propaganda pode ser decisiva para definir o apoio político e público durante as guerras.

Já na atual contenda entre Rússia e Ucrânia, a chamada "máquina de propaganda" está sendo utilizada profusamente, tanto por Moscou quanto pelo lado ocidental, com atividades de mídia e propaganda conduzidas por várias facções políticas e grupos de interesse que buscam moldar a opinião pública nacional e internacional em favor de suas próprias agendas. Isso inclui a disseminação de notícias falsas e desinformação para desacreditar o governo adversário, angariar a opinião pública, elevar o moral da tropa e baixar o moral inimigo, promovendo a narrativa em favor próprio, principalmente por intermédio da internet com as redes sociais.

Aqui no Brasil, o Exército Brasileiro possui vários órgãos de comunicação social que têm como objetivo informar e divulgar as ações da Instituição para o público interno e externo, tendo à frente o Centro de Comunicação Social do Exército (CCOMSEx), o qual é responsável pela coordenação e gestão das atividades de comunicação social do Exército, incluindo a produção de conteúdos de propaganda para os veículos de comunicação e redes sociais.

O Exército Brasileiro conta também com a Agência Verde-Oliva, que é a agência de notícias oficial, responsável por produzir e divulgar notícias e informações sobre as atividades institucionais, possuindo emissoras de televisão e rádio, as quais transmitem programação relacionada às atividades da Instituição e à formação de valores militares, incluindo notícias, entrevistas, músicas e programas educativos. Soma-se a esses canais a Revista Verde-Oliva, a qual apresenta informações sobre as atividades da Força, bem como artigos sobre temas relacionados à defesa e à segurança nacional.

Além desses órgãos, o Exército Brasileiro também possui perfis oficiais nas redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram, que são utilizados para divulgar informações e interagir com o público.

Ressalta-se, ainda, o EBlog, Blog do Exército Brasileiro que, embora não represente a posição oficial da Instituição, é um canal para a livre manifestação de militares e civis sobre temas de interesse, contribuindo para o compartilhamento e o debate de ideias, informações e conhecimentos. Todos esses dispositivos são ferramentas de propaganda e divulgação utilizados pela força terrestre.

Por fim, infere-se que a propaganda é um recurso que mostra-se fundamental em tempos de guerra para mobilizar a nação, influenciar e conquistar a opinião pública, devendo ser muito bem utilizada desde os tempos de paz, sempre de forma ética, na defesa de causas legítimas e na divulgação de atividades de interesse nacional.

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  • é oficial do Serviço de Intendência e foi formado pela Academia Militar das Agulhas Negras (Aman),cursou Operações na Selva no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) e a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (Esao) e serve na Base Administrativa do Quartel General do Exército em Brasília.

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