Dotações orçamentárias

Defesa do consumidor luta pela vida na Suprema Corte dos Estados Unidos

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6 de outubro de 2023, 8h22

De volta ao trabalho, a Suprema Corte dos Estados Unidos promoveu, na terça-feira (3/10), a audiência para debates orais de um caso em que uma associação, que representa um grupo de instituições financeiras, tenta matar por inanição um dos mais importantes (e dos poucos) órgãos de defesa de consumidor dos país.

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Em nome de empresas que atuam fora do sistema bancário, fazendo empréstimos garantidos por salários, empréstimos estudantis, financiamentos habitacionais e outras operações financeiras, a Community Financial Services Association processou o Consumer Financial Protection Bureau (CFPB), que regulamenta a atuação das instituições financeiras e combate práticas predatórias, alegando que a fonte de financiamento do CFPB é inconstitucional.

O Tribunal Federal da Recursos da 5ª Região, o mais conservador do país, concordou com os autores da ação, com o argumento de que os recursos financeiros para o CFPB — como a dezenas de órgãos e programas do governo —  são alocados diretamente pelo Tesouro dos Estados Unidos, em violação da "Appropriations Clause" (Cláusula das Dotações) da Constituição.

A "Cláusula das Dotações (orçamentárias)" diz especificamente: "Nenhum dinheiro será retirado do Tesouro, a não ser em consequência de dotações feitas por lei". Em Cincinnati Soap Co. v. United States (1937), a Suprema explicou que esse dispositivo “significa simplesmente que o Tesouro não pode fazer qualquer dispêndio, a não ser através de dotações aprovadas por lei pelo Congresso."

Acontece que a lei que criou o CFPB, a Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act of 2010, autorizou o órgão a receber uma certa verba anual do governo. Em 2022, por exemplo, o CFPB foi autorizado a gastar até o limite de US$ 734 milhões — um limite que aumenta todos os anos de acordo com a taxa de inflação.

Se a Suprema Corte concordar com os autores da ação e com a decisão do tribunal de recursos, esse órgão de defesa do consumidor continuará a existir apenas na lei que o criou, a Dodd-Frank, mas terá uma vida vegetativa, porque não terá dinheiro nem mesmo para pagar funcionários.

E a decisão poderá afetar algumas dezenas de órgãos e programas públicos, que também recebem verbas do Tesouro, entre os quais alguns com funções sociais importantes, entre os quais o Social Security (que exerce as funções da previdência social), o Medicare (o seguro saúde dos aposentados), o Obamacare (o seguro saúde de quem não pode pagar um plano de saúde particular) e o Medicaid (o seguro saúde dos pobres).

O Tesouro financia ainda, independentemente de dotações do Congresso, a Comissão de Valores Mobiliários (SEC), o Banco Central, a Agência Federal de Financiamento Habitacional, a Administração Nacional de Cooperativas de Crédito, a Administração de Crédito Agrícola e muitos outros órgãos importantes do governo.

O CFPB foi criado pelo Congresso, através da lei de reforma do sistema financeiro Dodd-Frank, em resposta às trapalhadas do setor financeiro, que resultaram na "Grande Recessão" e começou a funcionar em 2011. Desde então, o órgão recuperou US$ 20,2 bilhões em indenizações pagas por empresas "predatórias" a cerca de 200 milhões de consumidores de serviços financeiros.

Vários parlamentares republicanos são aliados dos autores da ação no propósito de extinguir o CFPB. Eles vêm lutando a uma década para cumprir esse objetivo, porque consideram o órgão poderoso demais. O deputado republicano Andy Ogles, por exemplo, declarou em uma audiência que o birô "deve ter uma morte dolorida".

Mas há o outro lado. Em amicus curiae protocolado na Suprema Corte, a Mortgage Bankers Association, a National Association of Home Builders e a National Association of Realtors advertiram que uma decisão contra o CFPB exercerá um impacto devastador no mercado imobiliário do país, levando-o ao caos. As associações declaram que o CFPB exerce um papel fundamental no mercado imobiliário, ao estabelecer regras e melhores práticas a serem seguidas.

Outros grupos, como a US Chamber of Commerce e a American Bankers Association, pediram à corte que, no caso de uma decisão contra o CFPB, pelo menos estabeleça um prazo, longo o suficiente, para que o Congresso aprove um sistema alternativo de financiamento do CFPB.

A decisão da Suprema Corte só será anunciada ao final do ano judicial, provavelmente em junho de 2024. Mas as audiências da corte sempre dão uma indicação do que será essa decisão. Na audiência de terça-feira, cinco dos nove ministros da corte expressaram oposição aos argumentos do advogado das empresas, o ex-advogado geral do governo Trump Noel Francisco. E apenas dois mostraram alguma simpatia. Com informações da Bloomberg, Washington Post, National Public Radio (NPR) e CNBC.

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