Opinião

Exame multidisciplinar do bônus de retenção e tributação previdenciária

Autor

  • Maurício Pallotta Rodrigues

    é advogado empresarial atuante nas áreas trabalhista individual e coletiva e previdenciária sócio fundador do escritório Pallotta Martins e Advogados professor palestrante instrutor in company mestre em Direito do Trabalho e Seguridade Social pela Universidade de São Paulo especialista em Direito Previdenciário Empresarial e autor da obra Contratação na Multidão e a Subordinação Jurídica (editora Mizuno).

3 de outubro de 2023, 20h45

A discussão sobre a natureza jurídica do bônus de retenção tem se destacado nos círculos do direito trabalhista, previdenciário e tributário, especialmente no que diz respeito à incidência das contribuições sociais sobre essa modalidade de remuneração. Nos últimos anos, diversas empresas enfrentaram fiscalizações e autuações da Receita Federal por não incluírem os valores pagos a título de bônus de contratação e bônus de retenção na base de cálculo das contribuições previdenciárias.

O bônus de contratação é frequentemente utilizado pelas empresas como uma estratégia para atrair profissionais altamente qualificados para fazer parte de seus quadros de funcionários. Além disso, pode ser visto como uma forma de indenizar o trabalhador por eventuais direitos ao recebimento de remuneração variável que ele teria direito em seu emprego anterior. Por outro lado, o bônus de retenção é concedido com o objetivo de manter profissionais estratégicos e de alto desempenho na empresa, compensando-os pela recusa de propostas de trabalho durante um período pré-determinado.

A questão central gira em torno da natureza desses bônus: devem ser considerados como remuneração sujeita à incidência de contribuições previdenciárias ou têm um caráter contraprestacional e indenizatório que os isentaria dessa tributação?

A jurisprudência administrativa federal não apresenta um entendimento uniforme sobre essa questão. Dois casos julgados pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), o órgão que decide em última instância os autos de infração emitidos pela Receita, oferecem perspectivas opostas. No Acórdão 9202-008.275, de outubro de 2019, a CSRF considerou que o bônus de retenção tinha natureza remuneratória, pois incentivava o empregado a permanecer na empresa, sendo considerado habitual e contraprestacional.

No Acórdão 9202-008.179, de setembro de 2019, no entanto, pelo voto de qualidade, decidiu-se pela não incidência das contribuições previdenciárias sobre o bônus de retenção, com base na alegação de que ele não tinha natureza salarial, mas sim de premiação, complementando as parcelas pagas em função das atividades do empregado.

Entretanto, é a decisão do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), emitida em outubro de 2022, que tem fortalecido a perspectiva de que o bônus de retenção não possui caráter remuneratório e, portanto, não deve ser sujeito à incidência de contribuições previdenciárias. Essa decisão destaca que quando o bônus é pago como parte de uma cláusula acessória ao contrato de trabalho com o objetivo de reter o empregado por um período mínimo determinado, ele não deve ser considerado parte do salário de contribuição. Os principais pontos destacados nessa decisão são os seguintes:

— O pagamento do bônus de retenção é caracterizado como um pagamento único e não decorre da prestação de serviços da pessoa física, mas sim de uma obrigação de manutenção do contrato de trabalho pelo período estipulado.

— O objetivo do bônus de retenção é garantir que o contrato de trabalho seja mantido por um tempo específico, não estando diretamente relacionado ao fato gerador das contribuições previdenciárias, que normalmente incidem sobre a remuneração decorrente da prestação de serviços.

Portanto, essa decisão reforça a posição dos contribuintes de que o bônus de retenção não deve ser considerado como parte do salário sujeito à tributação previdenciária, uma vez que seu propósito principal é garantir a permanência do empregado na empresa por um período determinado, e não remunerar os serviços prestados.

É crucial demonstrar que os bônus de retenção são concedidos exclusivamente para manter uma equipe essencial por um período específico, onde o compromisso do empregado é permanecer na empresa até o final desse período.

A criação de uma política de recursos humanos clara, que detalhe as circunstâncias em que a empresa pode conceder esse tipo de bonificação, pode ser um meio de prova significativo para mostrar a excepcionalidade e a finalidade da verba paga. A ideia é demonstrar que esses valores são negociados e pagos apenas uma vez durante o contrato de trabalho, não estando vinculados ao alcance de metas de produtividade ou a outros requisitos que caracterizariam a natureza remuneratória das quantias pagas.

Conforme evidenciado, o bônus de retenção não pode ser uma compensação pelo trabalho realizado, mas sim uma compensação por uma perda relacionada ao trabalho, que é a impossibilidade do empregado se desvincular da empresa durante um determinado período, desde que circunstâncias verdadeiramente excepcionais justifiquem a concessão desses bônus.

Do ponto de vista trabalhista, não há impedimentos para a celebração de aditivos contratuais que prevejam tanto a bonificação quanto o compromisso de permanência do colaborador na empresa por um período específico. Isso se baseia no artigo 444 da CLT.

No entanto, a natureza jurídica do bônus de retenção não é unânime na doutrina e jurisprudência trabalhista. Predomina o entendimento de que esse tipo de bonificação é de natureza salarial, sendo considerado parte das parcelas integrantes do salário, conforme estipulado no artifo 457, §1º da CLT. Também se argumenta que o bônus de retenção se equipara às "luvas" pagas a jogadores de futebol.

Em relação aos aspectos previdenciários, é importante mencionar que o salário de contribuição, conforme a Lei 8.212/91, é a base de cálculo das contribuições previdenciárias pagas por trabalhadores e empregadores para financiar a Seguridade Social, que engloba a Previdência Social, Saúde e Assistência Social. O artigo 28, §9º dessa lei estabelece as hipóteses que não integram o salário de contribuição do empregado para fins de recolhimentos previdenciários.

No entanto, a interpretação dessas regras não é simples. A Receita Federal, por exemplo, estabelece critérios rigorosos para considerar pagamentos como "prêmio", enfatizando a liberalidade do empregador e o desempenho excepcional do empregado como requisitos essenciais. A liberalidade está presente quando não há obrigação legal ou ajuste expresso que exija os pagamentos.

Em relação ao FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), a lei prevê a obrigação dos empregadores em depositar uma parte da remuneração do empregado, excluindo as parcelas elencadas no §9º do artigo 28 da Lei 8.212/91.

No entanto, a análise do bônus de retenção torna-se complexa devido à sua natureza peculiar. Ele não é uma recompensa direta pelo trabalho realizado, uma vez que o empregado continua desempenhando suas funções conforme acordado enquanto o contrato está em vigor. Portanto, mesmo que o empregado não esteja trabalhando efetivamente devido a circunstâncias atribuíveis ao empregador, ele ainda recebe seu salário.

A premissa é que o empregado já está recebendo sua remuneração pelo trabalho realizado, incluindo qualquer esforço extra acordado para atingir metas individuais ou coletivas. O bônus de retenção não é uma contraprestação pelo trabalho, mas sim uma ferramenta para manter o contrato de trabalho ativo, uma contraprestação por uma obrigação de fazer (rejeitar outras propostas de emprego).

Essa conclusão é respaldada por decisões administrativas, como o Acórdão 9202-010.457, proferido pela 2ª Turma do CSRF, que considerou que se o bônus de retenção é pago uma única vez e tem o objetivo claro de estabelecer uma obrigação para o empregado (permanecer na empresa por um período), não deve incidir a contribuição social.

No entanto, é fundamental enfatizar que a questão não está completamente pacificada. Há entendimentos conflitantes, especialmente no judiciário, e o resultado pode depender das circunstâncias específicas de cada caso. Portanto, é importante que as empresas considerem cuidadosamente a redação de seus acordos e políticas internas relacionadas aos bônus de retenção, bem como a documentação adequada das circunstâncias que justificam o pagamento dessas bonificações.

Em resumo, a tributação do bônus de retenção continua sendo um tema complexo e não totalmente resolvido, tanto na esfera administrativa quanto judicial. Uma abordagem conservadora envolveria o recolhimento das contribuições sociais sobre o bônus de retenção. No entanto, há decisões recentes do Carf que podem ser favoráveis à não incidência dessas contribuições, desde que determinados requisitos sejam atendidos e devidamente documentados. O ônus da prova recai sobre a empresa, tornando essencial a clareza das políticas de RH e dos acordos contratuais para uma possível defesa bem-sucedida.

Portanto, é importante analisar cuidadosamente os critérios e condições estabelecidos para o pagamento dos bônus de retenção, especialmente aqueles relacionados ao desempenho, a fim de avaliar o risco de tributação e tomar medidas adequadas para cumprir as obrigações fiscais. A documentação detalhada e a conformidade com as políticas estabelecidas podem ser cruciais para o sucesso em eventuais disputas fiscais.

Autores

  • é graduado em Direito pelo Mackenzie, pós-graduado em Direito Previdenciário pela Unisal, mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela USP, advogado atuante nas áreas trabalhista e previdenciária empresarial, palestrante, instrutor in company, docente convidado em instituições privadas (ESA Nacional, ESA São Paulo, Futurelaw, Mizuno Class e DVW Treinamentos), sócio fundador do escritório Pallotta, Martins e Advogados, autor do livro "Contratação na Multidão e a Subordinação Algorítmica", além de capítulos em livros de Direito do Trabalho e artigos para sites e revistas especializadas.

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