Opinião

Incidência de IOF em operações financeiras entre particulares

Autores

7 de novembro de 2023, 6h00

Diante da recente decisão que vem a somar ao posicionamento do STF (Supremo Tribunal Federal) na ADI 1.763, pretende-se nesse artigo analisar criticamente as razões para da decidir que permeiam tanto essa ação direta de inconstitucionalidade como o RE 590.186. O objetivo aqui é demonstrar que embora haja proximidade nas controvérsias tratadas, há premissa essencial que diferencia os dois casos. O artigo 13 da Lei 9.779/99 como se irá demonstrar merece tratamento distinto do dado ao artigo 58 da Lei nº 9.532/97.

Cenário apresentado no RE 590.186
O STF, por unanimidade, apreciando o Tema 104 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e fixou a seguinte tese: "É constitucional a incidência do IOF sobre operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, não se restringindo às operações realizadas por instituições financeiras".

No processo julgado pelo Supremo, a discussão dos autos versa sobre a exigência de IOF nos contratos de mútuo entre empresas pertencentes ao mesmo grupo empresarial.

O contribuinte argumentou que a Lei nº 9.779/99, através do seu artigo 13, desafiou à conceituação doutrinária, ao texto constitucional e ao Código Tributário Nacional, tentado alargar a base de cálculo do IOF, havendo ofensa a regra de competência do artigo 153, da CRFB/88.

"Lei nº 9.779/99, Art. 13. As operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física sujeitam-se à incidência do IOF segundo as mesmas normas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimos praticadas pelas instituições financeiras."

Por outro lado, a União alegou o seguinte: "[diversamente] do afirmado pelo recorrente, o contrato de mútuo enquadra-se, sim, como uma operação de crédito. Conforme bem assentado na decisão monocrática, a Carta Política vigente, em seu artigo 153, V, não restringiu o conceito "àquelas operações efetivas com instituições financeiras". Tampouco opera tal restrição conceitual o artigo 63, I, do CTN".

"CTN, Art. 63. O imposto, de competência da União, sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários tem como fato gerador:
I – quanto às operações de crédito, a sua efetivação pela entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado;"

Sendo esse o panorama apresentado no julgamento, passo comentar necessário pontos e premissas que entendo ser de necessário esclarecimento para a compreensão da controvérsia tratada aqui.

Distinguishing entre ADI 1.763 e RE 590.186
O Supremo decidiu — na ADI 1.763, relatada pelo ministro Dias Toffoli, no Tribunal Pleno, em 30/7/2020 — que "nada há na Constituição Federal, ou no próprio Código Tributário Nacional, que restrinja a incidência do IOF sobre as operações de crédito realizadas por instituições financeiras".

O Tribunal, por unanimidade, julgou improcedente o pedido formulado na ação direta de inconstitucionalidade, para declarar a constitucionalidade do artigo 58 da Lei nº 9.532/97.

"Art. 58. A pessoa física ou jurídica que alienar, à empresa que exercer as atividades relacionadas na alínea 'd' do inciso III do § 1º do art. 15 da Lei nº 9.249, de 1995 (factoring), direitos creditórios resultantes de vendas a prazo, sujeita-se à incidência do imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos e valores mobiliários — IOF às mesmas alíquotas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimo praticadas pelas instituições financeiras."

É evidente que o artigo 58 Lei nº 9.532/97 que trata da atividade de factoring — operação relativa a título e valores mobiliários — não deve ser lido e interpretado com o mesmo peso e medida que o artigo 13 da Lei nº 9.779/99 — que trata de mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, que não consiste nem caracteriza operação de crédito e nem operação relativa a títulos e valores mobiliários.

Ademais, não pode ser aplicada a mesma interpretação ao contrato de mútuo celebrado entre indivíduos particulares, uma vez que o contrato de mútuo em questão não se insere em uma relação de natureza profissional, como requerido pelo artigo 153, V, CRFB e pelo artigo 64, I, do CTN. Nenhuma das partes envolvidas no contrato é uma instituição financeira, pessoa jurídica ou física que exerça atividade assemelhada à de uma instituição financeira, mesmo que de maneira esporádica [1].

Sobre o argumento da extrafiscalidade do IOF
O IOF tem inegavelmente natureza extrafiscal, o que se extrai da exceção da anterioridade prevista no artigo 150, § 1º, CRFB, e da faculdade de a modificação de suas alíquotas por ato do Executivo prevista no artigo 153, § 1º, CRFB.

No julgamento do RE 590.186, o STF defendeu que embora o IOF tenha também função extrafiscal, não se há de falar em exclusividade da função regulatória do IOF, de modo que sua incidência seja restrita a operações atinentes ao mercado financeiro, como aliás já decidiu esta Suprema Corte ao julgar o Tema 102 da repercussão geral.

No entanto, o que ocorre com o artigo 13 da Lei nº 9.779/99 ao permitir a cobrança de IOF nas operações entre particulares é a completa inversão da extrafiscalidade do tributo, que passaria a ser exclusivamente arrecadatório-fiscal.

A permissão do artigo 13 da Lei nº 9.779/99 tem motivação exclusivamente econômica desconsiderando a atividade exercida por aquele que concede o mútuo, maculando por completo o propósito constitucional no tributo que é a intervenção estatal na política econômica.

Reforça-se, não há no caso em tela uma combinação de caráter fiscal e extrafiscal, mas uma completa sobreposição do primeiro com exclusão do segundo.

Impactos do entendimento apresentado e tratamento do tema no direito comparado
A determinação em questão tem o potencial de influenciar diversas esferas comerciais, com destaque para os empréstimos realizados por empresas de natureza familiar, como também impactará as relações entre pessoas jurídicas, estendendo sua abrangência aos contratos de mútuo celebrados entre sociedades vinculadas a um mesmo grupo empresarial. Consequentemente, tais entidades se tornarão responsáveis pelo cumprimento do respectivo ônus fiscal.

Nesse contexto, os desdobramentos dessa decisão prometem repercutir significativamente no cenário empresarial, tornando-a uma questão de preocupação premente para os envolvidos.

Há sem dúvida um retrocesso na recente decisão do STF, inclusive como destacado Gustavo Fossati e Waldir Alves em seu artigo sobre o tema, andamos na contramão da legislação de Estados-membros da União Europeia, destaco trecho a seguir

"o modelo de imposto (Finanztransaktionssteuer) que vem sendo debatido pelos Estados-Membros da União Europeia adota a perspectiva de somente incidir sobre contratos celebrados profissionalmente por instituições financeiras e análogas, com autorização estatal para operar como tais. É clara a posição da Comissão Europeia de que o imposto não deve incidir sobre a concessão de crédito via empréstimo (mútuo) por empresas que não sejam instituições financeiras ou análogas a elas, e muito menos por pessoas físicas" [2].

Pode dizer, assim, que ao tratar o IOF de forma distinta do modelo internacional nos distanciamos dos mercados mundiais, afetando a atual política de integração do mercado brasileiro ao restante do mundo. Isso dificulta o empenho da iniciativa privada em atrair investimentos estrangeiros.

 


Referências

[1] FOSSATI, Gustavo; ALVES, Waldir. IOF sobre contratos de mútuo com quem não desenvolve atividade financeira ou análoga. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, DF, v. 56, n. 222, p. 235-263, abr./jun. 2019. Disponível em: http://www12.senado.leg.br/ril/ edicoes/56/222/ril_v56_n222_p235

[2] ibidem.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!