Opinião

Ministro Barroso e as inovações no STF: nova metodologia, voto colaborativo e mediação

Autor

  • Guilherme Veiga Chaves

    é especialista em Direito Constitucional Internacional pela Universitá di Pisa / UNIPI Itália mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco advogado sócio do escritório Gamborgi Bruno & Camisão.

6 de novembro de 2023, 11h18

Neste breve artigo, comentaremos as convergências entre as mudanças propostas pelo ministro Barroso no início da sua gestão como presidente do STF, com a doutrina do professor Luiz Guilherme Marinoni na obra Julgamento nas Cortes Supremas [1], e o nosso livro, recentemente lançado, que trata das Mediações nas Cortes Superiores: da Teoria à Prátic[2].

O ministro Luís Roberto Barroso completou um mês como presidente do Supremo Tribunal Federal em 28 de outubro de 2023. Neste curto período, Sua Excelência está planejando um conjunto de alterações que já impactaram a metodologia de julgamento da Suprema Corte e que também visam promover uma mudança na forma de votação, bem como alterações no desenvolvimento das mediações no STF. Algumas dessas modificações já estão em processo de implementação, enquanto outras estão sendo debatidas internamente.

Nova metodologia de julgamento: o relatório sem voto
O Supremo Tribunal Federal (STF) começou uma metodologia que divide os julgamentos de casos relevantes em duas partes. Na primeira parte, o processo é pautado no Plenário apenas para ser lido o relatório e ouvidas as sustentações orais das partes envolvidas e de terceiros admitidos no processo. Na segunda parte, em sessão posterior a ser marcada, serão colhidos os votos.

O novo formato foi adotado no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.309.642, com repercussão geral (Tema 1.236). Conforme constou da declaração do ministro Barroso na sessão de julgamento, essa organização do julgamento permite que os diferentes argumentos e pontos de vista apresentados na sessão plenária possam ser considerados de forma mais aprofundada pelos integrantes da corte [3]. Outro ponto positivo é a ampliação do debate sobre o tema na sociedade antes da tomada de decisão.

Tal metodologia já havia sido desenvolvida, na doutrina, pelo professor Luiz Guilherme Marinoni. Segundo Marinoni, a previsão de um relatório sem voto é fundamental. A decisão ou voto do relator fecha o espaço para a deliberação, ao invés de convocar os demais julgadores à discussão. A deliberação democrática depende de um relatório bem elaborado e sem voto, porque não há como deliberar sobre um objeto distorcido ou distante das premissas que foram fixadas na fase antecedente à deliberação da sessão, ou, ainda quando os ministros já formaram o convencimento antes de se dar voz aos advogados das partes [4].

A introdução da nova metodologia de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, que divide os casos relevantes em duas partes, marca um passo significativo em direção à melhoria do processo de decisão da Suprema Corte.

A influência da doutrina do professor Luiz Guilherme Marinoni parece evidente nesse contexto, pois destacou a importância de um relatório sem voto como elemento fundamental no processo de deliberação democrático em que a formação do convencimento dos julgamentos não ocorrerá de forma antecedente à sustentação oral. O processo deliberativo e democrático se fortalece ao dar voz aos advogados antes que os ministros formem convicções sobre as teses.

A abolição do somatório de votos individuais por um sistema de fundamentação do entendimento prevalente.

O ministro Luís Roberto Barroso também analisa e discute a viabilidade de o Plenário passar a proferir decisões que condensem em um voto majoritário o posicionamento do tribunal. O objetivo é buscar maior coesão nas decisões, além de fazer as deliberações refletirem mais a opinião da Suprema Corte como um todo como ocorreu no caso do Marco Temporal [5], do que somente a união de votos individuais ou a aderência ao voto vencedor.

Neste aspecto a doutrina do professor Marinoni, constante da obra Julgamento nas Cortes Supremas, defende que "ajuntar votos escritos em um acórdão contradiz a lógica da decisão colegiada, pois espelham justificativas isoladas e antecedentes à proclamação da própria decisão" [6].

O modelo colaborativo evita o mero agrupamento de votos individuais escritos, que segundo Marinoni, é uma herança das cortes de correção ou, mais precisamente, "do modelo de votação seriático, em que cada julgador profere o seu voto sem qualquer preocupação em dialogar com os seus pares, nem muito menos em coparticipar da formação do entendimento da Corte" [7].

Assim, em primeiro lugar muda-se o modo de deliberar, eliminando-se o sistema de votos individuais. Em razão dessa alteração, naturalmente muda-se a forma de fundamentar. Fundamenta-se o entendimento majoritário e minoritário, e eventualmente concorrente [8]. Tornando ainda mais claro, altera-se o modo de justificar a decisão, com foco na fundamentação do entendimento prevalente.

Para a formação de um precedente, não importam as justificativas dos votos ou entendimentos pessoais, mas, sim, as justificativas que expressem os fundamentos adotados pela Corte, os quais se originaram por meio das deliberações durante o julgamento do caso. Por isso, a abolição do sistema de somatório de votos individuais por um sistema colaborativo é, também, um importante avanço que deve ser implementado na Suprema Corte.

As mediações como meio adequado de solução de conflitos
O ministro Luís Roberto Barroso também estuda fortalecer as práticas autocompositivas no âmbito do STF.

Em que pese o STF ter editado a Resolução 697/2020, que criou do Centro de Mediação e Conciliação, responsável pela busca e implementação de soluções consensuais no Supremo Tribunal Federal; e a Resolução 790/2002, que criou o Centro de Soluções Alternativas de Litígios do STF (CESAL/STF), integrado pelo Centro de Mediações e Conciliação (CMC/STF), Centro de Cooperação Judiciária (CCJ/STF) e o Centro de Coordenação de Apoio às Demandas Estruturais e Litígios Complexos (Cade/STF), não foi identificado até agora uma metodologia do desenvolvimento dessas mediações. Não há sequer uma sala específica para a realização dessas mediações [9]. Também não há sistemas ou fluxogramas de tramitação das mediações [10]. As mediações estão sendo realizadas sem uma metodologia que descreva o início, meio e fim, de acesso a este meio autocompositivo.

No nosso livro Mediação nas Cortes Superiores: da Teoria à Prática [11], recentemente lançado no STJ e já citado em decisão do ministro Gilmar Mendes, na repercussão geral, Tema 1.234 [12], procuramos abordar os desafios da implementação da mediação no STF e ao final propor uma metodologia para desenvolvimento da autocomposição, inclusive nas ações de controle concentrado de constitucionalidade.

Implementar a política pública de autocomposição nas demandas perante o Supremo Tribunal Federal envolve vários desafios, dentre os quais: a) desconhecimento de advogados com relação às técnicas de mediação, especialmente perante o STF; b) preconceito das partes e até de magistrados em submeterem casos à mediação perante o STF; c) alegação de que a autocomposição não pode ser utilizada como meio adequado para solução de conflitos que envolvem normas infraconstitucionais de constitucionalidade duvidosa; d) dentre outras resistências.

Atualmente o STF está procurando fortalecer o Cesal/STF e elaborar um fluxograma que fique acessível para o público, para que possam entender melhor como a mediação pode ser iniciada na Suprema Corte. Este é um importante avanço na implementação da autocomposição nas demandas perante o STF.

Conclusão
Em resumo, as mudanças propostas pelo ministro Barroso no início de sua gestão como presidente do STF demonstram um compromisso com a melhoria da metodologia de julgamento da Suprema Corte, bem como com a promoção de mecanismos mais eficazes para a resolução de conflitos. A introdução da nova metodologia de julgamento, que inclui o relatório sem voto e a ênfase na deliberação democrática, reflete um avanço significativo na busca por decisões mais fundamentadas e inclusivas.

Além disso, a abolição do somatório de votos individuais em favor de um sistema de votos colaborativos promete aumentar a coesão das decisões do tribunal e fortalecer a representação da opinião coletiva da Suprema Corte. A influência da doutrina do professor Marinoni nesse contexto é notável, enfatizando a importância de um processo decisório mais colaborativo e baseado em fundamentos sólidos.

Por último, a valorização das mediações como um meio adequado de solução de conflitos no STF é uma etapa crucial na promoção de práticas autocompositivas. A implementação de uma metodologia para desenvolver a autocomposição, conforme proposta no nosso livro Mediação nas Cortes Superiores: da Teoria à Prática, representa uma tentativa de avanço. No entanto, desafios como o desconhecimento das técnicas de mediação, preconceitos e resistências devem ser superados. O fortalecimento do Centro de Mediação e Conciliação no STF e a criação de um fluxograma acessível ao público são passos importantes rumo a uma Justiça mais eficaz e inclusiva. Em conjunto, essas mudanças indicam uma busca contínua por aprimoramento e aprimoramento no sistema judiciário brasileiro.

 


[1] MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas cortes supremas: 3ª ed. São Paulo, 2023.

[2] VEIGA, Guilherme. Mediação nas Cortes Superiores: Da Teoria à Prática. Editora Thoth. 2023.

[3] Vide declaração constante do site do STF: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=516317&ori=1 Acesso em 29/10/2023.

[4] MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas cortes supremas: 3ª ed. São Paulo, 2023, p. 94.

[5] Informações obtidas em Conjur. Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-out-28/barroso-planeja-mudancas-julgamentos-comunicacao-stf Acesso em 29/10/2023.

[6] MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas cortes supremas: 3ª ed. São Paulo, 2023, p. 18.

[7] MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas cortes supremas: 3ª ed. São Paulo, 2023, p. 215.

[8] MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas cortes supremas: 3ª ed. São Paulo, 2023, p. 99.

[9] A ausência de instalação do Centro de Soluções Consensuais de Conflitos do STF pode ser comprovada pela informação de que as mediações estão sendo realizadas na Sala de Treinamento do STF.

[10] Não identificamos em nossa pesquisa, para fins de elaboração do presente projeto de pesquisa, nenhuma referência no site do STF relacionada a metodologia das mediações perante o STF e nem um fluxograma de tramitação das mediações. Executamos a pesquisa no site do STF. Site do STF disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em 29/10/2023.

[11] VEIGA, Guilherme. Mediação nas Cortes Superiores: Da Teoria à Prática. Editora Thoth. 2023.

[12] Decisão de instauração da Mediação no Tema 1234. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em 29/10/2023.

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