Opinião

Contribuição social do salário-educação pelo produtor rural pessoa física

Autor

6 de novembro de 2023, 15h16

Previsto no artigo 212, §5º, da Constituição de 1988, o salário- educação constitui uma contribuição social destinada ao financiamento da educação básica, tributo que deve ser recolhido pelas empresas comerciais, industriais e agrícolas, na forma da lei.

A constitucionalidade desta contribuição foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, conforme dispõe a Súmula 732: É constitucional a cobrança da contribuição do salário-educação, seja sob a Carta de 1969, seja sob a Constituição de 1988, e no regime da Lei 9.424/96.

Em resposta àquele comando constitucional, duas leis infraconstitucionais tratam do assunto: Lei 9.424/1996 (dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) e a Lei 9.766/98 (altera a legislação que rege o salário-educação, e dá outras providências).

A Lei 9424/96, em sintonia com o texto constitucional, no artigo 15, estabelece que o salário-educação será devido pelas empresas, na forma em que vier a ser disposto em regulamento, bem como será calculado com base na alíquota de 2,5%: sobre o total de remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados da Previdência Social.

Por sua vez, a Lei 9.766/98, no artigo 1º, §3º, conceitua empresa:

"entende-se por empresa, para fins de incidência da contribuição social do Salário-Educação, qualquer firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade econômica, urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como as empresas e demais entidades públicas ou privadas, vinculadas à Seguridade Social".

Referidas leis são regulamentadas pelo Decreto 6.003/2006, que, além de repetir o conceito de empresa supra, atribui a Secretaria da Receita Previdenciária a arrecadação, fiscalização e cobrança da contribuição social do salário-educação.

Diante desse contexto normativo, questiona-se: o produtor rural pessoa física (empregador), sem inscrição no CNPJ, é contribuinte do salário-educação?

A tese sustentada pela Receita Federal do Brasil e defendida em juízo pela União, segundo nota da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional de 2016 [1], é na linha de que haveria uma equiparação entre do produtor rural pessoa física à figura da empresa de modo a legitimar a cobrança.

Isso porque, além de outras articulações, o produtor rural empregador, nos moldes da Lei da Seguridade Social (Lei 8.212/90), é concebido como autônomo e, sendo assim, aplicável a regra do artigo 15, parágrafo único, do mesmo diploma legal, que considera empresa os autônomos em relação a quem lhe presta serviços.

Entre os anos de 2005 a 2011 esse entendimento chegou a ser chancelado pelo Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4), instância recursal responsável pelas ações de competência da Justiça Federal no Estado do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul:

"EMENTA: EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CONTRIBUIÇÃO AO INCRA. RECEPÇÃO PELA CF/88. EXIGÊNCIA DE EMPRESAS URBANAS. REVOGAÇÃO PELAS LEIS Nº 8.212 E 8.213/91. SALÁRIO-EDUCAÇÃO. PESSOA FÍSICA. PRODUTOR RURAL COM EMPREGADOS. POSSIBILIDADE DE COBRANÇA. INTELIGÊNCIA DA LEI Nº 8.212/91. […] 4. A contribuição ao salário-educação é devida pelo produtor rural com empregados, uma vez que o artigo 12, inciso V, alínea 'a', da Lei nº 8.112/91, com a redação original  que vigia quando dos fatos geradores – classificou-o como autônomo e, sendo assim, aplicável a regra do artigo 15, parágrafo único, do mesmo diploma legal, que considera empresa os autônomos em relação a quem lhe presta serviços. (TRF4, AC 2004.04.01.043812-3, PRIMEIRA TURMA, Relator WELLINGTON MENDES DE ALMEIDA, DJ 08/06/2005)".

"EMENTA: TRIBUTÁRIO. PRODUTOR RURAL. PESSOA FÍSICA. CONTRIBUIÇÃO PARA O SALÁRIO-EDUCAÇÃO. EXIGIBILIDADE. 1. O produtor rural pessoa física, que possui empregados, equipara-se à empresa para efeito de recolhimento da contribuição para o salário-educação. 2. Irrelevante o fato de estar ou não registrado no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica  CNPJ. (TRF4, APELREEX 0001880- 61.2009.404.7211, PRIMEIRA TURMA, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, D.E. 30/03/2010)". 

Contudo, a partir de 2015, o TRF4, em sentido contrário a tese da Procuradoria da Fazenda Nacional, passou a afastar a incidência do salário-educação em relação ao produtor rural pessoa física sem cadastro no CNPJ.

Vale anotar o julgado do Tribunal:

"EMENTA: TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DESTINADA AO SALÁRIO-EDUCAÇÃO. PRODUTOR RURAL. PESSOA FÍSICA. INEXIGIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE EQUIPARAÇÃO COM EMPRESA. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA. AUSÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE DE INSCRIÇÃO NO REGISTRO PÚBLICO DE EMPRESAS MERCANTIS. LEI Nº 9.424/1996, ART. 15. CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 966 E 967. 1. Nos termos da legislação pertinente, a contribuição ao salário-educação somente é devida pela empresa, assim entendida a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não. O produtor rural, pessoa física, não se enquadra no conceito de empresa. 2. De acordo com os arts. 966 e 967 do Código Civil, para a caracterização da pessoa física como empresa, é obrigatória, antes do início da atividade, mediante manifestação expressa de vontade, a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede. Conquanto o empresário seja obrigado a realizar a sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, a mesma obrigação não existe para o produtor rural. 3. A legislação permite que o produtor rural assuma tanto a forma empresarial, quanto a forma civil, ou seja, ele tanto pode constituir-se como empresário individual ou sociedade empresária, com registro na Junta Comercial, quanto pode permanecer como pessoa física ou constituir sociedade simples registrada no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Nessa senda, não há falar em descumprimento do disposto no art. 967 do Código Civil pelo produtor rural pessoa física. 4. No direito tributário, o princípio da reserva legal deve ser observado com extremo rigorismo. O argumento de que o art. 15, parágrafo único, da Lei nº 8.212/1991, equipara o contribuinte individual à empresa objetiva impor a legislação previdenciária a fim de definir o sujeito passivo de contribuição estranha à seguridade social, o que é vedado pelo artigo 97, inciso III, do CTN. (TRF4, EINF 5001252-36.2013.404.7214, PRIMEIRA SEÇÃO, relator Joel Ilan Paciornik, juntado aos autos em 27/03/2015)".

A conclusão não poderia ser outra, uma vez que o Código Civil atual faculta a opção de constituir empresa ou permanecer na condição de pessoa física, sem qualquer violação a legislação pátria.

Outro relevante argumento aponta que é incabível equiparação prevista no artigo 15, parágrafo único, da Lei nº 8.212/91, porquanto tal dispositivo diz respeito apenas às relações tributárias envolvendo contribuições previdenciárias, situação alheia ao caso concreto.

Ademais, em razão do princípio da legalidade tributária, se a lei específica não estabeleceu taxativamente que o produtor rural pessoa física é contribuinte do salário-educação, inviável o raciocínio tendente a equiparar empresa e produtor rural (empregador) pessoa física.

A bem da verdade, a mudança de entendimento do TRF-4 acompanhou as decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça a partir de 2006, entre elas importante relacionar as seguintes, pela clareza da fundamentação, em ordem cronológica.

Decisão do STJ de 24/11/2010, no julgamento do REsp 1.162.307, em regime dos recursos repetitivos, fixou a seguinte tese sobre o assunto:

Tema 362. A contribuição para o salário-educação tem como sujeito passivo as empresas, assim entendidas as firmas individuais ou sociedades que assumam o risco de atividade econômica, urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, em consonância com o art. 15 da Lei 9.424/96, regulamentado pelo Decreto 3.142/99, sucedido pelo Decreto 6.003/2006.

Decisão do STJ de 9/10/2015:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DESTINADA AO SALÁRIOEDUCAÇÃO. FNDE. LEGITIMIDADE PASSIVA 'AD CAUSAM'. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. EMPREGADOR RURAL PESSOA FÍSICA. DESPROVIDO DE CNPJ. ATIVIDADE NÃO ENQUADRADA NO CONCEITO DE EMPRESA. RESP 1.162.307/RJ, SUBMETIDO À SISTEMÁTICA DOS RECURSOS REPETITIVOS (ARTIGO 543-C DO CPC). […] 3. A atividade do produtor rural pessoa física, desprovido de registro no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), não se considera contida na definição de empresa para fins de incidência da Contribuição para o Salário-Educação prevista no artigo 212, §5º, da Constituição, dada a ausência de previsão específica no artigo 15 da Lei 9.424/1996, semelhante ao art. 25 da Lei 8.212/91, que versa sobre a contribuição previdenciária devida pelo empregador rural pessoa física. Precedente: REsp 1.162.307/RJ, relator ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 3/12/2010, sob o signo do artigo 543-C do CPC. […]". (AgRg no REsp 1546558/RS, relator ministro Humberto Matins, Segunda Turma, julgado em 01/10/2015, DJe 09/10/2015).

Decisão do STJ de 23/3/2017:

"TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PARA O SALÁRIO-EDUCAÇÃO. PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA. DESPROVIDO DE CNPJ. INEXIGIBILIDADE DA EXAÇÃO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, com o julgamento do REsp 1.162.307/RJ, submetido ao rito dos recursos repetitivos, firmou-se no sentido de que a contribuição para o salário-educação tem como sujeito passivo as empresas, assim entendidas as firmas individuais ou sociedades que assumam o risco de atividade econômica, urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, em consonância com o artigo 15 da Lei 9.424/1996, regulamentado pelo Decreto 3.142/1999, sucedido pelo Decreto 6.003/2006. O produtor rural pessoa física desprovido de registro no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) não se enquadra no conceito de empresa (firma individual ou sociedade), de forma que não é devida a incidência da contribuição para o salário educação. Nesse sentido: AgRg no REsp 1.467.649/PR, relator ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 29/6/2015; AgRg no REsp 1.546.558/RS, relator ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 9/10/2015; REsp 842.781/RS, relator ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 10/12/2007. 2. Agravo interno não provido. (STJ – AgInt no REsp: 1580902 SP 2016/0020721-0, relator: ministro Benedito Gonçalves, Data de Julgamento: 14/03/2017, T1  Primeira Turma, Data de Publicação: DJe 23/03/2017)".

Decisão do STJ de 12/9/2018:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO AO SALÁRIO-EDUCAÇÃO. SUJEIÇÃO PASSIVA. PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA. AUSÊNCIA DE REGISTRO DE CNPJ. EQUIPARAÇÃO A SOCIEDADE EMPRESÁRIA PARA FINS DE TRIBUTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. 'Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC' (Enunciado nº 3 do Plenário do STJ). 2. Pacificou-se o entendimento segundo o qual "a contribuição para o salário-educação tem como sujeito passivo as empresas, assim entendidas as firmas individuais ou sociedades que assumam o risco de atividade econômica, urbana ou rural, com fins lucrativos ou não" (STJ, REsp 1.162.307/RJ, relator ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe de 3/12/2010). 3. Hipótese em que o acórdão recorrido está em sintonia com a jurisprudência desta Corte, segundo a qual o produtor rural, pessoa física, que não possui Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ, não pode ser equiparado a sociedade empresária para fins de cobrança da contribuição para o salário-educação. Precedentes. 4. Agravo interno não provido. (STJ – AgInt no REsp: 1638863 RS 2016/0303027-0, relator: ministro Gurgel de Faria, Data de Julgamento: 21/08/2018, T1 – Primeira Turma, Data de Publicação: DJe 12/09/2018)".

Decisão do STJ de 15/5/2020:

"TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DESTINADA AO SALÁRIO-EDUCAÇÃO. PRODUTOR RURAL. PESSOA FÍSICA. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE INSCRIÇÃO NO CNPJ. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. 1. A jurisprudência do STJ adota o entendimento de que, mesmo em se tratando de contribuintes inscritos na Receita Federal como contribuintes individuais, ocorre a incidência da contribuição para o salário-educação quando for produtor rural pessoa física com CNPJ. Somente nos casos de produtor rural pessoa física desprovido de CNPJ é que esta Corte tem afastado a incidência do salário-educação. 2. Entretanto, o acórdão recorrido não merece reforma, haja vista o Tribunal de origem não ter se pronunciado sobre se o recorrido, produtor rural pessoa física, possui inscrição no CNPJ. Dessarte, a revisão no julgado, para se demonstrar a existência de tal inscrição, viola o teor do enunciado insculpido na Súmula 7 do STJ. 3. Recurso Especial não conhecido. (STJ – REsp: 1847350 SP 2019/0332809-0, relator: ministro Herman Benjamin, Data de Julgamento: 05/12/2019, T2 – Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 12/05/2020)".

Dessa forma, em regra, o salário-educação incidirá apenas no caso de produtor rural com CNPJ, mesmo que inscrito na Receita Federal como contribuinte individual, ou no caso de constatação de fraude, consistente em planejamento tributário abusivo.

Na hipótese de produtor rural (empregador) sem CNPJ, por não ser equiparável a empresa, não lhe é exigido o pagamento da contribuição social, autorizando, assim, a restituição do pagamento indevido nos últimos cinco anos (prazo prescricional).

De se notar, todavia, que em 16/08/2022, o STJ decidiu que essa regra tem uma exceção.

Isso porque, no REsp 1812828-SP, de Relatoria do ministro Mauro Campbell Marques (Info Especial 8), a Corte afirmou que o produtor-empregador rural pessoa física, mesmo sem estar inscrito no CNPJ, será devedor da contribuição ao salário-educação se restar factualmente ("na prática") caracterizado como empresa, nos termos do artigo 1º, §3º, da Lei nº 9.766/98 [2].

Nas palavras do relator: "O fato de determinada entidade possuir inscrição no CNPJ gera uma presunção relativa (juris tantum) de que é empresa, portanto, contribuinte, mas que pode ser ilidida mediante a produção de provas no sentido de que não é empresa por não realizar atividade empresarial e/ou constituir-se como tal".

E arremata: "Isto porque não é a condição de pessoa física que coloca o produtor rural na situação de contribuinte, mas a condição de organizar-se factualmente como empresa".

De fato, a inscrição no CNPJ atende sobretudo a fins cadastrais e, não raras vezes, representa uma formalidade para controle dos órgãos públicos sem qualquer correspondência com os elementos que constituem a atividade empresarial.

Dessa maneira, em atenção a pergunta inicial deste artigo, o produtor-empregador rural pessoa física, embora não inscrito no CNPJ, pode ser considerado contribuinte do salário-educação, desde que o conjunto probatório aponte que, na prática, há elementos caracterizadores de atividade empresarial.

Ao revés, caso o produtor rural esteja, a qualquer título, inscrito no CNPJ, há uma presunção relativa (juris tantum) de que é empresa e, assim, automaticamente contribuinte do tributo, o que também pode ser ilidido pela comprovação, no caso concreto, da ausência de exercício de uma atividade empresarial.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!