Foro favorável

'Empresas querem fazer negócios, não ficar presas em disputas', afirma chefe do Viac

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4 de novembro de 2023, 8h48

As empresas gostam de fazer arbitragens internacionais na Áustria devido à segurança de que a decisão será definitiva. A possibilidade de se reverter uma sentença arbitral na Justiça austríaca é muito baixa, pois os fundamentos para a anulação são bem restritos.

Spacca
É o que aponta a irlandesa Niamh Leinwather, secretária-geral do Centro Arbitral Internacional de Viena (Viac), na Áustria. Fundada em 1975, e popularizada no Brasil pelo advogado Ricardo Gardini, do DLA Pipe, a instituição hoje conta com 75 procedimentos arbitrais — o maior número de casos da sua história.

O Viac recebe apenas disputas entre empresas de países diferentes, ou seja, não há arbitragens entre partes austríacas. Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, Niamh explica que as empresas da Áustria tradicionalmente levam seus conflitos nacionais para o Judiciário.

Considerado um país neutro para as disputas entre Europa Ocidental e Oriental durante a Guerra Fria, a Áustria é hoje um "foro favorável à arbitragem". A secretária-geral do Viac explica que os tribunais nacionais dão bastante força à arbitragem. No máximo cinco casos de arbitragem chegam à Suprema Corte austríaca por ano. Lá, não se analisa o mérito — apenas questões procedimentais.

Outras vantagens da arbitragem internacional no Viac são a autonomia das partes, a confidencialidade (caso as partes queiram) e a exequibilidade da sentença arbitral em diversos países.

Segundo Niamh, em vez de ir até seus tribunais nacionais, as partes querem ter maior flexibilidade para decidir como suas disputas serão conduzidas.

"O que as empresas realmente querem é fazer negócios. Elas não querem ficar presas em disputas. A arbitragem é a forma perfeita de lhes proporcionar uma solução rápida e eficiente para suas disputas, de modo que elas possam focar nos seus objetivos", assinala.

Leia a seguir a entrevista:

ConJur — Quantas arbitragens o Viac faz por ano?
Niamh Leinwather — No momento nós temos cerca de 75 arbitragens. Todas são internacionais, ou seja, as partes são de países diferentes — não há arbitragens entre partes austríacas.

ConJur — Isso não é pouco?
Niamh Leinwather — O Viac tem apenas 50 anos. Ainda há muito crescimento e desenvolvimento pela frente. A Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, por exemplo, tem 100 anos. 

Além disso, muitos centros de arbitragem, como o sueco e o alemão, também contam com procedimentos nacionais. Isso faz com que essas instituições tenham um número maior de casos do que o Viac. Na Áustria, os conflitos entre empresas nacionais são tradicionalmente levados ao Judiciário.

ConJur — Como está sendo o crescimento da arbitragem no Viac?
Niamh Leinwather — O Viac foi fundado em 1975, em meio à Guerra Fria. Como a Áustria fica entre a Europa Ocidental e Oriental, os demais países a enxergavam como um local neutro para suas disputas. A instituição evoluiu a partir disso. As partes não querem ir até seus tribunais nacionais; elas querem ter mais flexibilidade e autonomia para decidir como “costurar” suas disputas, dependendo do tipo de conflito.

Atualmente, o Viac tem o maior número de casos da sua história. Isso porque as partes querem uma instituição internacional na qual possam confiar: neutra, íntegra, preocupada com os custos da disputa e que lhes presta apoio em toda a estrutura da controvérsia.

ConJur — Os procedimentos arbitrais do Viac são contestados com frequência no Judiciário?
Niamh Leinwather — A Áustria é um foro favorável à arbitragem. Os tribunais austríacos dão bastante força à arbitragem. A Suprema Corte do país possui uma comissão responsável por decidir sobre arbitragens. O número de casos anuais é de, no máximo, cinco.

Os fundamentos para se anular uma arbitragem na Áustria são bem restritos. Há apenas uma pequena lista de argumentos pelos quais uma sentença arbitral pode ser revertida: violação da ordem pública, erros procedimentais graves ou vícios na constituição do tribunal arbitral. A Suprema Corte não avalia o mérito da controvérsia.

As partes gostam de fazer suas arbitragens na Áustria porque têm a segurança de que a decisão será definitiva, com uma possibilidade muito baixa de ser revertida na Justiça.

Existem outros países que também são bastante pró-arbitragem. Mas diferentes tribunais têm diferentes abordagens. No Reino Unido, quando uma sentença arbitral é anulada, os magistrados analisam novamente o mérito do caso.

ConJur — Como o Viac lida com o dever de revelação?
Niamh Leinwather — No Viac, um árbitro, quando é designado, preenche um formulário de aceitação do ofício. Neste documento, ele aponta detalhes, como o número de casos em que atua como advogado ou árbitro, casos anteriores em que esteve envolvido, pessoas com quem trabalhou em outras atividades ou qualquer outra informação que julgar relevante para as partes. Isso é padrão — acontece em todas as câmaras de arbitragem.

Depois de preencher o formulário, a instituição repassa as informações para as partes, que têm bastante tempo para analisá-las. Elas têm a oportunidade de contestar a nomeação. Se as partes não estiverem contentes com o árbitro, ele não será confirmado pela instituição.

ConJur — Como é o processo de confirmar ou não a designação de um árbitro?
Niamh Leinwather — Se uma parte contestar o árbitro e a outra parte concordar com sua designação, a diretoria do Viac analisa o caso com base em padrões internacionais, como as diretrizes da  Associação Internacional de Advogados. Os membros vão decidir se há justificativa razoável para confirmar a nomeação do árbitro. A diretoria é composta por 17 pessoas, dentre advogados, professores universitários e um juiz da Suprema Corte da Áustria.

Os membros da diretoria também apontam se eles próprios estão impedidos de tomar essa decisão de confirmar um árbitro. Se há algum envolvimento anterior com o caso ou com o tema, eles se abstêm. Isso acontece com bastante frequência. Não há necessidade de justificar a abstenção.

Se as partes não concordam com um árbitro, a diretoria forma um subcomitê com dois membros, que analisam o caso e decidem quais critérios são mais importantes: a lei aplicável, o idioma, o local da arbitragem, o tema, a complexidade, a necessidade de alguém experiente etc.

A partir disso, é feita uma lista com dois candidatos, em ordem de preferência. Se uma das partes não aceitar o primeiro nome, automaticamente há uma segunda opção.

A lista e os motivos da escolha dos dois nomes são apresentados ao restante da diretoria. Há uma discussão detalhada entre todos os membros. Às vezes, o subcomitê precisa trazer novos nomes. Em outros casos, a ordem dos nomes é alterada.

É importante ressaltar que um membro da diretoria pode ser nomeado pelas partes para atuar em alguma arbitragem do Viac. Por outro lado, não pode ser nomeado pela própria instituição. Eu, como secretária-geral, não posso ser designada nem mesmo pelas partes.

ConJur — É comum que haja arbitragens envolvendo empresas brasileiras no Viac?
Niamh Leinwather — Nós não temos partes brasileiras no momento. Mas, no ano passado, lançamos uma iniciativa especial na qual designamos 33 embaixadores em 25 países de dois continentes, incluindo o Brasil. A ideia é entender cada mercado e cada jurisdição, os problemas enfrentados e os desejos dos usuários, para saber o que o Viac pode fazer. Nós estamos muito interessados em oferecer um bom processo de arbitragem para partes brasileiras.

ConJur — Quais são as vantagens da arbitragem feita no Viac?
Niamh Leinwather — Uma delas é a autonomia das partes, que podem escolher quem tomará a decisão (em vez de ter um juiz atribuído ao seu caso) e os termos do procedimento — é possível ajustar a disputa conforme a vontade das partes.

Outra grande vantagem é a confidencialidade. As partes geralmente são grandes empresas que não querem ler sobre suas disputas nos jornais. Elas querem resolvê-las atrás de portas fechadas. Na arbitragem, caso queiram, elas têm a segurança de que ninguém saberá sobre suas disputas.

Além disso, a sentença arbitral é definitiva. Há apenas um procedimento que dura entre um ano e 18 meses. Não é um processo que dura 15 anos. Ao final, a decisão só pode ser levada ao Judiciário e eventualmente anulada sob fundamentos muito específicos.

A sentença arbitral também é exequível em todos os países signatários da Convenção de Nova York, inclusive o Brasil. Isso é mais difícil com decisões judiciais.

O que as empresas realmente querem é fazer negócios. Elas não querem ficar presas em disputas. A arbitragem é a forma perfeita de lhes proporcionar uma solução rápida e eficiente para suas disputas, de modo que elas possam focar nos seus objetivos.

ConJur — É bom que não haja duplo grau de jurisdição na arbitragem?
Niamh Leinwather — Depende do ponto de vista — do vencedor ou do perdedor. Geralmente, as partes escolhem a arbitragem porque, desde o início, querem uma decisão rápida e final. Mas, obviamente, uma delas sempre sai infeliz. O perdedor pode acabar mudando de opinião e contestando a decisão.

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