Opinião

Jurimetria como ferramenta em estratégias de business intelligence

Autores

  • Eduardo Perazza de Medeiros

    é sócio do Machado Meyer Advogados e head das práticas de Contencioso Cível e Arbitragem do escritório.

  • Sávio Andrade

    é advogado sênior no Machado Meyer Advogados mestrando em Direito e Tecnologia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) pesquisador do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV e pós-graduado em Data Science Big Data e Inteligência Artificial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

3 de novembro de 2023, 11h16

Recentemente, a Fundação Getúlio Vargas, por meio do seu Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (Cepi), publicou os resultados da pesquisa "Formando a Advocacia do Presente e do Futuro", da qual tivemos a honra de participar. Um dos objetivos da pesquisa foi mapear e discutir habilidades e competências exigidas dos profissionais da advocacia à luz das mudanças influenciadas pela tecnologia. Entre as ferramentas tecnológicas utilizadas que geram o desenvolvimento de novas habilidades e competências estão as ferramentas de inteligência de dados e as ferramentas analíticas com inteligência artificial (IA). Ambas são peças-chave do ramo da jurimetria  combinação de estatística, business intelligence e IA para obter insights valiosos, delinear estratégias que podem gerar vantagens competitivas e mitigar riscos de forma mais eficaz.  

Em verdade, a jurimetria não é um assunto tão novo. O termo foi cunhado em 1949 por Lee Loevinger [1], refletindo sobre como aproveitar o advento das "máquinas que imitavam os processos de pensamento" [2] para solução de operações lógicas nas decisões dos juízes em litígios. Mais de 70 anos depois, o termo ganhou novos e animadores contornos influenciados pela Ciência de Dados — em especial nos seus aspectos estatísticos  e pela modalidade de IA chamada de aprendizado de máquina ou machine learning, que, por sua vez, avançou significativamente nas últimas décadas devido ao grande volume, velocidade e variedade de dados disponíveis  o chamado Big Data.

Segundo um dos fundadores da Associação Brasileira de Jurimetria, Júlio Trecenti, a jurimetria pode transformar o jurídico de uma empresa, por exemplo, de um centro de custos para um centro de diagnósticos, transformando o pensamento abstrato em pensamento concreto [3]. Isso acontece porque ela permite uma análise estatística de grandes conjuntos de dados extraídos das bases públicas do Judiciário. Hoje é possível entender como determinado assunto de interesse de uma empresa está se comportando na Justiça e buscar respostas para diversas perguntas. Como os juízes têm decidido determinada matéria? Há diferenças relacionadas a regiões geográficas? Quais as quantidades de decisões favoráveis e desfavoráveis? Quantas ações são ajuizadas mensalmente envolvendo determinado assunto? Em quantas delas o autor obteve uma liminar? Se eu ajuizar uma ação em determinado tribunal, quais as minhas chances de êxito com cada juiz desse tribunal?

Essas respostas colocam os advogados em uma posição de colaboração direta com as áreas de negócio das empresas, deixando de ser apenas resolvedores de problemas, para incorporarem o papel de identificadores de problemas antes mesmo deles acontecerem. O advogado passa a aprofundar a sua compreensão sobre o ambiente de negócios em que está inserido e atuar de forma centrada no cliente (aqui na acepção lato sensu, seja ele interno  ou seja, outras áreas de uma mesma empresa, no caso de departamentos jurídicos , seja ele externo).

A incorporação dos conhecimentos e ferramentas de jurimetria permite que esse profissional contribua ativamente na gestão dos negócios, conduzindo análises estratégicas dos dados obtidos e tratados, para, com base nas inferências e conclusões assimiladas, fornecer subsídios para importantes tomadas de decisões. Há infinitas possibilidades quando se consegue dados estatísticos em larga escala que determinam quais as melhores estratégias a adotar no contexto de inteligência de mercado. Afinal, o movimento do Judiciário é fator de alta relevância no comportamento do mercado e não convém ignorá-lo.

Recentemente, tivemos um caso em que a análise direcionada e estratégica de um conjunto de processos de uma companhia envolvendo alegações de fraude, com uso de inteligência artificial para otimização do tempo de análise, combinada com métodos e ferramentas de jurimetria, permitiu um resultado altamente eficaz. Foi possível estabelecer uma política de acordos mais assertiva para redução de passivo judicial — e dos custos a evitar com um prolongamento desnecessário daqueles processos.  Além disso, diversas rotinas internas da companhia que iam desde o arquivamento de determinados documentos até a elaboração de cláusulas contratuais mais protetivas, adaptadas à situação vivida pela empresa e aos rumos daquele tema no Judiciário.

Uma das novas áreas de atuação do advogado mapeadas pelo Cepi da FGV na pesquisa que mencionamos no início deste artigo é a de Gestão da Inovação. Sabemos que a inovação inclui a tecnologia, aliada a habilidades pessoais como pensamento criativo, espírito colaborativo, conhecimento do negócio e do cliente, multidisciplinaridade, entre outros, para prestar um serviço alinhado com as expectativas e necessidades reais dos clientes. E é exatamente isso que vemos na aplicação da jurimetria a serviço das áreas de business intelligence das empresas.  São novos tempos de alta transformação da advocacia e precisamos estar preparados. A existência de ferramentas e métodos estruturados de análise de dados estatísticos e jurídicos possibilita aos advogados aprofundarem a sua compreensão sobre a aplicação do direito na prática e, assim, contribuírem de forma ainda mais determinante na condução dos negócios e na definição das estratégias, podendo impactar de maneira positiva, inclusive, no atingimento de resultados favoráveis para seus clientes.

 


[1] Jurimetrics. The Next Step Forward.  Disponível em https://scholarship.law.umn.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2795&context=mlr

[2] Segundo Loevinger, "As máquinas podem ser construídas para resolver equações com virtualmente qualquer número de variáveis (…) Por que uma máquina não poderia ser construída para decidir litígios?" (p. 471).

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