Opinião

Preços de contratação de obras e serviços de engenharia na nova Lei de Licitações

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1 de novembro de 2023, 15h15

No âmbito das contratações públicas, assim como para o setor de infraestrutura, é relevante a discussão em torno da possibilidade de utilização das atas de registro de preços para a contratação de obras e serviços de engenharia. O artigo 6º, da Lei nº 14.133/2021 elencou, dentre outros temas, conceitos de obras e serviços de engenharia. Destaca-se:

Art. 6º Para fins desta Lei, consideram-se: (…)

XII – obra: toda atividade estabelecida, por força de lei, como privativa das profissões de arquiteto e engenheiro que implica intervenção no meio ambiente por meio de um conjunto harmônico de ações que, agregadas, formam um todo que inova o espaço físico da natureza ou acarreta alteração substancial das características originais de bem imóvel; (…)

XXI – serviço de engenharia: toda atividade ou conjunto de atividades destinadas a obter determinada utilidade, intelectual ou material, de interesse para a Administração e que, não enquadradas no conceito de obra a que se refere o inciso XII do caput deste artigo, são estabelecidas, por força de lei, como privativas das profissões de arquiteto e engenheiro ou de técnicos especializados, que compreendem:

a) serviço comum de engenharia: todo serviço de engenharia que tem por objeto ações, objetivamente padronizáveis em termos de desempenho e qualidade, de manutenção, de adequação e de adaptação de bens móveis e imóveis, com preservação das características originais dos bens;

b) serviço especial de engenharia: aquele que, por sua alta heterogeneidade ou complexidade, não pode se enquadrar na definição constante da alínea "a" deste inciso; (…)

Os conceitos reproduzidos acima são ainda mais relevantes para o debate em razão do tratamento jurídico conferido pela Lei nº 14.133/2021 ao sistema de registro de preços (SRP) — artigo 82 e seguintes. Inovando em relação ao entendimento então prevalecente no Tribunal de Contas da União (TCU) e em outros Tribunais de Contas, o §5º do artigo 82 da nova lei de licitações autoriza a utilização do SRP para as contratações de obras e serviços de engenharia.[1]

Destaca-se que o SRP é o conjunto de procedimentos que servem para o registro formal de preços para a prestação de serviços, obras, aquisição e locação de bens para contratações futuras (artigo 6º, XLV). Marçal Justen Filho sustenta se tratar de "um contrato administrativo que estabelece regras vinculantes para a Administração Pública e um particular relativamente a contratações futuras, antecedido de um procedimento específico e segundo condições predeterminadas". [2]

A ata de registro de preços, então, serve como o documento que formaliza as condições obtidas por meio dos lançamentos no SRP, que eventualmente serão utilizados nas futuras contratações, a depender da real demanda dos órgãos da Administração que aderiram ao instrumento. As condições mencionadas abarcam informações como o objeto, as obrigações assumidas pelas partes, a qualidade exigida, prazos, locais de entregas, quantitavos etc.

Para Flávio Amaral Garcia, a vantajosidade da utilização do SRP decorre do fato de que o instituto:

"Visa racionalização nos processos de contratação de compras públicas e de prestação dos serviços. Sua finalidade precípua é maximizar o princípio da economicidade, permitindo à Administração Pública celebrar o contrato administrativo na exata media e no momento de sua necessidade, sempre precedido de licitação, qualquer que seja o valor efetivo a ser praticado em cada situação específica." [3]

Destaca-se que a Lei nº 8.666/1993 já previa sua utilização para a realização de compras (artigo 15, II). O Decreto Federal nº 7.892/2013, que regulamenta o dispositivo, prevê, dentre outros critérios, a utilização do instrumento nos casos em que, pelas características do bem ou serviço, surge a necessidade de contratações frequentes, bem como nas situações em que, em razão da natureza do objeto, não for viável a prévia quantificação da demanda dos órgãos da Administração (artigo 3º, I e IV).

Em outras palavras, em razão das características exigidas pelo decreto, a aplicação do instituto se limitava aos casos em que o objeto pudesse ser individualizado através de uma descrição objetiva. No caso das obras e serviços de engenharia, argumentava-se que a descrição prévia e a padronização exigida no SRP não era possível e, por essa razão, seria inviável sua utilização nesses casos.

Já a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos avançou em relação ao rol de aplicação do SRP. O §5º do artigo 82 autoriza que o sistema de registro de preços seja usado para a contratação de bens e serviços, mencionando expressamente a hipótese de obras e serviços de engenharia. Já o artigo 85 da nova lei condiciona a utilização aos casos em que existir projeto padronizado sem complexidade técnica e operacional e que haja necessidade permanente ou frequente de sua contratação.

A União publicou em 31 de março de 2023 o Decreto nº 11.462/2023, que regulamenta os artigos 82 a 86 da Lei nº 14.133/2021, referentes ao sistema de registro de preços, que confere destaque para a necessidade de padronização, sem a complexidade técnica e operacional exigida, de documentos como termo de referência, anteprojeto, projeto básico e projeto executivo.

Contudo, destaca-se que o entendimento anteriormente prevalecente nas Cortes de Contas, a exemplo do TCU, que orientava sua jurisprudência da seguinte forma:

"REPRESENTAÇÃO. LICITAÇÃO COM VISTAS À REFORMA NAS INSTALAÇÕES E DEPENDÊNCIAS FÍSICAS DE ORGANIZAÇÃO MILITAR. UTILIZAÇÃO DA MODALIDADE DE CERTAME PREGÃO ELETRÔNICO E DO SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇO PARA CONTRATAÇÃO DE OBRAS. CONTRATO COM OBJETO GENÉRICO, SEM A ELABORAÇÃO PRÉVIA DE PROJETOS E SEM A ESPECIFICAÇÃO DOS LOCAIS EM QUE SERIAM EXECUTADAS AS REFORMAS. AUTORIZAÇÃO PARA PAGAMENTO DE ITENS DE MATERIAIS OU SERVIÇOS QUE NÃO FORAM LICITADOS. APLICAÇÃO DE MULTA AOS GESTORES. (…)  2. O sistema de registro de preços não é aplicável à contratação de obras, uma vez que nessa situação não há demanda de itens isolados, pois os serviços não podem ser dissociados uns dos outros (…)" [4]

No mesmo sentido:

"23. Nesse sentido, a jurisprudência deste Tribunal de Contas é no sentido de que o sistema de registro de preços não é aplicável a contratações de obras, uma vez que nessa situação não há demanda de itens isolados, pois os serviços não podem ser dissociados uns dos outros (Acórdão 980/2018 – TCU – Plenário, relatoria Ministro Marcos Bemquerer). Também o Acórdão 1281/2018 – TCU – Plenário, de Relatoria do Ministro Walton Alencar Rodrigues, enuncia que é cabível o registro de preços para a contratação de serviços de engenharia em que a demanda pelo objeto é repetida e rotineira, a exemplo dos serviços de manutenção e conservação de instalações prediais, não podendo ser utilizado para execução de obras." [5]

O Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCE-RJ), em manifestação recente, manteve a aplicação do entendimento do TCU esposado acima, dando indicativos, inclusive, de como a mudança da Lei nº 14.133/2021 se adapta a esse cenário:

"Da análise do Termo de Referência deste Edital fica evidenciado que os objetos licitados não se relacionam a projeto padronizado, sem complexidade técnica e necessidade permanente e frequente de obra e sobretudo não se relacionam com as previsões de adoção do SRP estabelecidas no art. 3º do Decreto Federal nº7.892/13 que Regulamenta o Sistema de Registro de Preços, consoante ao a seguir demonstrado.
(…)
O sistema de registro de preços (SRP) pretende, entre outras finalidades, viabilizar contratações futuras, que, além de serem marcadas pela imprevisibilidade quanto ao momento em que ocorrerá a contratação ou quanto à quantidade que será necessária, são de interesse comum de vários órgãos.
O recapeamento, de acordo com a OT-IBR 002/2009 do IBRAOP, seria caracterizado como obra, não constituindo um serviço padronizado. Vedada, portanto, de acordo com a Lei 8.666/93, a utilização do registro de preços.
Em que pese, como mencionado na instrução anterior, a novel Lei nº 14.133/2021 abrir a possibilidade de contratação de serviços de engenharia, mediante certas condições, e existirem acórdãos recentes do TCU, relativos à possibilidade de contratação de obras de pavimentação realizadas pela CODEVASF por meio de pregão com registro de preços, não nos parece ser o caso da contratação em exame." [6]

O julgado avança dando destaque para a relevante questão relacionada à exigência de que não esteja caracterizado no objeto serviços específicos que aumentem a complexidade técnica e operacional da intervenção. Assim, o relator aplicou a técnica de distinguishing para afastar o precedente do TCU que autorizava a Codevasf a licitar serviços de pavimentação pelo SRP, tendo como fundamento justamente as especificidades técnicas de cada objeto. Veja outro trecho do voto:

"No caso acima citado, as licitações para pavimentação ocorreram na modalidade Pregão Eletrônico e com os procedimentos do Sistema de Registro de Preços (SRP). A CODEVASF realizou a contratação para as obras destinadas a vias consolidadas, com baixa trafegabilidade e que não necessitam de intervenções específicas, o que permitiria sua padronização, parcelamento e remuneração por unidade de medida – características de serviços comuns na engenharia. A decisão do TCU teve fundamento em decisões anteriores do próprio órgão, que considerou necessária a realização de pregão em caso de contratações de serviços comuns de engenharia, ACÓRDÃO 3144/2012 – PLENÁRIO.
No caso avaliado pelo TCU, os serviços contratados se enquadrariam no que o DNIT, ver Manual de Conservação Rodoviária. considera como serviços comuns de engenharia. (sic)
Contudo, o objeto proposto e a orçamentação realizada, como visto no próximo tópico, indicam a tentativa de contratação de obras e serviços de restauração rodoviária, o que frustraria o procedimento adotado pela administração, pois não se enquadra como atividade rotineira." [7]

Desse modo, conclui-se, como bem sintetizado nos acórdãos acima, que as hipóteses de aplicação do SRP para contratação de obras e serviços de engenharia, caso prevaleçam, devem ser utilizadas pela Administração Pública a partir de uma leitura literal e restritiva. Considerações do TCU anteriores à Lei nº 14.133/2021 devem ser de imperiosa observância pela Administração Pública, como é o caso da não aplicação do SRP para as situações em que não há demanda por serviços isolados. Se é que estas existem…

É crucial que os agentes públicos envolvidos na procedimentalização do SRP estejam atentos às especificidades técnicas de cada objeto, a fim de não desvirtuar a vontade do legislador e amplia, de forma irregular, a abrangência desse importante instrumento.

 

__________________________
[1] Art. 82. O edital de licitação para registro de preços observará as regras gerais desta Lei e deverá dispor sobre: (…)

§5º O sistema de registro de preços poderá ser usado para a contratação de bens e serviços, inclusive de obras e serviços de engenharia, observadas as seguintes disposições: (…).

[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/2021. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 1159.

[3] GARCIA, Flávio Amaral. Licitações e contratos administrativos: casos e polêmicas. – 5. Ed. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 170.

[4] TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Acórdão nº 980/2019 – Plenário. Rel. Min. Marcos Bemquerer, j. em 02/05/2018, publicado no D.O.U. em 13/08/2018.

[5] TRIBUNAL DE CONTAS UNIÃO. Acórdão nº 1.238/2019 – Plenário. Rel. Min. Marcos Bemquerer, j. em 29.05.2019, publicado no D.O.U. em 12/06/2019.

[6] TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Representação em face de licitação nº 208856-9/2022. Rel. Conselheiro Christiano Lacerda Ghuerren. j. em 16/05/2022.

[7] Ibidem.

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