Opinião

Cabimento do agravo de instrumento no procedimento da Lei nº 9.099/95

Autor

  • Pedro Rezende de Magalhães

    é advogado especialista em Direito Ambiental e Minerário pela PUC Minas (pós-graduação lato sensu) coautor da obra Direito Ambiental em Desenvolvimento (Editora D'Plácido) e ex-procurador-geral da Câmara Municipal de Guaxupé (MG) no biênio 2019-2020.

30 de março de 2023, 16h26

Vez ou outra a prática forense, tal qual aquele estudante que sempre pressiona o professor a solucionar os exemplos mais inusitados na sala de aula, surpreende o jurista com situações para as quais não existe pronta resposta, dele demandando o retorno aos livros.

Uma delas, por exemplo, é a admissibilidade da modalidade recursal do agravo de instrumento no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. Isso porque, segundo o entendimento jurisprudencial hoje dominante, o procedimento instituído pela Lei nº 9.099/95 não seria compatível com o recurso em questão, somente podendo, em casos específicos, ser aplicado aos Juizados Especiais da Fazenda Pública, estes regidos pela Lei nº 12.153/09.

Pelos que defendem a inadmissibilidade, é dito principalmente que os princípios norteadores desse procedimento especial  notadamente a informalidade e a celeridade  não se coadunam com o rito exigido pela interposição do agravo em sua vertente instrumental. É que, nessa interpretação, eventuais insurgências contra decisões interlocutórias proferidas durante a fase de conhecimento, se não justificarem combate imediato (risco de perecimento do objeto, por exemplo), deverão ser devolvidas ao grau revisor quando da interposição do recurso inominado.

Em teoria, aparentemente isso seria suficiente para harmonizar o preceito maior de possibilidade de revisão das decisões singulares aos ditames especiais dos juizados cíveis. A prática, todavia, como sói ocorrer, impõe-se triunfante e não tarda a apontar uma lacuna na tese. Ora, e quando a decisão interlocutória se dá na fase de cumprimento de sentença, na qual não há previsão expressa sobre o recurso, que fazer?

Havendo omissão, contradição e/ou obscuridade no decisum, é consenso o aviamento dos embargos declaratórios. Eles, entretanto, podem ser rejeitados, ou então a insurgência pode não ter como objeto nenhum dos pressupostos inerentes aos aclaratórios. E então?

Em casos tais, por força do artigo 1.046, §2º, do CPC [1], parece correto sustentar a aplicação supletiva  não subsidiária, frise-se  do diploma processual ao procedimento especial dos juizados cíveis. Consequentemente, com espeque no parágrafo único do artigo 1.015, cuja redação dispõe também ser cabível agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário, a peça natural seria sim, pois, o agravo na modalidade instrumental.

Noutro vértice, não se ignora que há quem defenda ser o mandado de segurança o meio de insurgência adequado à tais hipóteses. Com a devida vênia, em qual medida o manejo de uma ação autônoma, cuja segurança não poderia aprioristicamente atingir o mérito em si da ação principal, mas apenas e tão somente o ato coator e seus efeitos, se coadunaria mais com os princípios do procedimento dos juizados (em especial a economia processual e a celeridade) do que um recurso vinculado à quaestio iuris propriamente dita, i.e., um ato umbilicalmente concatenado ao próprio processo donde emerge a irresignação?

Em todo caso, não se pode olvidar o princípio da fungibilidade, o qual informa, consoante as lições de Alvim, que em havendo divergência razoável quanto ao manejo apropriado (no caso oriunda da omissão normativa), "(…) a única solução justa é ser admitido um recurso pelo outro. Assim, desde que se trate de hipótese próxima, se discutindo encarte no modelo em que se prevê o recurso e onde a previsão do recurso cabível seja precária e geradora de dúvida objetiva, terá que ser aceito que o outro recurso (mesmo que pudesse vir a ser pelo órgão ad quem reputado como incorreto), seja admitido em lugar daquele que o órgão entenda como sendo ortodoxa ou rigorosamente correto, pois outros órgãos e/ou a doutrina (total ou parcialmente), de outra parte, tem como cabível o recurso concretamente eleito e interposto" [2].

Portanto, não é nenhuma heresia afirmar a inexistência de razão contundente para a que a atual resistência jurisprudencial contra o cabimento do agravo de instrumento no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis seja alimentada ou fortalecida. Até mesmo porque, conforme bem alertou Niemeyer em contribuição ao ConJur, "(…) sustentar a incompatibilidade de diálogo entre essas fontes de direito [CPC e Lei nº 9.099/95] implica fazer submergir o jurisdicionado nas trevas da ausência de norma sobre diversas questões, sujeitando-o às subjetividades solipsistas e discricionárias do juiz, eliminando toda certeza e segurança jurídica do direito e do processo perante o Juizado Especial Cível" [3].

 


[1] Lei nº 13.105/15, artigo 1.046, §2º: "Permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código".

[2] ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil: Teoria Geral do Processo, Processo de Conhecimento, Recursos, Precedentes. 18. ed. rev., atual. e ampl., p. 1201. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

[3] NIEMEYER, Sérgio. O novo CPC aplica-se supletivamente à Lei dos Juizados Especiais. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-mai-23/sergio-niemeyer-cpc-aplica-supletivamente-lei-90991995>. Acesso em: 02 mar. 2023.

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