Opinião

Marco temporal para aplicação das leis de nº 8.666/93, 10.520/22 e 12.462/2011

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25 de março de 2023, 7h08

Com a promulgação da Lei Federal nº 14.133, de 1º de abril de 2021, e sua correspondente publicação no Diário Oficial da União, entrou em vigor a nova lei que estabelece normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

Dentre as diversas disposições do novo diploma, chamou atenção aquela prevista no artigo 193, inciso II [1], que estabeleceu a coexistência (convivência normativa), pelo prazo de dois anos, do sistema da nova lei com os regimes previstos na Lei nº 8.666/1993 (que disciplina as normas gerais de licitações e contratos e dispõe, dentre outras, as licitações promovidas nas modalidades convite, tomada de preços e concorrência), na Lei nº 10.520/2022 (que dispõe sobre o Pregão) e na Lei nº 12.462/2011 (Regime Diferenciado de Contratação), até a revogação desses diplomas.

Porém, é certo afirmar que após 31 de março de 2023 não haverá mais processos licitatórios regidos pelas leis revogadas pela nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC)?

Antes de responder esta questão, impõe esclarecer que esse prazo de convivência normativa foi estabelecido para permitir que todos os atores envolvidos, administração pública, empresas licitantes, etc., pudessem se capacitar e realizar todos os atos preparatórios necessários antes de implementar o novo regramento.

Nesse sentido, restou expressamente proibida [2] a promoção de licitações fundamentadas nos dois sistemas coexistentes, ou seja, a Administração, caso desejasse "testar" a nova lei não poderia fazê-lo mesclando as disposições previstas na Lei nº 8.666/93, na Lei nº 10.520/02 ou na Lei nº 12.462/2011 com as novas disposições da Lei nº 14.133/21, de modo que deveria expressamente indicar no Edital qual legislação regulamentaria o processo de licitação, como ainda deverá assim proceder até o prazo indicado no inciso II, do artigo 193, da NLLC.

Assim, a Autarquia "A" desde 01/04/2021 até o dia 31/03/2023, pode, ad exemplum, realizar apenas uma "licitação teste" com base na Nova Lei, retornando nos próximos processos a fundamentação na "legislação antiga", ou realizar as licitações dos processos alternando os regimes, até a data-limite estabelecida no inciso II, do artigo 193, da Lei nº 14.133/21, mas jamais poderá mesclar esses regulamentos.

Contudo, é certo afirmar que os processos de licitação não se iniciam com a publicação do instrumento convocatório, mas, a partir dos procedimentos de planejamento da contratação e de documentos de formalização da demanda, como, por exemplo, a elaboração do estudo técnico preliminar, do termo de referência ou do projeto básico, momento a partir do qual se sucedem os demais atos administrativos (pesquisa de preços, estudos técnicos, pareceres técnicos e jurídicos, etc) que viabilizarão o início da fase externa da licitação que é materializada com a publicação do Edital.

Quem possui alguma experiência com os processos de licitação, mínima que seja, sabe que esses atos preparatórios muitas vezes levam algumas semanas ou até meses para serem concluídos (até a efetiva publicação do Edital), de modo que uma demanda poderá ser planejada para ser licitada com base nas Leis nº 8.666/93 ou 10.520/2002 e chegar no deadline disposto no inciso II, do artigo 193, da Lei nº 14.133/21 e não ter sua fase externa concluída, ou, sequer iniciada.

Nesses casos, a administração deveria paralisar os referidos processos para adequá-los aos ditames da NLLC ou seria lícita a sua conclusão? Nessa segunda hipótese os contratos derivados seriam regidos por qual regime de licitação?

Sobre esse aspecto, inicialmente a Secretaria de Gestão (Seges) publicou no Portal de Compras do Governo Federal, no dia 31/08/2022, o Comunicado nº 10/2022 [3] dispondo que os Editais elaborados com base na Lei nº 8.666/1993 e na Lei nº 10.520/2002 devem ser publicados até o dia 31/03/2023.

Portanto, a Seges indicou que o artigo 191, §Ú, da Lei nº 14.133/2021 autorizaria a publicação de editais fundamentados nas legislações antigas até o prazo disposto no inciso II, artigo 193, da NLLC, de modo que os processos poderiam ser concluídos e os contratos formalizados após a referida data sem quaisquer prejuízos, permanecendo a regulamentação pela legislação revogada.

Abordando esta questão, que pode representar um risco aos processos de contratação pública promovidos nessa fase de coexistência do novo sistema com os sistemas antigos, a Advocacia-Geral da União elaborou o Parecer nº 06/2022/CNLCA/CGU/AGU com importantes definições.

Inicialmente, interpretando a expressão "opção por licitar ou contratar", contida no caput do artigo 191, da NLLC, a AGU considera que esta deve ser entendida como a "manifestação pela autoridade competente, ainda na fase preparatória, que opte expressamente pela aplicação do regime licitatório anterior".

Nesse passo, realizada a opção pelo regime licitatório antigo, até o período de convivência normativa previsto, a AGU indica que os efeitos dos atos administrativos (contratos, atas de registro de preços, e outros) aperfeiçoados antes ou após a revogação da legislação anterior, deverão observar os correspondentes prazos definidos naquelas leis.

Desta forma, exemplificativamente, desde que a opção pelo regime licitatório seja formalizada na fase preparatória do respectivo processo licitatório até o dia 31/03/2023, uma Ata de Registro de Preços formalizada após essa data, ainda poderá alcançar o prazo máximo de 12 meses, e os contratos dela decorrentes serem firmados, observando-se a vigência deste registro de preços, pelos prazos previstos nas Leis nº 8.666/93, 10.520/2002 e 12.462/2011, aplicando-se a legislação revogada, inclusive para as possíveis prorrogações contratuais.

Na prática, aplicando-se esse entendimento, dada a inexistência de prazo limite para a conclusão da fase interna da licitação e consequentemente da fase externa, é factível imaginar a existência de processos de contratação que, cumprido o prazo do artigo 191, da NLLC, sejam regidos pela legislação revogada mas que tenham os instrumentos de contratação (Atas de Registro de Preços e Contratos) formalizados meses após a total revogação das referidas leis, prolongando os efeitos destas normas por muitos anos, caso, por exemplo, tratem-se de contratos de natureza contínua cujas prorrogações podem atingir o limite de 60 meses, podendo, até, serem prorrogados excepcionalmente por mais 12 meses, atingindo um total de 72 meses de ultratividade normativa da legislação revogada.

Vislumbrando este cenário de prolongada ultratividade da legislação revogada, o ministro Antonio Anastasia, do Tribunal de Contas da União, em sessão extraordinária do Plenário [4], em 13 de dezembro de 2022, encaminhou proposta de determinação à Secretaria-Geral de Controle Externo (Segecex) para realização de "estudos conclusivos compatibilidade das teses firmadas pela jurisprudência desta Corte de Contas e no Parecer 6/2022 da Câmara Nacional de Licitações e Contratos Administrativos da Advocacia-Geral da União".

Visando propor uma resolução a esse processo de transição entre os regimes, sem desconhecer da legalidade e aplicabilidade do citado Parecer 06/2022 da CNLCA da AGU, a Seges publicou o Comunicado nº 13/2022 [5], em 31 de dezembro de 2022, na qual indica que a melhor alternativa para evitar custos operacionais e de segurança jurídica seria delimitar um prazo final de seis meses, a partir do registro da opção do regime de contratação na fase preparatória, para a publicação do edital ou do aviso de contratação direta.

Assim, a Seges propõe definir um marco temporal para a conclusão da fase interna e início da fase externa dos processos nos quais a autoridade competente tenha registrado a opção pelos regimes revogados, de modo a mitigar os efeitos da ultratividade normativa. Contudo, considerando iniciativa de deliberação da questão pelo TCU, a Secretaria de Gestão comunicou que aguardará a manifestação conclusiva da Corte de Contas.

Portanto, não obstante a Corte de Contas ainda não tenha deliberado sobre até quando a Administração Pública poderá promover licitações com base nas leis federais nº 8.666/93 e 10.520/2002, é certo afirmar que a convivência dos regimes previstos na legislação revogada perdurará por mais alguns anos com o novo regime estabelecido na Lei nº 14.133/2021.

 


[1] Lei nº 14.133/2021. Artigo 193. Revogam-se: (…) II – a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e os artigos 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, após decorridos dois anos da publicação oficial desta Lei.

[2] Artigo 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do artigo 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.

Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do artigo 193 desta Lei, o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência.

[4] Brasil. TCU. Ata nº 47 de 13 de dezembro de 2022. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/redireciona/ata-sessao/%22ATA-SESSAO-472022002%22. Acesso em: 08/02/2023.

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