Opinião

Risco em licitações de aquisição de medicamentos com preços acima do mercado

Autores

  • Vinicius Augusto Guimarães

    é graduado em Ciências Contábeis na UnB e auditor chefe adjunto na unidade de auditoria especializada em saúde no TCU.

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  • Igor Pereira Oliveira

    é auditor do TCU especialista sênior responsável por estudos e diagnósticos sobre políticas e regulação da infraestrutura no âmbito de cooperação internacional (GTInfra Olacefs) especialista em projetos complexos relacionados à gestão da qualidade ao aprimoramento da gestão processual e à identificação de riscos e controles internos ex-diretor de mobilidade urbana ex-especialista em regulação da Aneel e engenheiro com mestrado em engenharia pela USP.

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  • Italo Pinheiro de Albuquerque Figueiredo

    é graduado em Engenharia da Computação pela UFRN especialista em contratações de TI pela FGF e auditor chefe da unidade de auditoria especializada em contratações no TCU.

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23 de março de 2023, 19h31

Em 3 de janeiro de 2023, a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMed) registrou que as pesquisas de preços praticados em licitações podem ser feitas através do Banco de Preços (BPS) do Ministério da Saúde, sistema que se destina ao registro e à consulta de informações de compras de medicamentos. Criado em 1998, atualmente é gerenciado pela Coordenação Geral de Economia da Saúde do ministério.

Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Dez anos antes, a Câmara de Regulação, diante do Acórdão 3016/2012-TCU-Plenário, alertou os gestores federais, estaduais e municipais do SUS sobre a necessidade de realização de uma pesquisa prévia e efetiva de preços no mercado, já que os preços teto não servem como parâmetro isolado para compras públicas [1].

Essas ressalvas decorrem, em certa medida, dos riscos de uso exclusivo (indevido) da tabela CMed como orçamento de referência para compras públicas. O voto do Acórdão 413/2021-TCU-Plenário apresenta explicações relevantes sobre o tema:

"O Coeficiente de Adequação de Preços (CAP) é o desconto mínimo obrigatório para compras públicas de medicamentos, atualizado anualmente pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Atualmente o valor vigente é de 21,53%.

O CAP é, assim, percentual de desconto incidente sobre o preço de fábrica, resultando no Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG), a partir do qual devem ser iniciadas as negociações nas compras governamentais de medicamentos.

O PMVG é referencial máximo que a lei permite a um fabricante vender seu produto ao governo, mas não se confunde com o preço de mercado. Nesse sentido, reproduzo os seguintes enunciados da Jurisprudência Selecionada do TCU:

O Banco de Preços em Saúde (BPS) é válido como referencial de preços de mercado na aquisição de medicamentos, diferentemente da tabela da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed), uma vez que os preços da Cmed são referenciais máximos que a lei permite a um fabricante de medicamento vender o seu produto, o que não se confunde com os preços praticados no mercado. (…)

A Tabela elaborada pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – Cmed do Ministério da Saúde apresenta, para diversos medicamentos, preços referenciais superiores aos dos preços de mercado. A aquisição de medicamentos por preço excessivo, ainda que inferior ao constante da citada tabela, pode dar ensejo à responsabilização do agente causador do prejuízo". (grifos nossos)

Ocorre que a Nova Lei de licitações (Lei 14.133/2021) dispõe em seu artigo 82, inciso V, que o critério de julgamento de licitação para registro de preços será o de menor preço ou o de maior desconto sobre tabelas de preços praticadas no mercado.

O Decreto 7.892/2013, regulamento do Sistema de Registro de Preços previsto no artigo 15 da Lei 8.666/1993, apresentava no §1º de seu artigo 9º, como possibilidade de critério de julgamento, "o menor preço aferido pela oferta de desconto sobre tabela de preços praticados no mercado, desde que tecnicamente justificado" (grifo nosso).

Em momento ainda anterior, o Decreto 3.931/2001, que foi revogado pelo decreto supra, já indicava no §1º do seu artigo 9º a possibilidade de o edital "admitir, como critério de adjudicação, a oferta de desconto sobre tabela de preços praticados no mercado, nos casos de peças de veículos, medicamentos, passagens aéreas, manutenções e outros similares" (grifo nosso).

Nota-se, então, que os decretos, ao regulamentarem o sistema de registro de preços, traziam a possibilidade de o edital permitir o desconto sobre uma tabela de preços, mas continham limitações para utilização dessa sistemática de julgamento. O mais antigo deles estabelecia os casos para a adoção desse critério de julgamento, enquanto o mais recente exigia uma motivação técnica. Nas duas situações, percebe-se a ideia de excepcionalidade, o que, aparentemente, deixou de existir na Lei 14.133/2021.

Independentemente disso, o entendimento do voto do Acórdão 413/2021-TCU-Plenário, supracitado, já havia sido ressaltado pelo controle externo federal em documento oficial sobre orientações para aquisições públicas de medicamentos.

Além disso, um relatório de avaliação da política de subsídio tributário a medicamentos, emitido em 2021 pelo Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP), apontou para diferenças significativas entre os preços teto permitidos pela CMed e os preços efetivamente praticados no mercado.

Recente trabalho da Controladoria Geral da União (CGU) explicitou o problema:

"Quando o gestor compra um medicamento por um valor da tabela CMED decrescido de um desconto pré-determinado, ele incorre na possibilidade de estar contratando valores acima de mercado. A tabela é um teto, um máximo pelo qual os laboratórios e distribuidores podem vender seus medicamentos. Não é o preço praticado pelo mercado. A contratação realizada pelo município aqui analisada prevê um desconto linear sobre todos os medicamentos com base na tabela CMED, sem considerar o preço que de fato é praticado pelas empresas" (grifo nosso).

Portanto, os gestores públicos devem observar os alertas da própria Câmara de Regulação e a jurisprudência da rede de controle, priorizando pesquisa prévia e efetiva de preços no mercado. Afinal, preços máximos não são preços praticados no mercado e, por isso, não é possível se fundamentar no artigo 82 da Lei 14.133/2021 para justificar o uso exclusivo da Tabela CMED na aquisição de medicamentos em licitações.

 

* Eventuais opiniões são pessoais e não expressam posicionamento institucional do TCU.

Autores

  • é graduado em Ciências Contábeis na UnB e auditor chefe adjunto na unidade de auditoria especializada em saúde no TCU.

  • é auditor do TCU, especialista sênior responsável por estudos e diagnósticos sobre políticas e regulação da infraestrutura no âmbito de cooperação internacional (GTInfra Olacefs), especialista em projetos complexos relacionados à gestão da qualidade, ao aprimoramento da gestão processual e à identificação de riscos e controles internos, ex-diretor de mobilidade urbana, ex-especialista em regulação da Aneel e engenheiro com mestrado em engenharia pela USP.

  • é graduado em Engenharia da Computação pela UFRN, especialista em contratações de TI pela FGF e auditor chefe da unidade de auditoria especializada em contratações no TCU.

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