Última palavra

'Quem define crime militar é o Supremo', diz novo presidente do STM

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17 de março de 2023, 8h13

O Superior Tribunal Militar deve respeitar o entendimento do Supremo sobre a existência ou não de crime militar nos atos terroristas levados a cabo em Brasília em 8 de janeiro.

Spacca
A opinião é do novo presidente do STM, tenente brigadeiro do ar Francisco Joseli Parente Camelo, que assume a liderança da Corte ainda em meio à repercussão dos atos antidemocráticos

"Cada caso é um caso. Em última instância, quem define se é crime militar ou não, havendo a dúvida, é o Supremo Tribunal Federal", afirmou Camelo em entrevista ao Anuário da Justiça Brasil 2023, publicação da ConJur que será lançada em maio.

O novo chefe do Corte Militar acredita que quem tiver cometido ato de vandalismo deve ser punido. "Se o militar esteve participando dessa baderna, desse vandalismo que aconteceu nos tribunais, no STF, no Congresso e no Palácio do Planalto, naturalmente esses militares estão cometendo um crime comum. É um crime contra o Poder Público. Pela Justiça Comum, certamente deverão ser condenados", defendeu.

Também deve caber ao STF decidir se é Justiça Militar ou a Justiça comum que possui competência para julgar crimes cometidos por militares em ações que não estão relacionadas de forma direta com a suas funções típicas, como no apoio a questões comunitárias e no socorro a vítimas de desastres. A análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.032 está suspensa após pedido do ministro Ricardo Lewandowski para que o caso deixasse o Plenário Virtual e fosse julgado no Plenário físico.

O tenente defende que haja um bom relacionamento entre o Judiciário e os demais Poderes como uma forma de preservar a Democracia. E afirma que é o que se tem observado após os atos de 8 de janeiro. 

Entre os principais desafios de sua gestão à frente do STM está o de obter a representação da Justiça Militar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O senador Eduardo Gomes (PL-TO), com o apoio da Corte militar, tem colhido assinaturas para apresentar umaProposta de Emenda à Constituição que aumente de 15 para 18 o número de cadeiras no conselho.

Francisco Joseli Camelo também pretende dialogar com o Ministério da Fazenda para conseguir recursos que permitam construir uma nova sede para o STM. "O nosso orçamento, entre os tribunais superiores, é o menor da União", afirma.

O tenente brigadeiro do ar foi o responsável por coordenar as viagens oficiais do presidente Luiz Inácio da Silva (PT) durante os seus dois primeiros mandatos, assim como por pilotar o avião que ficou conhecido como "Aerolula". Francisco Joseli Camelo afirma ter desenvolvido uma relação de amizade com o chefe do Poder Executivo. "Tive o privilégio de trabalhar com ele por oito anos. Isso criou um elo de aproximação muito forte. Tenho uma consideração muito grande e muito respeito pelo presidente Lula", conta.

Leia a entrevista abaixo:

ConJur Quais os planos do senhor para a sua gestão à frente da Corte? Quais devem ser os principais desafios?
Francisco Joseli Parente Camelo Os desafios serão muitos. O primeiro deles é conseguir assentos para magistrados da Justiça Militar no Conselho Nacional de Justiça. O senador Eduardo Gomes está encaminhando essa questão no Congresso.

Toda grande jornada começa com o primeiro passo, e estamos preparados para dar também um primeiro passo para a construção da nossa nova sede. Falta pouco, apenas a destinação dos recursos. Já temos o terreno e o projeto executivo já está concluído. Não é fácil, dada a situação econômica do momento, mas vamos perseguir esse objetivo. Nosso orçamento, entre os tribunais superiores, é o menor da União.

ConJur Fazendo um balanço, quais foram os principais assuntos que foram julgados pelo STM ao longo de 2022? E quais os temas que acredita que devem ser destaque ao longo de 2023?
Francisco Joseli Parente Camelo Dos assuntos mais julgados, 52% foram relacionados a drogas. A Justiça Militar tem tolerância zero com esse tema. Depois veio o estelionato; em seguida, o furto — a maioria dos furtos é de celular. Temos peculato, deserção, corrupção passiva, o abandono de posto pelo uso de documento falso, falsidade ideológica, lesão corporal leve.

ConJur O senhor acredita que esses temas devem continuar tendo relevância em 2023?
Francisco Joseli Parente Camelo  A deserção, até 2020, estava em primeiro lugar na lista de temas mais julgados. Já está em terceiro em 2021 e 2022. Drogas era o segundo, já está em primeiro. Há uma flutuação.

ConJur Na opinião do senhor, qual é o melhor formato de trabalho a ser adotado pelo tribunal neste momento de melhora da epidemia? O trabalho presencial, remoto ou híbrido? Qual tem sido a tendência na Corte hoje?
Francisco Joseli Parente Camelo  Há vantagens e desvantagens em cada tipo. A defesa dos réus nos processos julgados defende muito que o julgamento seja presencial, por dar mais condições para os debates. No virtual, há a vantagem de ser mais célere.

Nas semanas de julgamento presencial, temos julgado em média apenas dez processos. Nos virtuais, conseguimos julgar de 20 a 25. Mas a tendência hoje é adotar um modelo híbrido. Imagino que vamos julgar, ao longo desse ano, duas semanas presenciais e duas semanas virtuais. No ano passado, julgamos uma semana presencial e três semanas virtuais. Estamos nos aperfeiçoando nessa parte da informática.

ConJur O Supremo Tribunal Federal deve decidir qual o alcance da Justiça Militar em crimes de militares em ações não diretamente relacionadas às funções típicas das Forças Armadas. Como a Corte tem se posicionado sobre esse assunto?
Francisco Joseli Parente Camelo A Lei 13.491/17 trouxe uma inovação importante. Nós julgamos civis ou militares se estiverem sujeitos à administração militar, se for crime contra o dever militar ou contra a administração militar. Nesses três casos, previstos no nosso artigo 9º do Código Penal Militar, julgamos qualquer crime.

E é muito importante que esses crimes sejam julgados pela Justiça Milita. Por exemplo, se houver um crime de fraude à licitação com a participação ativa de um civil e a participação passiva de um militar, os dois têm que ser julgados no mesmo processo. Se houver um civil e um militar no caso, eles são julgados monocraticamente pelo nosso juiz federal militar.

ConJur Ao menos três militares da reserva das Forças Armadas foram presos por terem participado dos atos de 8 de janeiro. E, atualmente, há dois inquéritos policiais militares contra coronéis da reserva que se manifestaram via redes sociais sobre o assunto. Na sua opinião, os militares que participaram dos atos devem ser punidos?
Francisco Joseli Parente Camelo —  O Ministério Público vai avaliar se vai oferecer denúncia ou não quando os militares tiverem participação pacífica, apenas assistindo. Mas se o militar participou da baderna, do vandalismo que aconteceu nos tribunais, no Congresso e no Palácio do Planalto, naturalmente esse militar cometeu crime comum, contra o Poder Público. Pela Justiça Comum, certamente deverão ser condenados.

Agora, esses dois militares que são alvo de inquérito, que falaram da administração militar, do alto comando do Exército, cometeram, na minha visão, um crime militar. O Ministério Público deve oferecer a denúncia e, após julgamento em primeira instância, vamos analisar o caso no STM. Vamos seguir o devido processo legal, dar todo o direito à defesa mas, se houver provas de que foram cometidos crimes, eles serão condenados.

ConJur Quem participou dos atos e cometeu vandalismo deve ser julgado pela Justiça Comum?
Francisco Joseli Parente Camelo Cada caso é um caso. Isso vai ser decidido por cada caso. Em última instância, quem define se é crime militar ou não, havendo a dúvida, é o Supremo Tribunal Federal.

ConJur O senhor foi uma pessoa próxima do presidente Lula durante os seus dois primeiros mandatos. Essa relação ainda se mantém? E como deve ser a relação institucional da Corte com o Executivo?
Francisco Joseli Parente Camelo Eu tive o privilégio de trabalhar com ele por oito anos e era o secretário de coordenação das viagens do presidente Lula. Eu fazia todas as viagens junto com ele. Isso criou um elo de aproximação muito forte, eu diria até uma amizade muito forte. Eu tenho uma consideração muito grande e muito respeito pelo presidente Lula. Pessoalmente, continuo mantendo todo esse respeito e essa admiração pelo presidente Lula.

Já a relação institucional é preciso ter com qualquer que seja o presidente. Sob a liderança da presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, os tribunais superiores estamos unidos no esforço para que os objetivos estabelecidos pelo governo sejam todos alcançados. Especialmente em relação ao que diz respeito à democracia. Estaremos sempre juntos nessa luta.

ConJur Estamos em um momento de pacificação, de boa relação entre os três Poderes?
Francisco Joseli Parente Camelo Como foi bonito os três Poderes juntos lutando pela democracia! Tivemos a presidente do Supremo junto com os presidentes dos tribunais superiores, foi uma coisa muito bonita. Foi a harmonia dos Poderes naquele primeiro momento respeitando a individualidade de cada poder, todos juntos pela Democracia. Acho que jamais tinha visto uma coisa tão bonita e tão fabulosa como aconteceu em janeiro desse ano.

ConJur Qual a avaliação do senhor sobre a participação do Exército nas incursões nos morros do Rio de Janeiro? As Forças Armadas devem atuar como um órgão da segurança pública?
Francisco Joseli Parente Camelo  O governo federal e o governo estadualdevem investir bastante na segurança pública, na Polícia Federal, nas polícias estaduais. Mas é muito importante que as Forças Armadas tenham a capacidade de, em uma necessidade extrema excepcional, por autorização do presidente da República e do governador daquele estado, cumprir uma missão da garantia da lei e da ordem.

É um debate muito interessante. Mas, primeiro, o presidente tem que ter essa capacidade. Segundo, essa missão tem que tem que ser estabelecida de forma que as Forças Armadas tenham sido treinadas para atuar, e não como tem sido usada nos últimos tempos, sem critério. 

Por exemplo, na Rio 92 [conferência climática internacional promovida no Rio de janeiro em 1992] havia quase 100 presidentes. Então, as Forças  Armadas foram acionadas para mantr a garantia da lei e da ordem em todo o trajeto dos presidentes. E a Polícia estadual ficou livre para cuidar do resto do estado.

O ideal, tanto para as forças estaduais como para as Forças Armadas, é que não tenhamos essa necessidade especial, que cada um exerça seu papel. Mas nós sabemos que, se houver uma grande excepcionalidade, quem será chamado para atuar? Vamos chamar forças de outro país? Não, temos que ter a nossa.

ConJur — Qual o papel das Forças Armadas na sociedade? Está sendo discutida no Congresso a alteração do artigo 142 da Constituição Federal. Na opinião do senhor, qual é a melhor leitura do artigo?
Francisco Camelo — Cumprimento os nossos constituintes pela excepcionalidade quando eles descreveram o papel das Forças Armadas. Eu vou ler o artigo 142: "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob autoridade suprema do Presidente da República. E destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa desse, à garantia da lei e da ordem."

A garantia dos poderes constitucionais não se confunde com a tutela dos poderes constitucionais. Os Poderes funcionam independentemente e harmonicamente. Esse é o papel das Forças Armadas. Cabe ao presidente autorizar ou não a sua atuação,

ConJur — Não é necessária uma alteração no artigo?
Francisco Camelo — Não é por uma situação episódica que nós vamos mudar a nossa Constituição.

ConJur — Na sua opinião, militares da ativa devem assumir cargos políticos? É uma outra discussão que também existe no Congresso hoje.
Francisco Camelo — Nós temos um estatuto militar que define muito bem os deveres e os direitos dos militares. O que se precisava era que fosse mudado o nosso estatuto para que aqueles militares que assumissem cargos políticos automaticamente passassem para a reserva remunerada, como acontece com os comandantes. Quando eles assumem o comando, passam para a reserva. A mesma coisa deveria acontecer com os candidatos a cargos eletivos.

O militar quer ser candidato? Independentemente de ser eleito ou não, ele passou para o meio político. Deve ser transferido para a reserva, recebendo uma proporção do que receberia de salário como militar. Eu acho que isso seria suficiente. Não precisa mexer na Constituição, apenas no nosso estatuto dos militares.

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