Erro médico e o aumento de ações judiciais e processos ético-profissionais
16 de março de 2023, 6h32
A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um relatório que mostra um aumento na ocorrência de erros médicos em todo o mundo, especialmente em pessoas de camadas sociais mais pobres [1]. O Anuário de Segurança Assistencial Hospitalar no Brasil, do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS OMS), destaca que cinco pessoas morrem a cada minuto no país devido a erros médicos [2]. Esses dados preocupantes são consequência do aumento exponencial de médicos mal preparados no mercado, com cerca de 50 mil novos médicos por ano no país.
Os dados da OMS também mostram que quase metade (40%) dos pacientes que recebem tratamento ambulatorial sofrem os efeitos de erros médicos, percentual que baixa para 10% em hospitais. A pesquisa aponta que 2,6 milhões de pessoas morrem anualmente em 150 países de baixo ou médio rendimento devido a tratamentos médicos errados. No Brasil, em 2021, foram realizadas 500 Mil demandas judicializadas relacionadas à saúde [5]. Dessas, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) registrou quase 35 mil novos processos por erro médico, o que corresponde a 95,8 processos por dia em razão de ações que tratam de erro médico, segundo o Relatório Justiça em Números, do CNJ em 2020 [6].
O acesso à justiça é um direito fundamental de todo cidadão, independentemente de sua condição social, econômica ou de saúde. Isso inclui também os pacientes que foram vítimas de erros médicos. Afinal, essas pessoas têm o direito de buscar reparação pelos danos que sofreram e de exigir responsabilização por parte dos profissionais e instituições de saúde envolvidos, de forma que não haja impunidade e perpetuação de práticas negligentes ou imprudentes por parte de profissionais e instituições de saúde.
Além disso, é preciso lembrar que a responsabilização por erros médicos não é apenas uma questão de reparação financeira, mas também de prevenção de futuros danos e de proteção da segurança e da saúde dos pacientes.
Por isso, é fundamental garantir que os pacientes vítimas de erros médicos tenham acesso ao sistema de justiça de forma efetiva e adequada. Isso inclui o direito de buscar orientação jurídica, de obter acesso às informações e aos documentos relevantes para o caso, de apresentar suas demandas em juízo e de ter acesso a um julgamento justo e imparcial.
Dentre as especialidades médicas mais expostas ao risco de processo de indenização, destacam-se a ginecologia e obstetrícia, cirurgia plástica, ortopedia, medicina de emergência e cirurgia geral. Tais processos têm gerado indenizações que variam de R$ 10 mil a R$ 800 mil, mas com valor mediano de R$ 30 mil, uma dor de cabeça que, se o médico não tem como prever e evitar, pode sim adotar algumas práticas de prevenção para minimizá-las.
O aumento do número de médicos e o aumento das ações judiciais por erro médico são questões complexas que exigem atenção e medidas ético-profissionais para garantir a segurança e a qualidade do atendimento médico. Os profissionais da área devem buscar atualização constante e adotar práticas mais seguras e eficientes, visando sempre o bem-estar e a segurança do paciente [7]. É fundamental que haja maior conscientização sobre a importância da prevenção de erros médicos e que as vítimas tenham seus direitos respeitados e preservados.
Quem trabalha fora dos padrões, com informações inadequadas podem acabar tendo que arcar com valores muito mais altos e sofrer abalos na reputação profissional e éticos.
De acordo com a legislação brasileira, um erro médico pode ser caracterizado como imprudência, negligência ou imperícia [8]. As ações judiciais por erro médico podem buscar indenizações por danos morais, ressarcimento de valores gastos com o procedimento, dano estético, indenização pelos gastos do paciente e pensão por morte. Em muitos casos, é necessário realizar uma perícia para determinar se o dano foi causado pela atitude do profissional.
Além das ações judiciais, os erros médicos também podem gerar consequências ético-profissionais para os profissionais envolvidos. O Conselho Federal de Medicina (CFM) é o órgão responsável por regulamentar o exercício da medicina no Brasil e pode aplicar sanções disciplinares aos médicos que cometem infrações éticas.
As infrações éticas podem ser desde erros no diagnóstico e tratamento até violações de sigilo médico e relacionamento inadequado com os pacientes. As sanções disciplinares podem ir desde advertências até a cassação do registro profissional [9].
Por isso, é fundamental que os médicos estejam sempre atualizados e em constante aprimoramento de seus conhecimentos e habilidades, bem como sigam rigorosamente os protocolos e diretrizes de conduta estabelecidos pela medicina. Também é importante que haja uma comunicação transparente e clara entre médicos e pacientes (tomada de consentimento esclarecido [10]), de forma que estes últimos possam entender seus diagnósticos e tratamentos e participar ativamente de suas decisões relacionadas à saúde e exercer sua autodeterminação [11].
Além disso, os gestores de saúde devem investir em programas de educação continuada para os profissionais de saúde, bem como em sistemas de monitoramento de erros e eventos adversos, a fim de identificar e corrigir falhas no sistema de saúde.
Assim, o aumento das ações judiciais e ético-profissionais relacionadas a erros médicos é um reflexo da maior conscientização dos pacientes e do aumento do número de médicos no mercado. É fundamental que os médicos estejam sempre atualizados e sigam rigorosamente os protocolos estabelecidos pela medicina, bem como que haja uma comunicação clara e transparente entre médicos e pacientes. Além disso, os gestores de saúde devem investir em programas de educação continuada e monitoramento de erros, a fim de garantir a segurança e a qualidade dos serviços prestados.
Como descobrir se houve erro médico?
A primeira providência que o paciente deve adotar é obter cópia de seu prontuário médico. É direito do paciente ter acesso a todas essas informações e a cópia deve ser entregue ao paciente sempre que solicitado. Tal documento deve permanecer armazenado por 20 anos de acordo com as resoluções do CFM [12] e do artigo 6º da Lei 13.787/2018, qual dispõe sobre a digitalização e a utilização de sistemas informatizados para a guarda, o armazenamento e o manuseio de prontuário de paciente [13].
Vale dizer que caracterizar um erro médico não é uma tarefa fácil. O fato de um procedimento estético/embelezador, por exemplo, não ter saído exatamente como o paciente queria pode não ser considerado erro. A linha é tênue e cada caso deve ser analisado individualmente. Por isso, é importa buscar ajuda de um advogado especializado em erro médico e uma segunda opinião médica e de um médico perito. Além disso, deve-se guardar toda a documentação, todos os laudos e exames que forem realizados, troca de emails e mensagens de WhatsApp; ou seja: guarde tudo!
O primeiro foco é a saúde, o segundo é procurar outra opinião e o terceiro é ficar atento à documentação. Conclusão: explicar que o erro médico não é indústria, mas uma realidade no Brasil e em outros países e que tantos os pacientes têm direito em investigar o que aconteceu, como há uma necessidade de haver processo de disclousure e que os sérios médicos adotem procedimentos mais seguros e que estejam e conformidade com tolas leis e normas do país.
Conclusão
Em resumo, o aumento das ações judiciais e ético-profissionais relacionadas a erros médicos é um reflexo da maior conscientização dos pacientes e do aumento do número de médicos no mercado. É fundamental que os médicos estejam sempre atualizados e sigam rigorosamente os protocolos estabelecidos pela medicina, bem como que haja uma comunicação clara e transparente entre médicos e pacientes. Além disso, os gestores de saúde devem investir em programas de educação continuada e monitoramento de erros, a fim de garantir a segurança e a qualidade dos serviços prestados.
Infelizmente, nem todos os casos têm um final feliz. Em alguns casos, os pacientes podem sofrer sequelas irreversíveis e até mesmo fatais como resultado de erros médicos. Os danos morais e estéticos podem afetar profundamente a vida do paciente e de seus familiares, bem como a perda de um ente querido.
Portanto, as vítimas de erros médicos têm o direito de buscar compensação pelos danos sofridos. No entanto, isso deve ser feito com responsabilidade e sempre pré-constituídos de provas robustas para ajuizar uma ação. Além disso, nesses casos, é fundamental que as vítimas recebam apoio emocional e psicológico adequado, além de assistência jurídica especializada. Embora nada possa reverter as consequências trágicas de um erro médico, o acesso à justiça pode ajudar a garantir que os responsáveis sejam responsabilizados e que a vítima receba a devida compensação pelo que sofreu.
[3] https://g1.globo.com/saude/noticia/2023/02/06/brasil-tem-5454-mil-medicos-mais-da-metade-esta-concentrada-somente-nas-capitais.ghtml
[5] https://www.cnj.jus.br/justica-em-numeros-2022-judiciario-julgou-269-milhoes-de-processos-em-2021/
[7] WILLCOCK, John William. The laws relating to the medical profession. London: A. Strahan, 1830.
[8] KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do Médico. 11. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 267-292.
[9] Artigo 22 da Lei 3.268/1957.
[10] RODRIGUES, João Vaz. O Consentimento informado para o acto médico no ordenamento jurídico português. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 29.
[11] GODINHO, Adriano Marteleto. A responsabilidade civil dos profissionais da saúde pela violação da autonomia dos pacientes. In: ROSENVALD, Nelson; MILAGRES, Marcelo. (coord.). Responsabilidade civil: novas tendências. Indaiatuba: Foco, 2018, p. 479-490.
[12] Resolução do CFM nº 1.821/07 estabelece que os documentos médicos em suporte de papel devem ser arquivados por tempo não inferior a 20 anos, a partir da data do último registro de atendimento do paciente e Resolução 1.821/07 que trata do prontuário em meio digital.
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