Opinião

Referências e novidades na política italiana: a eleição de Elly Schlein

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16 de março de 2023, 16h16

Em Florença para um período de pesquisas acadêmicas, tem sido impossível não reparar no noticiário político local e, mais do que isso, de não ser tragado por alguns movimentos que se desenvolvem nas ruas.

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Elly Schlein, eleita secretária-geral
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Florença tornou-se, nos primeiros dias de março, o centro das atenções nacionais. O fato que desencadeou tudo foi um ato de violência contra estudantes praticado por agressores identificados como fascistas. A diretora da escola divulgou uma carta de repúdio, o governo nacional (de tintas de extrema-direita) reagiu mal e, então, uma mobilização foi convocada em defesa da educação e da Constituição. Cerca de 50 mil foram às ruas. Não é algo comum para os padrões italianos.

De todo modo, mais do que o tamanho do movimento — convocado tendo no centro da pauta a defesa da Constituição — o que impressionou foi uma presença específica: Elly Schlein.

Aos 37 anos idade, Schlein acaba de ser eleita, pelo voto direto, secretária-geral do Partido Democrático, o maior partido do campo progressista italiano. O resultado da eleição, surpreendente, em poucos dias converteu Schlein numa estrela. Também presente ao ato, Giuseppe Conte, ex-primeiro-ministro, virou figura coadjuvante. Todos os olhares — do público aos cinegrafistas se acotovelando — concentraram-se em Elly Schlein, que já ganhou atenção também fora do país, sendo pauta no The New York Times.

De fato, a novidade que Schlein representa não pode ser subestimada. Mulher, jovem, bissexual, sua figura por si só traz um frescor diferente ao campo progressista europeu, historicamente liderado por quadros masculinos que, por mais extraordinários que tenham sido (como François Mitterrand na França, Mario Soares em Portugal e Enrico Berlinguer na Itália), eram ainda pouco permeáveis a novas pautas que um mundo mais complexo fez emergir. Eram homens do século 20 e absolutamente eurocentrados. Schlein, ao que parece, é uma mulher do século 21 que pensa além das questões europeias. Não pode passar despercebido o fato de ter feito uma homenagem a Marielle Franco em seu discurso de vitória.

De todo modo, embora a alusão a Marielle Franco seja alvissareira, é importante que a agenda e o modo de atuar de Schlein, agora como maior liderança pública e dirigente partidária do campo progressista italiano, tenham também como referência figuras como a de Berlinguer. Morto nos anos 1980, Berlinguer — cujo centenário de nascimento foi muito lembrado na Itália em 2022 — fora o grande articulador de uma aliança (o compromesso historico) de reconstrução democrática do país, num pacto que envolveu de comunistas a democratas-cristãos. Foi um quadro capaz de se tornar independente dos soviéticos, de colocar a democracia num novo lugar de prestígio e de dialogar para além da esquerda, sem, porém, nunca se corromper ou abrir mão de um núcleo programático essencial.

Enfim, resta saber se, além das ruas, Elly Schlein saberá se movimentar na institucionalidade e combinar novas pautas (notadamente a defesa da democracia constitucional e temas identitários) com velhas questões (a economia, os direitos sociais, o valor dos salários) que insistem em ser as mais decisivas do processo político. Por enquanto, os sinais são positivos.

Autores

  • é procurador da República, mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília, doutorando em Direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos e pesquisador-visitante na Università degli Studi di Firenze.

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