Opinião

Token de utilidade, de pagamento e referenciado a ativo

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15 de março de 2023, 20h51

De tempos em tempos alguns temas e termos ganham especial destaque no universo empresarial e passam a fazer parte dele, obrigando seus profissionais a uma frequente atualização técnica e de seu vocabulário corporativo. Assim foi quando do início da vigência da Lei nº 12.846/2013 (conhecida como Lei Anticorrupção), época em que efervesceram as discussões sobre compliance, FCPA, Bribery Act e demais normas e procedimentos anticorrupção ou de proteção contra benefícios ou vantagens ilícitas. Assim também recentemente se passou com a vigência da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) e seus conceitos de dados pessoais, peudoanonimização, DPO (também utilizado para a função do encarregado de dados), entre outros.

Atualmente um dos temas e termos correntes (embora nem tão novo) é o da "tokenização" [1].Muita gente já ouviu falar, utilizou um token para validar uma compra, acessar o aplicativo do banco, etc. Mas, afinal, o que é um token, especialmente para quem não domina o complexo mundo da tecnologia?

Uma tradução livre do termo token do inglês nos remete a uma ideia de código, símbolo. O sentido para o nosso tema é esse mesmo: algo que sintetiza e representa/substitui alguma coisa. Assim, de uma forma simples, o token é uma representação de algo. O token é, em grande parte das vezes, uma representação de uma informação ou de um conjunto de informações. Simplifiquemos e voltemos ao uso cotidiano. Ao ir à academia, por exemplo, a pessoa que me atende na recepção me pede o token de acesso. Eu abro o aplicativo que gera um código que pode ser numérico ou com números e letras (alfanumérico), como por exemplo "X112RT". Esse código (token) é o identificador daquela compra/serviço.

E o que isso significa? Significa que um algoritmo gerou um código aleatório que representa e substitui os dados daquela transação, não sendo necessário o trânsito, exposição e conferência de todos os meus dados pessoais, dados da empresa, dados financeiros ou dados do produto/serviço para que se saiba que eu realizei aquela transação, daquela forma, naquela data, com aquela empresa. Dessa forma, a pessoa lança meu token no sistema e, sem acessar qualquer dado pessoal ou financeiro meu, consegue ter a certeza de que eu tenho acesso liberado. Da mesma forma, se for preciso identificar cada dado da transação "X112RT" é possível "destokenizar", ou seja, reverter o processo de substituição e identificar os dados somente quando necessários.

É partindo dessa mesma ideia de código e de que um token pode representar vários dados é que se percebeu que o token pode representar um produto, um serviço, mas também um pagamento, meio de pagamento, e até mesmo um ativo economicamente tangível. Nesse sentido o Parecer de Orientação CVM nº 40 ajuda a compreender os diferentes usos do token sem, contudo, deixar de ressaltar as possibilidades em que as classificações taxonômicas se misturam e que o token possa assumir mais de uma função. Assim, em geral, o token de pagamento replica funções de moeda e meio de troca, enquanto os tokens de utilidade permitem acessar produtos e serviços, e o token referenciado a ativo representa ativo ou conjunto de ativos tangíveis ou intangíveis. Este último está provavelmente entre os temas mais discutidos atualmente. Na esteira do sandbox regulatório e Lift do Banco Central e também pela constante evolução de produtos financeiros atrelados à tecnologia, vê-se a utilização do token referenciado a ativo nas NFTs, na tokenização de ativos imobiliários (o ReitBZ desenvolvido pelo BTG é provavelmente o caso mais conhecido até o momento) e na tokenização de ativos digitais em geral (em grande parte já trazendo a escrituração e registro das transações em blockchain).

Mas por que isso é tão discutido e importante? Como visto acima, o token leva a uma redução no fluxo de informações que gera ao menos duas grandes vantagens: 1) maior proteção dos dados pessoais e financeiros que não trafegam desnecessária e perigosamente; e 2) havendo menos dados processados por transação, menor pressão sobre os sistemas de tecnologia, reduzindo custos, evitando intermediários no processo e fazendo com que cada operação seja mais ágil, segura e menos burocrática.

Há aqui dois pontos a considerarmos. Em geral, transações de alto valor trazem informações complexas e extensas (como informações de ativos financeiros) e é de interesse das partes que tais informações se preservem confidenciais, evitando os riscos de vazamentos de dados, especialmente em um universo em que a segurança da informação progressivamente substitui a ideia de resiliência pela antifragilidade dos sistemas de segurança. Além disso, em um cenário em que cresce o número de instituições de pagamento fiscalizadas e reguladas pelo Banco Central (e seu custo de atualização tecnológica para conformidade com os padrões exigidos pelo Banco Central é extremamente relevante nessa conta), reduzir a quantidade de dados desnecessariamente processados também gera menos pressão sobre os sistemas e seus custos.

Nesse cenário, cada vez mais as discussões sobre tokenização de pagamentos e ativos acontecerão e devem progressivamente ser acompanhadas da discussão sobre escrituração/registro de transações em blockchain (e quais os respectivos protocolos adotados). Blockchain? Isso é papo para um outro dia.

 


[1] E que curiosamente tangencia ambos dos termos anteriormente mencionados. Isso porque o token, assim como proteção de dados pessoais e às condutas anticorrupção também fazem parte de uma governança empresarial de cuidados.

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