Jim Crow revival

Mississippi aprova "apartheid" judicial em cidade mais negra dos EUA

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15 de março de 2023, 11h38

No estado de Mississippi, nos EUA, juízes e promotores são eleitos por voto popular. Aliás, o estado foi o primeiro do país a eleger juízes para todas as instâncias. Mas um projeto de lei, aprovado pelos deputados estaduais, cria um sistema judicial à parte para uma área da cidade de Jackson, a capital do estado: juízes e promotores serão nomeados por autoridades locais.

Wikimedia Commons
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Jackson é a "cidade mais negra dos EUA", de acordo com o último censo (de 2020): mais de 80% da população é negra. No entanto, poderá ter um sistema judicial, que irá cobrir um grande distrito, criado recentemente pela Assembleia Legislativa do estado, em que os moradores não terão mais o direito a eleger juízes e promotores.

O PL (HB 1020) determina:

  • O presidente do Tribunal Superior de Mississippi irá nomear dois juízes para se encarregar das ações judiciais no novo distrito — o presidente do tribunal é branco.
  • O procurador-geral de Mississippi  irá nomear quatro promotores, o chefe da secretaria e quatro defensores públicos — o procurador-geral é branco.
  • O secretário de Segurança Pública do estado será o comandante da força policial do novo distrito, além das funções que já exerce no estado — o secretário é branco.

Nenhuma pessoa negra ocupou qualquer um desses cargos, desde um breve período da Reconstrução, após a Guerra Civil. Tal período terminou quando o direito ao voto dos negros foi eliminado, no que se chamou de "First Mississippi Plan", segundo a revista Essence.

A Assembleia Legislativa de Mississippi é inteiramente controlada por uma supermaioria de parlamentares republicanos brancos. Na votação na Câmara dos Deputados, o PL foi aprovado por 78 votos a 38. Dois deputados negros — um democrata e uma independente — votaram a favor da medida; uma deputada branca independente, que representa a cidade de Jackson, votou contra.

O prefeito de Jackson, Chokwe Antar Lumumba, que é negro,  declarou ao jornal Mississippi Today após assistir os debates e a votação das tribunas da assembleia, o que pensa do projeto de lei:

"Ele me lembra do apartheid. É a mais opressiva legislação na história da cidade, porque elimina o direito da população negra de votar e porque redireciona o dinheiro público para algo que a maioria dos contribuintes não acredita e não apoia."

O deputado democrata Ed Blackmon, que tem uma longa história de defesa dos direitos civis, declarou:

"Só em Mississippi pode acontecer a aprovação de uma lei como essa. Ela equivale à Constituição de 1890, da era Jim Crow (que se refere a uma época, após o fim da escravidão, em que supremacistas brancos aprovaram uma série de leis de segregação racial)."

O autor do PL, deputado republicano Trey Lamar, que é branco e mora a 277 Km de Jackson, argumentou, durante o debate, que o objetivo da lei é tornar a capital do estado mais segura, citando a taxa de criminalidade na cidade, e reduzir o acúmulo de processos nas cortes.

Parlamentares democratas disseram, por sua vez, que outros municípios do estado têm taxas de criminalidade maior que a de Jackson. E que a finalidade do PL não é apenas reduzir a criminalidade na cidade, porque a nova corte também irá julgar casos civis, além de casos criminais.

Argumentaram, ainda, que os líderes republicanos não apresentaram, em qualquer momento, propostas para aumentar o número de juízes eleitos, como medida para reduzir o acúmulo de processos nas cortes e acelerar a justiça. Nem propostas para aumentar o orçamento do Departamento de Polícia, que está sobrecarregado. Com informações dos jornais Mississippi Today, Clarion-Ledger, da emissora de TV CNBC e da revista Essence.

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