Opinião

Debates e soluções para a crise ambiental e social na Amazônia

Autores

  • Erich Adam Moreira Lima

    é perito criminal federal mestre em Geologia com ênfase em Geoquímica e Geocronologia em minerais acessórios com atuação em casos relacionados a desmatamento ilegal extração mineral ilegal gemologia poluição hídrica sensoriamento remoto.

  • Érico Negrini

    é perito criminal federal e especialista em gestão financeira auditoria e controladoria e pesquisador sobre ESG no Programa de Mestrado em Ciências Contábeis da Universidade de Brasília — PPGCont.

14 de março de 2023, 16h16

As preocupações globais em debate na ONU sobre os desafios ambientais, sociais e o alinhamento da governança corporativa, que resultou na criação do acrônimo ESG, alcançou o campo jurídico, potencializando a quantidade de processos judiciais, na área cível e penal, decorrentes das práticas ilícitas relacionadas.

No âmbito do Grupo de Ação Financeira (Gafi), as mais recentes orientações sobre crimes ambientais, divulgadas em 2021, foram acrescidas a outras publicações já existentes, tais como o comércio ilegal de animais silvestres, tráfico humano, exploração trabalhista, mineração ilícita de ouro e inclusão financeira, o que demonstra uma preocupação atual sobre ESG.

Há um esforço global para que as empresas adotem ações e estratégias materialmente relevantes para que possam contribuir efetivamente com o desenvolvimento sustentável, mas a atuação de organizações criminosas transnacionais que lucram com o comércio de fauna ilegal, extração de madeira e pesca, escravidão moderna e tráfico humano, entre outras práticas ilícitas, aponta para a necessidade de avanços no combate à lavagem de dinheiro associada a esses crimes antecedentes.

Nesse contexto, um dos questionamentos a ser enfrentado é sobre como garantir a efetividade da justiça e o enfrentamento de crimes complexos que envolvem as três dimensões ESG e que demandam um amplo conhecimento técnico multidisciplinar?

Para responder a questão, separamos didaticamente a discussão em duas perspectivas argumentativas: i. sobre o ordenamento jurídico brasileiro e os seus atuais instrumentos processuais; e ii. sobre os aspectos técnico-científicos presentes em casos dessa natureza.

A primeira abrange o debate sobre a tutela de interesses difusos, coletivos e individuais. Há um amplo escopo de leis que visam algum tipo de proteção de direitos, entre as quais: as convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) e Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990). Respeitando as posições divergentes, o ponto central dessa discussão, ao que nos parece, não está na quantidade de leis e normas vigentes no País, mas sobre a melhor forma de garantir a sua aplicabilidade e efetividade. Sem esgotar os argumentos em torno de cada uma dessas legislações esparsas, focaremos neste artigo sobre a aplicação do conhecimento técnico-científico no processo judicial.

As ciências forenses foram amplamente difundidas no Brasil e no mundo como um conjunto de disciplinas que utilizam o conhecimento técnico-científico para a elucidação de crimes. Essa característica especial permite a sua interlocução entre as diversas áreas, incluindo a fundamental proximidade com as ciências jurídicas, auxiliando a justiça na produção de provas materiais que são fundamentais para o esclarecimento de crimes.

A própria epistemologia e história do Direito no país justifica a indissociabilidade da prova técnica no processo, como bem ensina o professor Geraldo Prado. Essa previsão foi positivada no Código de Processo Penal, dispondo que quando o crime deixar vestígio, será indispensável o exame de corpo de delito. Em complemento, a Lei Federal 12.030, de 2009, estabeleceu quem são os profissionais responsáveis pelo exercício das atividades de perícia oficial de natureza criminal.

Embora a tipificação dos crimes relacionados ao ESG esteja prevista nas diversas leis esparsas, um conjunto de normas foram publicadas recentemente para que as empresas evidenciem de forma mais completa e transparente as informações relacionadas à sustentabilidade, como forma de coibir as práticas conhecidas como greenwashing e socialwashing. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou em dezembro de 2021 a Resolução 59/2021, que definiu obrigações de evidenciação de informações ESG mais rígidas, no Formulário de Referência, paras as empresas de capital aberto. O Banco Central também publicou um conjunto de orientações de adoção obrigatória sobre novos critérios para concessão de crédito e financiamento para empresas, além da inclusão de fatores ESG nas matrizes de risco no sistema financeiro nacional. O Global Reporting Initiative (GRI), que define os padrões de relatórios de sustentabilidade adotados por mais de 70% das empresas de capital aberto no mundo, promoveu recentemente uma revisão do padrão GRI-304, que trata sobre biodiversidade, com a proposição para que as empresas adotem novas medidas para informar sobre os impactos causados pelas suas atividades corporativas.

A compreensão e aplicação efetiva dessas normas somente é possível a partir de um conhecimento integrado tanto pela área corporativa, quanto pela área ambiental, com potencial repercussão em litígios judiciais. O professor Paul Q. Watchman e Paul Clements-Hunts, conhecidos por serem responsáveis pela criação do ESG na ONU em 2004, também foram os coordenadores da publicação Chasing The Dragon: The Rise of the ESG Law Firm, onde abordam como os escritórios de advocacia precisam se especializar nas questões ambientais, sociais e de governança, atuando não apenas em defesa das corporações, mas também na defesa de direitos difusos e coletivos, para garantir a efetividade da justiça e dos propósitos do ESG, criando um ambiente de segurança jurídica para investimentos em negócios e iniciativas sustentáveis.

Devido à natureza técnica e interdisciplinar da atividade e também por força legal, a atuação do perito criminal sempre estará associada a uma ou mais dimensões do ESG, envolvendo exames relacionados a crimes ambientais, econômico-financeiros ou que afrontam os direitos humanos, por exemplo. Em desastres como os de Mariana e Brumadinho, a perícia teve uma importante atuação na realização de exames periciais para estimar a dimensão dos danos ambientais e materiais, além da identificação de vítimas, utilizando exames de DNA.

A partir de um desses casos, em 2022, a força-tarefa ESG criada pela SEC americana denunciou as empresas responsáveis pela barragem por falhas ou distorções de informações prestadas sobre as medidas de prevenção e segurança adotadas após o desastre, demonstrando, nesse caso, a importância de uma visão técnica integrada e multidisciplinar (ambiental, engenharia, corporativa, financeira, contábil e jurídica).

No recente caso envolvendo a atividade ilegal de garimpos e a situação social emergencial dos povos indígenas yanomamis no bioma da Amazônia, a atuação da perícia tem sido fundamental para a materialização dos crimes ambientais e contra os direitos humanos, bem como na identificação dos responsáveis por essas práticas.

É inegável que a gravidade da situação de afronta aos direitos humanos naquela região está associada a crimes ambientais relacionados a atividades de extração de ouro por garimpos ilegais e a práticas ilícitas ao longo da cadeia produtiva com a finalidade de lavagem de dinheiro. Segundo estudo realizado pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), entre janeiro de 2021 e junho de 2022, cerca de 30% do ouro comercializado no Brasil pode ter sido produzido ilegalmente, sobretudo em terras indígenas e unidades de conservação na região Norte.

No âmbito da Polícia Federal, para coibir esses crimes, foi criado o "Programa Ouro Alvo", que adota o conceito de "passaporte geoforense", com o objetivo de estabelecer uma "certificação" que indique que o processo desde a extração até a comercialização do ouro ocorreu seguindo padrões internacionalmente aceitos. O programa contempla a criação do Banco Nacional de Perfis Auríferos (Banpa) e a utilização de parâmetros como morfologia, mineralogia, composição química/isotópica e marcadores artificiais para permitir a rastreabilidade.

Em relação a legislação atual, a Lei nº 12.844/2013, em seu artigo 39, dispõe sobre a presunção de legalidade do ouro adquirido pessoa jurídica de boa-fé quando as informações prestadas pelo vendedor estiverem devidamente arquivadas na sede da instituição legalmente autorizada a realizar a compra de ouro — distribuidoras de títulos e valores mobiliários (DTVM). O atual dispositivo legal dificulta a identificação do caminho percorrido desde a sua origem, resultando em incentivos para práticas ilícitas por meio do emprego nas fases iniciais de interpostas pessoas e permissões de lavra garimpeiras (PLG) com informações sobre a origem da extração do ouro falsas para dar ares de legalidade às operações.

Em 2021, na da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), foi proposta uma ação com o seguinte objetivo: "aprimorar a normatização, os mecanismos de rastreabilidade e a fiscalização da cadeia produtiva do ouro, no intuito de integrar a atuação dos órgãos intervenientes e mitigar os riscos de uso do comércio desse metal para lavagem de dinheiro". O relatório da ação revela a necessidade de modificação das capacidades fiscalizatórias estatais, sobretudo com o emprego de sistemas informatizados e integrados de rastreabilidade, para a realização da circularização confirmatória de dados, em substituição à veracidade declaratória e presumida atualmente em vigor.

Como resultado mais recente da referida ação, a Agência Nacional de Mineração aprovou uma norma que estabeleceu instrumentos fundamentais na repressão à lavagem de dinheiro da indústria mineral ilegal. As mineradoras deverão manter um cadastro estruturado de clientes e o registro de todas as operações realizadas pelo prazo de dez anos. Ademais, os mineradores deverão informar quaisquer operações suspeitas, a partir de um rol exemplificativo de situações que possam caracterizar a lavagem de dinheiro. Essas empresas devem assegurar o cumprimento dos seus deveres de integrantes do Sistema de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa (PLD/FTP), estabelecidos nos artigos 10 e 11 da Lei nº 9.613, de 1998.

Em países como os Estados Unidos, por exemplo, empresas reguladas pela Comissão de Valores Mobiliários são obrigadas, por força da Lei Dodd Frank, a divulgar se utilizaram em suas cadeias produtivas, "minerais de conflito" (3TG — "tin" — estanho, "tungsten" — tungstênio, "tantalum" — tântalo e "gold" — ouro) e se eles são originários da República Democrática do Congo ou de região adjacente, além de descreverem as medidas tomadas para exercer a devida diligência, a descrição dos produtos, as instalações usadas para refinar os minerais de conflito, o país de origem e os esforços para determinar a mina ou local de origem com o maior detalhamento possível.

Outros países como Suíça e França também já adotam ferramentas de rastreabilidade que são importantes para viabilizar o controle da produção e comercialização, além da fiscalização e repressão a fraudes. O Gafi, por meio do relatório Money laundering and terrorist financing risks and vulnerabilities associated with gold identifica as principais tipologias, assim como as diferentes características que tornam o ouro atraente para criminosos usarem como veículo para lavagem de dinheiro, sobretudo pela estabilidade monetária e facilidade de transformação.

A cadeia produtiva aurífera também apresenta oportunidades de geração de lucro para os criminosos em cada estágio, desde a extração mineral até o varejo.

Diante dessas constatações, é imperativo que o Brasil modernize a sua legislação, com a revogação do §4º, artigo 39 da Lei 12.844/2013, e, concomitantemente, a adoção mecanismos de rastreabilidade para a cadeia do ouro, com a integração de sistemas e a implementação da nota fiscal eletrônica já na primeira etapa após a sua produção.

A ampliação do papel da justiça em um contexto global cada vez mais abrangente, complexo e transversal demandará uma maior participação e integração das ciências forenses, como forma de garantir a celeridade e efetividade processual.

A exigência na adoção de novos padrões de informações em relatórios sobre sustentabilidade, a responsabilidade das empresas e seus fornecedores ao longo da cadeia produtiva e o papel dos conselhos são algumas das questões corporativas que precisarão estar integradas com os objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030.

Novos marcos legais e normativos sobre ESG que tratam de temas contemporâneos e controversos como greenwashing e socialwashing, ampliarão a demanda de acesso à justiça, exigindo investimentos em ciência, tecnologia e na adoção de meios alternativos mais céleres para a solução de conflitos.

Autores

  • é perito criminal federal, mestre em Geologia com ênfase em Geoquímica e Geocronologia em minerais acessórios, com atuação em casos relacionados a desmatamento ilegal, extração mineral ilegal, gemologia, poluição hídrica, sensoriamento remoto.

  • é perito criminal Federal e especialista na área contábil, econômica e financeira.

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