Opinião

Conselho da Justiça Federal estimula emprego de IA em arbitragens

Autores

  • Gisela Mation

    é sócia da área de Arbitragem.

  • Maria Dória

    é advogada da área de Arbitragem.

  • Sávio Andrade

    é advogado sênior no Machado Meyer Advogados mestrando em Direito e Tecnologia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) pesquisador do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV e pós-graduado em Data Science Big Data e Inteligência Artificial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

6 de março de 2023, 7h04

O potencial da inteligência artificial é enorme e sua utilização pode trazer projeções extraordinárias para o desenvolvimento. Contudo, por não se tratar de uma tecnologia binária de fácil aplicação, carrega consigo uma série de desafios para o máximo aproveitamento de suas potencialidades.

De forma geral, podemos afirmar que a inteligência artificial opera a partir de algoritmos que realizam inferências a partir de dados e acumulam conhecimento e aprendizagem a partir das experiências anteriores.

Ao longo do tempo, o sistema vai se aprimorando e deveria sempre possibilitar o rastreamento dos padrões detectados, para que conseguíssemos entender seus mecanismos e compreender como as conclusões apresentadas foram alcançadas. No entanto, nem sempre é assim e muitas vezes o aprendizado da máquina não é mapeável, constituindo uma verdadeira black box não acessível nem suficientemente inteligível pelo ser humano.

Além disso, a comunidade internacional já noticia diversos casos de conclusões equivocadas ocorridas quando a inteligência artificial é utilizada para questões mais sofisticadas, isto é, além de tarefas repetitivas operacionais que contam com orientações de humanos. Não à toa, estão em curso relevantes discussões globais sobre os problemas relacionados à dificuldade de rastreamento da conclusão dos algoritmos, o enviesamento dos dados utilizados que levam a conclusões viciadas e, consequentemente, a responsabilização decorrente do seu uso.

No Brasil, ainda não há regulamentação específica sobre o tema, vez que o marco legal da inteligência artificial, aprovado na Câmara dos Deputados em setembro de 2021, ainda aguarda tramitação no Senado. No entanto, é imprescindível que, desde logo, o seu emprego observe princípios éticos e jurídicos e obedeça critérios técnicos de confiabilidade, rastreamento e accountability. Assim, é fundamental estabelecer uma acurácia mínima a fim de dar segurança aos envolvidos.

Também no segundo semestre de 2021, o Conselho da Justiça Federal (CJF) realizou a 2ª Jornada para Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios para buscar saídas eficientes à grande quantidade de demandas existentes no país. Dentre os enunciados aprovados, destaca-se o de nº 106 [1], que justamente incentiva o emprego de inteligência artificial em arbitragens.

Hoje já é possível imaginar, por exemplo, o seu emprego em transcrições e traduções, análise e sistematização de documentos ou até mesmo no apoio à indicação de árbitros, com verificação de competências e checagem de conflitos. São várias as possibilidades de empregar técnicas de inteligência artificial para contribuir com o aperfeiçoamento da eficiência dos atos processuais nos processos arbitrais. Estes atos incluem tanto os praticados pelos árbitros, quanto aqueles praticados pelos advogados e peritos. Abrangem também tanto atividades realizadas dentro do próprio processo em si, quanto atividades preparatórias.

A intenção de estimular o uso de inteligência artificial em favor da resolução de conflitos é louvável e necessária. E na busca de maior eficiência, o seu incentivo deve ser acompanhado de orientações quanto aos limites de sua extensão, às fases de sua aplicabilidade e aos meios de sua verificação. Ou seja, o devido processo legal, como o conhecemos, precisa ser atualizado para comportar a realidade da utilização da inteligência artificial.

Nesse contexto, acertou o CJF ao apontar, na justificativa do referido enunciado, ser preciso "que esse fenômeno observe as garantias constitucionais do devido processo legal, notadamente o direito de participação e ao contraditório".

A ponderação foi pertinente até mesmo porque a cautela é ainda mais recomendada em procedimentos arbitrais, a fim de evitar que a parte adversa tenha elementos para fundamentar eventual propositura de ação anulatória e, assim, prejudicar tanto a celeridade quanto a segurança jurídica, duas das principais vantagens dos procedimentos arbitrais.

Com efeito, não se pretende rechaçar o emprego da inteligência artificial na resolução de conflitos. Como bem apontado pelo Conselho da Justiça Federal, seu uso pode contribuir para que as disputas sejam resolvidas com mais eficiência e menos morosidade.

No entanto, seu emprego merece cuidados e providências. Na falta de regulamentação específica, é imprescindível que os advogados estejam atentos e trabalhem para que o uso de ferramentas de inteligência artificial observem a ampla defesa, o contraditório e a garantia do livre convencimento do árbitro.

As consequências diretas dos avanços tecnológicos já chegaram e, mais do que nunca, as partes precisam, desde logo, estar bem assessoradas por profissionais multidisciplinares que não apenas dominem o direito, mas que também tenham o conhecimento necessário para entender, em tempo real, de que forma a aplicação da inteligência artificial pode impactar na resolução do litígio e agir, rapidamente, em favor do seu cliente.


[1] "Enunciado 106: É admissível na arbitragem valer-se das ferramentas tecnológicas de inteligência artificial para subsidiar as partes e o árbitro no curso do procedimento".

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