Opinião

A reforma trabalhista no TST e a violação ao princípio da confiança

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31 de maio de 2023, 11h15

Desde sua entrada em vigor, a reforma trabalhista, inserida pela Lei nº 13.467/17 no ordenamento jurídico brasileiro, tem gerado questionamentos de empregados e de empregadores em relação a sua incidência nos contratos de trabalho firmados antes dela. Para pacificar o tema e fixar um precedente, o pleno do TST (Tribunal Superior do Trabalho)  ou seja, os seus 26 ministros  devem fazer um julgamento nos autos do RREmbRep nº 528-80.2018.5.14.0004.

A remessa do caso ao tribunal pleno é obrigatória de acordo com as regras internas da corte, que estabelecem que o órgão deve deliberar sobre questões controvertidas quando a Seção de Dissídios Individuais (SDI) propõe um resultado que entra em conflito com decisões reiteradas de cinco ou mais turmas do TST, suspendendo assim a proclamação do resultado.

TST
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Nesse caso, a discussão surgiu devido ao conflito entre a proposta de voto e o que vinha sendo decidido nas turmas. A SDI-1, por maioria, entendeu que a aplicação da reforma em contratos existentes violaria o direito adquirido.

A sessão ocorreu no início desse ano e, com um placar apertado, de sete votos a seis, surpreendeu, pois as 1ª, 4ª, 5ª, 7ª e 8ª Turmas têm decidido que a reforma trabalhista vale indistintamente para todos os contratos de trabalho. Em outras palavras, os dispositivos da CLT alterados pela reforma se aplicam aos contratos em curso no momento da sua entrada em vigor, independentemente de serem favoráveis ao trabalhador ou à empresa. Esse entendimento se baseia no Tema nº 24 da tabela de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal (STF).

Apesar de passados mais de cinco anos da publicação e vigência da reforma trabalhista, ainda há discrepância nos julgamentos levados a efeito pelos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT). A relevância do julgamento nos últimos cinco anos, nesse contexto, é inequívoca, uma vez que o impacto pode ser enorme para empregados e empresas.

Isso ocorre porque parte da doutrina e jurisprudência entende que o contrato de trabalho é protegido como um ato jurídico perfeito, proibindo que as mudanças de 2017 se apliquem aos contratos já vigentes naquele momento. Além disso, argumenta-se que os direitos trabalhistas são irrenunciáveis e que normas mais favoráveis ao trabalhador devem ter aplicação imediata, algo amparado pelo artigo 5º, §1º, da Constituição.

No entanto, há entendimento distinto na doutrina e na jurisprudência, concluindo que a não alteração das condições contratuais está limitada a algumas situações legalmente previstas, especialmente os direitos básicos e essenciais do trabalhador. Desde que atendidas as restrições e os requisitos legais, que não precisam ser expressos no contrato, pois decorrem de lei, a essência do contrato e seu comprometimento na execução são preservados, considerando a natureza contínua das relações de trabalho.

Reconhecendo, portanto, que o contrato de trabalho tem caráter contínuo, mantendo proteções mínimas, se considera igualmente que ele sofre alterações ao longo de sua execução, se adaptando às transformações sociais.

É importante destacar que a legislação deve se adequar à realidade social em que é aplicada, a fim de refletir as necessidades sociais e pacificar os conflitos existentes. Portanto, o contrato deve se lastrear na legislação vigente e nas práticas legalmente admitidas pelas partes envolvidas. A supressão de direitos por alterações normativas não garante que trabalhadores ou empregadores exijam cumprimento retroativo desses direitos.

Além disso, a instabilidade, a insegurança e a descrença no Poder Judiciário passam a ser tônicas do debate, pois é esperado que o sistema jurídico seja estável, confiável e proteja as expectativas dos indivíduos de que as leis e as decisões judiciais são consistentes, princípios elementares e constitutivos do Estado de Direito que garante que trabalhadores e empregadores conduzam e planejem suas vidas de forma autônoma e responsável.

Essas proteções constitucionais não impedem, porém, a atuação jurisdicional. Pelo contrário, elas pressupõem a mudança de entendimentos e fundamentos jurídicos e, ao antevê-la, propõem a aplicação de um regime protetivo àqueles que foram atingidos pela mudança (como no caso da modulação de efeitos). Portanto, é inaceitável que um comportamento social baseado em razões objetivas de legalidade seja repentinamente alterado por conta de uma alteração imprevisível na linha de conduta que antes era adotada pelo Poder Judiciário.

O STF já se manifestou acerca do tema, afirmando que os postulados da segurança jurídica e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, tem alto valor ético, social e jurídico, devendo ser aplicados sempre que houver uma alteração substancial nas diretrizes de interpretação, sendo obrigatórios para todos os Poderes do Estado. Isso permite preservar situações já consolidadas no passado, anteriores aos marcos temporais definidos pelo próprio tribunal. 

Em resumo, as mudanças legislativas devem convergir com o momento social, muitas vezes com o fim de desburocratizar o direito e as relações trabalhistas atuais, além de seguir a interpretação adotada pelos Tribunais na aplicação das normas. Se não, há o risco de não se cumprir o dever estatal de manter a jurisprudência estável, íntegra e coerente.

Portanto, o ordenamento jurídico, considerando as demandas sociais e trabalhistas modernas, incorporou a reforma trabalhista por meio do Poder Legislativo, e ela deve ser plenamente válida e aplicável aos contratos de trabalho, independentemente da data de constituição, pois sua execução ocorre ao longo do tempo e está sujeita às alterações impostas pela norma que a regula.

Por fim, é importante considerar o diálogo entre o direito e a economia, bem como os diversos aspectos contemplados nessa dinâmica. O papel do Poder Judiciário no sistema socioeconômico do país não se limita apenas aos efeitos desse julgamento, na medida em que a própria legislação sinalizou em 2017 a necessidade de adequação das decisões judiciais à realidade, buscando tomar decisões juridicamente corretas, mas em consonância com a realidade econômica, social e política.

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