Opinião

Como o governo federal pode liderar uma nova era da cannabis no Brasil

Autor

  • João Gabriel Souza de Carvalho

    é sócio do escritório Souza de Carvalho Sociedade de Advogados pós-graduando em Direito Regulatório pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e especialista em processos que buscam garantir o acesso de pacientes a tratamento à base de cannabis medicinal e em compliance e operações empresariais voltadas ao mercado da cannabis.

29 de maio de 2023, 13h21

Sem ignorar as dificuldades no avanço de um tema ainda repleto de preconceito e desinformação, nunca houve um cenário tão favorável à agenda da cannabis na história do Brasil. Espalha-se por todo o país um movimento político que se manifesta no conjunto de projetos de lei aprovados, na intensa mobilização da sociedade civil organizada, bem como nas articulações políticas envolvendo parlamentares e ministros em torno da pauta.

Alguns ministros do novo governo já acenaram favoravelmente para a pauta canábica, o que não é nada trivial. A propósito, o ministro Silvio Almeida (Direitos Humanos), ao se manifestar a favor da descriminalização das drogas, citou a necessidade de o Supremo Tribunal Federal pautar o julgamento do Recurso Extraordinário 635.659, que discute a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/06 (tipificação do porte de drogas para consumo pessoal). O ministro citou o conservadorismo que permeia a sociedade brasileira ao dizer que o povo não está preparado para receber essas mudanças, mas que é papel do Estado preparar a sociedade para o debate.

Na esfera judicial, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad) apresentou nota técnica nos autos do incidente de assunção de competência que trata da autorização sanitária para importação de sementes e cultivo de cannabis para fins medicinais, farmacêuticos ou industriais. Na ocasião, citou-se o contrassenso que há na simultaneidade de normas que autorizam a importação e fabricação dos produtos derivados de cannabis e outras que conferem a proibição do uso da planta. Enfim, a conclusão foi a favor de uma regulação ampla do cultivo de cannabis com baixa concentração de THC.

A manifestação da Senad apresenta um efeito político positivo para a pauta por se tratar de órgão pertencente à estrutura organizacional do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ou seja, há um posicionamento claro de parte da administração pública federal em prol da regulação do cultivo de cannabis. 

Tais declarações e posicionamentos podem impulsionar a Esplanada dos Ministérios a superar as barreiras políticas capazes de inibir iniciativas do governo. A possibilidade de maior articulação interministerial garantiria à pauta maior fôlego em outras pastas, que não necessariamente as da saúde e da justiça, fazendo jus ao caráter multidisciplinar que circunda o tema. 

Ricardo Tolomelli/Divulgação
Ricardo Tolomelli/Divulgação

Cabe ao governo ouvir a voz da ciência e valorizar suas descobertas, reconhecer o impacto econômico, incentivar a base de apoio no Congresso, conhecer as experiências de outros países, inclusive vizinhos, e perceber a tendência internacional de distanciar a cannabis da política de drogas repressiva e proibicionista. 

Também é preciso executar um trabalho coordenado entre os ministérios da Saúde, da Justiça, da Ciência e Tecnologia, da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário, do Meio Ambiente e da Fazenda. É um esforço que abrange os setores do agronegócio, da indústria, da construção civil, dos cosméticos e da alimentação. 

A própria Senad poderia se valer de ações no âmbito do Grupo de Trabalho para Classificação de Substâncias Controladas, criado pela Portaria Anvisa nº 898/2015, já que o objetivo desse grupo é aperfeiçoar o modelo regulatório de controle das substâncias proscritas e sujeitas a controle especial.

É preciso considerar ainda a numerosa ala conservadora que compõe o Congresso, de modo que o constante movimento da sociedade civil, do mercado e de setores da política, assim como a promoção do debate para que o acesso à cannabis medicinal seja satisfatório, devem ser articulados de maneira estratégica para que a pauta da cannabis faça parte da agenda nacional.     

Resta converter um ambiente favorável em mudança real. E o governo federal tem tudo para liderar esse processo, sem desrespeitar o curso da pauta no Congresso.

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  • é sócio do escritório Souza de Carvalho Sociedade de Advogados, pós-graduando em Direito Regulatório pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e especialista em processos que buscam garantir o acesso de pacientes a tratamento à base de cannabis medicinal e em compliance e operações empresariais voltadas ao mercado da cannabis.

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