Opinião

Entendimento do STJ sobre a não "limitação" dos descontos em conta

Autores

  • Vinícius Adami Casal

    é advogado graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com a distinção da Láurea Acadêmica mestre em Direito Econômico pela UFRGS e autor do livro A Lei da Liberdade Econômica à Luz do Direito Econômico: Análise da Lei 13.874/2019 (Lumen Juris 2023).

  • Juliano Pozatti Moure

    é advogado graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) certificado pela Certified Information Privacy Manager (CIPM) e pela International Association of Privacy Professionals (Iapp).

28 de maio de 2023, 9h18

A economia brasileira depende muito da concessão de crédito ao mercado consumidor interno. Para tanto, o conhecimento a respeito da realidade e da saúde financeira de cidadãos tomadores de crédito é fator primordial para a ausência de eventuais "surpresas" em casos de inadimplemento.

Nesse diapasão, é necessário o destaque ao crédito consignado. Tal crédito, concedido mediante desconto em folha de pagamento, é tido por um crédito "mais barato", justamente em razão da ausência de ingerência do devedor sobre essa parcela de sua remuneração, existindo uma verdadeira "trava" neste numerário, que vai, diretamente, à instituição que lhe concedeu o crédito. Neste sentido, soa importante o destaque ao Tema 1085 do STJ, vejamos [1]:

"(…) O empréstimo consignado apresenta-se como uma das modalidades de empréstimo com menores riscos de inadimplência para a instituição financeira mutuante, na medida em que o desconto das parcelas do mútuo dá-se diretamente na folha de pagamento do trabalhador regido pela CLT, do servidor público ou do segurado do RGPS (Regime Geral de Previdência Social), sem nenhuma ingerência por parte do mutuário/correntista, o que, por outro lado, em razão justamente da robustez dessa garantia, reverte em taxas de juros significativamente menores em seu favor, se comparado com outros empréstimos. (…)."

O empréstimo consignado, pois então, tem toda uma lógica de maior "garantia" para a instituição financeira, isso porque pessoas empregadas, na maior parte das vezes, sempre recebem seus pagamentos (isso em cenários econômicos "normais") e, existindo essa "trava", que, diretamente, envia o dinheiro para a instituição financeira, o risco de inadimplemento é menor.

Diferentemente disso, temos também a modalidade de empréstimos bancários tidos, na acepção do STJ, como "comuns", ou seja, não vinculados a um desconto "obrigatório" na folha de pagamentos das pessoas, podendo, nestes casos, existir cláusulas que permitam, em caso de inadimplemento, o desconto na conta corrente do tomador do empréstimo, o que, na visão do STJ, é assim visto, isso no caso a caso dos contratos bancários [2]:

"(…) Diversamente, nas demais espécies de mútuo bancário, o estabelecimento (eventual) de cláusula que autoriza o desconto de prestações em conta corrente, como forma de pagamento, consubstancia uma faculdade dada às partes contratantes, como expressão de sua vontade, destinada a facilitar a operacionalização do empréstimo tomado, sendo, pois, passível de revogação a qualquer tempo pelo mutuário. Nesses empréstimos, o desconto automático que incide sobre numerário existente em conta corrente decorre da própria obrigação assumida pela instituição financeira no bojo do contrato de conta corrente de administração de caixa, procedendo, sob as ordens do correntista, aos pagamentos de débitos por ele determinados, desde que verificada a provisão de fundos a esse propósito."

Pois bem, o que importa destacarmos é que existe Lei, alterada em 2022, aumentando os limites possíveis de "empenho", que limita, para os casos de empréstimos compulsórios (logo, somente, a princípio, para essa modalidade de empréstimo), os percentuais possíveis de desconto, o fazendo nos seguintes moldes:

"Artigo 1o Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos.
§1º O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 40%, sendo 35% destinados exclusivamente a empréstimos, financiamentos e arrendamentos mercantis e 5% destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito consignado ou à utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de crédito consignado."

Como se vê, os descontos restam limitados em 40% dos rendimentos da pessoa física, sendo que 35% para despesas em geral de empréstimos e 5% possíveis de ser descontados em razão de despesas de cartão de crédito consignado. No entanto, uma pergunta sempre pairou esta realidade: seria essa limitação possível de ser estendida para todos os casos de empréstimos, abarcando, então, os empréstimos não consignados, estes tidos, na lógica do STJ, como "comuns"?

Rios de tinta foram vertidos sobre a matéria, mas o STJ sedimentou o entendimento no ano de 2022, entendendo que a limitação percentual dos descontos somente incidiria para os casos de empréstimos consignados, inexistindo limitação para os "empréstimos comuns". Vejamos a Tese formulada, então:

"(…)  Tese Repetitiva: São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no §1º do artigo 1º da Lei nº 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento." [3]

Ou seja, é preciso atenção do consumidor na hora de celebração dos contratos de empréstimo tidos por "comuns", sendo importante o estudo do contrato em particular por profissionais especializados, isso para se evitarem surpresas posteriores, haja vista a inexistência, via legislação e jurisprudência, da limitação percentual de eventuais descontos em conta corrente, mesmo que utilizada, a conta em si, para recebimento do salário, consoante entendimento do STJ.

De todo modo, situações desproporcionais serão evidentemente revistas pelo Poder Judiciário, todavia, a lógica do julgado, tido por um Tema Repetitivo, logo vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário, dá o tom da controvérsia e demonstra que descontos acima de 40%, que não sejam absurdos, poderão ser tidos como válidos. Toda a atenção e cuidado é pouco, então, por parte do consumidor.

 


[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ).  REsp nº 1.863.973/SP, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 9/3/2022, DJe de 15/3/2022.

[2] Idem.

[3] Idem.

Autores

  • é advogado, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com a distinção da Láurea Acadêmica, mestre em Direito Econômico pela UFRGS e autor do livro A Lei da Liberdade Econômica à Luz do Direito Econômico: Análise da Lei 13.874/2019 (Lumen Juris, 2023).

  • é advogado, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), certificado pela Certified Information Privacy Manager (CIPM) e pela International Association of Privacy Professionals (Iapp), associação da qual faz parte.

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