Opinião

Estudo de Componente Indígena no licenciamento ambiental

Autores

  • Millena Correia Bastos

    é advogada de Direito Ambiental e Minerário pós-graduada em Direito Minerário pelo Centro de Estudos em Direito e Negócio (Cedin) coautora do livro Dimensões jurídicas das políticas públicas – Vol. 1 e autora de artigos publicados nos livros Energia e Meio Ambiente Tomo II Synergia Editora 2021 e Direito Minerário em Foco – Tomo II Synergia Editora 2021.

  • Pedro Henrique Moreira

    é advogado de Direito Ambiental professor de Direito Ambiental e Indigenista doutorando em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC) e pós-graduado em Direito Constitucional.

28 de maio de 2023, 11h17

Os estudos ambientais propõem-se à proteção do meio ambiente, buscando, com isso, o cumprimento do direito coletivo pelo equilíbrio ambiental às presentes e futuras gerações. Da mesma forma, têm potencial de manter a segurança jurídica aos empreendedores, suas atividades econômicas e à sociedade.

Nesse contexto, o licenciamento ambiental é um dos instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei Federal nº 6.938/1981), de modo que a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental (artigo 9º, inciso IV e artigo 10), seja pelo órgão ambiental federal (artigo 7º, da Lei Complementar Federal nº 140/2011), seja pelos estados ou mmunicípios.

Além de fixar a competência comum entre os entes federativos (União, estado, Distrito Federal e municípios) para o licenciamento ambiental, a Lei Complementar Federal nº 140/2011 ainda garantiu a participação de outras instituições interessadas nos processos de licenciamento, respeitados os prazos e procedimentos do licenciamento ambiental (artigo 13, §1º).

No caso de licenciamento ambiental que trate de empreendimento ou atividade que possa afetar os interesses dos povos indígenas, será a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) o órgão diretamente interessado com atribuição para atuar no bojo dos processos administrativos (Portaria nº 666/PRES, de 17 de Julho de 2017). Isso porque, cabe à fundação proteger e promover os direitos das comunidades indígenas no Brasil, garantindo políticas voltadas ao desenvolvimento sustentável dessas populações.

A respeito do interesse dos povos indígenas no bojo dos licenciamentos ambientais, poderão ser resguardados pelos estudos socioambientais desenvolvidos administrativamente, quais sejam, os Estudos de Componente Indígena (ECI)  que integram os Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima). Note-se, o ECI é a análise das características étnicas, sociopolíticas, culturais e tradicionais da comunidade indígena, para eventual identificação da ocorrência de impactos decorrentes de empreendimento ou atividade e, se for o caso, a extensão dos impactos para a indicação de eventuais medidas de mitigação e compensação.

Conforme se extrai do Termo de Referência para a elaboração do EIA/Rima de Belo Monte, aplicado a título exemplificativo, o ECI deve demonstrar a viabilidade da obra no aspecto do componente indígena, de forma a subsidiar a manifestação da Funai ao órgão licenciador. É de se indicar que os estudos referidos, no caso de constatado impacto a comunidades indígenas, devem apresentar ações de mitigação e compensação adequadas.

Tais estudos devem conter abordagem interdisciplinar e envolver metodologias na área da "antropologia, sociologia, história, economia, geografia (…) biologia, engenharia florestal, engenharia civil, agronomia, geologia e ecologia". Assim, "os estudos devem ser compostos por pesquisa de campo, bibliográfica, documental e cartográfica", sendo necessário garantir a participação da comunidade indígena nas diferentes fases do estudo  por meio da consulta livre, prévia e informada (Convenção 169, da OIT).

Significa dizer que, durante a elaboração do ECI  custeado pelo empreendedor titular do licenciamento ambiental pretendido  as comunidades indígenas que poderão ser afetadas devem recebem todas as informações acerca da atividade que será desenvolvida. Referidas diligências podem demandar a aplicação de Protocolo de Consulta, bem como a participação do Ministério Público Federal e da própria Funai, de forma a garantir e registrar a participação das comunidades interessadas.

A partir das informações técnico-científicas apresentadas no ECI, a Funai manifestará se entende pela viabilidade ou inviabilidade do empreendimento. Caso entenda viável, relatará no parecer as ações que devem ser adotadas para afastar impactos negativos e "otimizar os impactos positivos identificados no EIA". Ou seja, mais que identificar a viabilidade da atividade em face dos interesses indígenas, o ECI também exerce papel na definição de parâmetros técnicos que devem ser observados pelo empreendedor quando da compensação e mitigação.

Nesse sentido, considerando a necessidade de abarcar os interesses indígenas nos processos de licenciamento ambiental, por força constitucional e legal, bem como de estabelecer o alcance das medidas compensatórias e mitigatórias, o ECI também desempenha papel importante na garantia da segurança jurídica para os empreendedores.

José Afonso da Silva descreve a segurança jurídica como o "conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida. Uma importante condição da segurança jurídica está na relativa certeza que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída" (SILVA, J., 2006, p. 133).

A estabilidade das relações jurídicas como condição objetiva da segurança jurídica encontra razão de ser aos empreendedores que, diante de normas objetivas, podem assegurar os parâmetros para a operação do empreendimento sob o licenciamento. Significa, então, dizer: o componente indígena no EIA/Rima mapeia a extensão dos impactos para a indicação de eventuais medidas de mitigação e compensação.

O mapeamento citado pode  e recomenda-se que seja — basear as ações societárias do empreendimento. Isso porque, o ECI permite o levantamento dos custos envolvidos no processo de licenciamento  sobretudo no que diz respeito a compensações e medidas de mitigação  o que contribui no ajuste de expectativas de proveito econômico com a realidade do empreendimento.

No mesmo sentido, referido estudo viabiliza o entendimento multidisciplinar acerca das potencialidades e limitações das atividades que se pretende executar — o que possibilita uma abordagem dinâmica e estratégica na definição de ações para a fase de instalação e operação do empreendimento. Isso, note-se, estando resguardada a garantia das boas práticas socioambientais que contribuem no posicionamento da empresa no mercado e em face dos órgãos ambientais e Instituições de Justiça.

Diante desse cenário, o ECI se consolida no atual cenário jurídico-ambiental como instrumento técnico  para orientação do Estado e dos empreendedores em face das demandas de atividades  e também como um instrumento jurídico-político. Significa dizer que seus impactos se prolongam para além da emissão da licença ambiental, contribuindo no tom das ações executadas pelo empreendimento  nos limites da tecnicidade e da boa-fé em face dos princípios ambientais, dos Direitos Humanos e da legalidade e legitimidade confirmadas pelo integral atendimento das regras, requisitos e fases dos processos de licenciamento.

Autores

  • é advogado de Direito Ambiental, professor de Direito Ambiental e Indigenista, doutorando em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC) e pós-graduado em Direito Constitucional.

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