Opinião

Decisão do STJ sobre incentivos de ICMS não dá cheque em branco para o Fisco

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24 de maio de 2023, 20h32

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu decisão de grande importância para os contribuintes no julgamento dos Recursos Especiais nº 1.945.110 e nº 1.987.158, com efeitos repetitivos (Tema 1.182), tratando da não incidência do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre os valores dos benefícios fiscais de ICMS. Na oportunidade, foram fixadas três teses a seguir comentadas.

Foi confirmado o entendimento anterior proferido no EREsp 1.517.492 de que o valor do crédito presumido de ICMS não deve compor as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL sob pena de ferir o princípio constitucional do pacto federativo (item 1 da tese fixada), situação essa que não exige o atendimento de qualquer requisito legal como a constituição de reserva própria, ou a vedação à distribuição a acionistas ou a quotistas.

Apesar desse julgado ter sido proferido com efeito repetitivo apenas em face do crédito presumido de ICMS, entendemos que tal fato não obsta o direito de os contribuintes pleitearem o mesmo tratamento aos benefícios que se assemelhem ao crédito presumido, tal como ocorre com o crédito outorgado de ICMS, dentre outros.

Por sua vez, a tese baseada na aplicação do pacto federativo foi afastada em relação a outros tipos de benefícios fiscais deste imposto estadual, como a redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, etc.

Para esses outros incentivos, o STJ entendeu serem aplicáveis apenas as normas contidas na Lei Complementar nº 160/2017, a qual, alterando o artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, equiparou todos os benefícios fiscais de ICMS a uma subvenção para investimento, se atendidos os requisitos nelas previstos, para fins de exclusão dos respectivos valores das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Diferentemente do que vinha entendendo a RFB em respostas a consultas formuladas pelos contribuintes, essa Corte Superior fixou a tese de que, no caso de aplicação da LC nº 160, não deve ser exigida a demonstração de que os recursos subvencionados sejam endereçados a projetos a projetos voltados aoestímulo, à implantação ou à expansão de empreendimentos econômicos (item 2 da tese fixada).

Ainda em relação à LC nº 160/2017, o julgado sob foco concluiu que, como não foi revogado o parágrafo 2º do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 (obriga que o valor da subvenção seja registrado em reserva, não seja distribuído a sócios e acionistas e que a ele não seja dada destinação diversa), a dispensa de comprovação prévia de que a subvenção foi concedida como estímulo à implantação ou à expansão do empreendimento econômico não obsta a RFB de proceder ao lançamento do IRPJ/CSLL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico (item 3 da tese fixada).

A redação desse trecho final do item 3 da tese não foi clara e provoca dúvidas e interpretações divergentes, entre o fisco e os contribuintes, sobre o resultado deste julgamento, em relação à aplicação das disposições da LC nº 160/2017, nos seguintes pontos:

– Item 2: dispensa de demonstração prévia de concessão da subvenção como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

– Item 3: o fisco pode verificar posteriormente se os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.

É discutido se o teor do item 3, ao permitir que a fiscalização federal verifique, a posteriori, se os valores dos benefícios de ICMS foram utilizados para finalidades estranhas à viabilidade do empreendimento, estaria em aparente conflito com a premissa adotada no item 2 da tese que, categórica e cristalinamente, determina que não deve ser exigida a comprovação de que o benefício se refere à implantação ou à expansão de empreendimentos.

Na nossa visão, considerando a posição peremptória fixada no item 2 da tese, a interpretação mais adequada é no sentido de que a possibilidade de fiscalização posterior restringe-se às hipóteses em que o contribuinte não mantiver os valores subvencionados em seu patrimônio, distribuindo aos sócios ou aos acionistas ou dar-lhes uma outra destinação que não se refira às operações normais e usuais da empresa.

À luz das manifestações dos ministros do STJ durante o julgamento e da melhor leitura que se alinha ao restante do julgamento, não se pode concluir que foi conferido um cheque em branco para o fisco.

Para se absorver o melhor conceito de "viabilidade do empreendimento", é possível entender que não basta só manter em reserva o valor da subvenção, mas também deve-se comprovar que esse montante foi carreado para finalidade usual da empresa beneficiada pelo incentivo. Em nossa opinião, essa seria a única verificação posterior que poderia ser feita pelas autoridades fiscais. Mesmo assim, esse procedimento poderia criar um novo contencioso, caso o contribuinte viesse a aplicar tais recursos em despesas que viessem a ser consideradas não destinadas a viabilizar o empreendimento pela fiscalização, ampliando a aplicação dessas disposições constantes na legislação do imposto de renda ou por exemplo, tentar entrar no mérito quanto a pagamento de gratificações aos órgãos da administração, à concessão de perdão de dívida, dentre outras hipóteses que não cabe aqui esgotarmos.

Uma outra compreensão para o disposto no item 3 da tese fixada seria no sentido de que a permissão para fiscalização verificar a aplicação dos recursos na viabilidade do empreendimento estaria restrita apenas àquelas subvenções para investimento que, efetivamente, objetivam desenvolver determinados empreendimentos econômicos, não se aplicando às subvenções para custeio, que financiam capital de giro e que foram equiparadas juridicamente às primeiras, por força do disposto no parágrafo 4º, inserto no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, pela LC nº 116/2017.

Não obstante, diante das festivas manifestações governamentais na mídia após o julgamento, não descartamos a possibilidade de as autoridades fiscais defenderem, equivocadamente, que a redação deste item 3 da tese confere a estas o direito de verificar se todos os valores subvencionados de ICMS foram destinados à implementação ou expansão de empreendimentos em relação a qualquer tipo de subvenção concedida, o que ao nosso sentir, colidiria frontalmente com a ordem expressa do STJ, em sentido contrário, contida no item 2 da tese e da própria LC 160, a qual equiparou as subvenções para custeio às subvenções para investimento com o claro objetivo de colocar um freio na chamada "guerra fiscal".

De qualquer forma, entendemos que o resultado do julgamento não foi totalmente desfavorável ao contribuinte como alega o governo federal pois, muito pelo contrário, o valor dos benefícios de ICMS poderá ser excluído do IRPJ e da CSLL quando:

a) o benefício for o de crédito presumido: a exclusão foi permitida pois o STJ reconheceu a desoneração com base no fundamento do pacto federativo, o que dispensa o cumprimento de qualquer outro requisito;

b) o benefício for o de redução de base, isenção, ou outro: a exclusão também foi garantida com base na LC nº 160/2017, atendidos os requisitos nela definidos, mas sem a necessidade de comprovar que os incentivos destinam-se a implementação ou expansão de empreendimentos econômicos, exceto em relação as subvenções para investimento que impõe essa contrapartida, restando demonstrar que os respectivos valores foram mantidos na empresa para viabilizar o desenvolvimento de suas atividades e se seus empreendimentos, reforçando, por exemplo, o seu capital de giro.

É possível que essa questão seja endereçada por meio de embargos de declaração, caso venham a ser interpostos por qualquer das partes litigantes ou por ambas. Pode ocorrer, ainda, que nesses recursos seja requerida algum tipo de modulação dos efeitos da decisão proferida, situação que não é comum no STJ, mas que pode ser aplicada, projetando os efeitos do julgado apenas a fatos geradores posteriores ao julgamento, da forma como tem procedido o STF.

Diante de todo esse cenário e da possibilidade de modulação de efeitos, é recomendável que as empresas beneficiárias de incentivos de ICMS, que tenham ações judiciais intentadas requerendo apenas o reconhecimento de seu direito com base na tese do Pacto Federativo, mas que estejam efetuando a exclusão desses valores do IRPJ e da CSLL em linha com a LC nº 160/2017, avaliem a oportunidade e a conveniência de aditar suas respectivas petições iniciais para nelas também requerer a tutela de seu direito em relação à citada Lei Complementar, procurando com isso resguardar sua posição fiscal tomada no passado, caso a modulação de efeitos seja empreendida pelo STJ.

É importante que esses pontos sejam endereçados e uniformizados pelo STJ em homenagem ao bom direito e ao primado da segurança jurídica. Tornar e reconhecer esse tema da subvenção para investimento como a "segunda tese do século" não contribuiu em nada para a melhoria do ambiente de negócios do país, prejudicando, igualmente, investidores, contribuintes e as autoridades fiscais.

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