Opinião

ESG no mercado de capitais: finanças sustentáveis e green bonds

Autores

  • José Carlos Higa de Freitas

    é advogado na Advocacia Ruy de Mello Miller e mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2015) com experiência na área contratual consultiva e de contencioso estratégico nos setores de infraestrutura transportes e comércio exterior.

  • Ana Beatriz Junot Longhin

    é advogada na Advocacia Ruy de Mello Miller e pós-graduanda em Direito Tributário pela Escola Paulista de Direito (EPD).

24 de maio de 2023, 18h12

Em janeiro de 2023, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) — autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, responsável por fiscalizar, normatizar, disciplinar e desenvolver o mercado de valores mobiliários no Brasil — lançou sua Política de Finanças Sustentáveis com o intuito de fortalecer suas atribuições na estruturação de um mercado de finanças sustentáveis, consolidando e disseminando os resultados de suas atividades atuais e vindouras.

Instituída através da publicação da Portaria CVM/PTE/Nº 10, de 23 de janeiro de 2023, a Política de Finanças Sustentáveis apresenta as diretrizes norteadoras para o desenvolvimento da CVM. Nesse sentido, os direcionamentos apontam para a formação de preços de ativos pautada na eficiência e na proteção do investidor; a coibição do greenwashing no contexto do mercado de valores mobiliários; a celebração de acordos de cooperação técnica e o incentivo à educação financeira de modo a semear as melhores práticas no mercado de capitais.

No presente artigo, lança-se luz sobre sua seção específica que se relaciona diretamente à posição da Comissão como fomentadora de condutas que atraiam investimentos para o cenário brasileiro e, na mesma toada, sejam consonantes aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU).

A Portaria CVM/PTE/Nº 10 revela a transversalidade da pauta ambiental, já que a preocupação com comportamentos sustentáveis atinge, também, a cadeia do mercado financeiro, tanto sob a ótica do emissor de títulos mobiliários, como do investidor. É o que reconhece João Pedro Nascimento, presidente da CVM, quanto à divulgação Política de Finanças Sustentáveis:

"Temas como controle de mudanças climáticas, preservação ambiental e agenda sustentável são transversais ao mercado de capitais. O mundo evoluiu e essas pautas, antes presentes apenas em debates ambientalistas, foram ressignificadas e ampliadas. A Política de Finanças Sustentáveis da CVM é a consolidação de um trabalho que já tem se manifestado em outros normativos da autarquia, como, por exemplo, na Resolução CVM 59, que traz a ideia da divulgação no Formulário de Referência de informações sobre medidas socioambientais adotadas pelos emissores, e na Resolução CVM 175, que reconhece a possibilidade de os fundos investirem em ativos ambientais como ativos financeiros, além do controle do greenwashing" [1].

A publicação das diretrizes institucionais da CVM também é reflexo de uma preocupação com temas socioambientais que se formou na própria autarquia nos últimos tempos. A exemplo, a Resolução CVM Nª 59, de 22 de dezembro de 2021, que entrou em vigor em 2 de janeiro de 2023, alterou disposições da Resolução CVM Nº 80, de 29 de março de 2022, para fazer constar obrigatoriedade de emissores de títulos mobiliários prestarem informações atinentes a práticas ESG nos Formulários de Referência (FRE) necessários ao seu registro junto à comissão.

A Resolução CVM Nº 80/2022 expõe o regramento para o registro e a prestação de informações periódicas e eventuais dos emissores de valores mobiliários que têm permissão para negociar em mercados regulamentados. O FRE é um documento eletrônico que reúne todas as informações relativas ao emissor (atividades, fatores de risco, administração, dados financeiros, valores mobiliários emitidos e operações com partes relacionadas). Sua entrega deve acontecer em caráter periódico e eventual.

No escopo de seu propósito, a Resolução CVM Nº 80/2022 elenca o conteúdo necessário para o preenchimento do FRE — sendo que as modificações propostas pela Resolução CVM Nº 59/2021, por sua vez, tornam obrigatória a ambas as categorias de emissores [2] a prestação de informações ambientais, sociais e governança corporativa (ESG). Para tanto, a nova norma reserva uma seção específica e inédita no documento para o detalhamento dos dados relativos às práticas sustentáveis adotadas pelos emissores.

A partir de janeiro deste ano, os emissores devem informar a divulgação de suas informações ESG em relatório anual onde conste a metodologia adotada para sua elaboração, bem como a entidade responsável pela auditoria e revisão do documento, que deverá ser disponibilizado em página acessível na rede mundial de computadores.

A norma também obriga os emissores de títulos mobiliários a indicar a matriz de materialidade e os indicadores materiais que adotam para mensurar o desempenho ESG de suas atividades. Nesse sentido, é necessário comunicar a conformidade de sua atuação com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).

Além disso, eles deverão informar se o relatório anual adequa-se às recomendações da Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas às Mudanças Climáticas (TCFD), ou às orientações de outras entidades reconhecidas pelo trabalho com questões climáticas. No mais, a nova seção do FRE conta com um questionamento acerca da elaboração de inventários que registrem índices de emissão de gases do efeito estufa.

Caso qualquer dos novos critérios não seja observado pelas empresas emissoras, há a exigência expressa para que elas justifiquem as condições negativas. Ainda no campo das penalizações, na hipótese de descumprimento dos requisitos instituídos pela Resolução CVM Nº 59/2021, poderá a Superintendência de Relações com Empresas (SEP) suspender o registro de emissor de valores mobiliários se, por mais de 12 meses, não forem observadas as obrigações periódicas. É possível, ainda, a aplicação de multa diária quando do desrespeito aos prazos estabelecidos pela Resolução CVM Nº 80/2022 para a prestação de informações.

Paralelamente, em dezembro de 2022, a Comissão de Valores Mobiliários publicou o Plano Bienal de Supervisão Baseada em Risco (SBR) para o período de 2023-2024. Nesta edição, foram incluídos riscos emergentes do mercado de capitais, os quais foram alocados sob três supervisões temáticas: (1) influenciadores digitais, (2) governança em ESG no mercado de valores mobiliários e (3) ofertas não registradas de security tokens distribuídos por corretoras de criptoativos.

Com isso, a CVM pretende mapear os riscos de forma multifacetada e abrangente por meio de uma atuação conjunta de diferentes áreas técnicas da autarquia. A análise do preenchimento das informações ESG exigidas no FRE 2023 permitirá uma avaliação dos riscos relativos ao tema e, com base nela, a definição de ações combativas a serem tomadas pela Comissão de forma a garantir que o mercado financeiro brasileiro esteja em total alinhamento com as práticas de desenvolvimento sustentável adotadas internacionalmente.

Outrossim, todas as superintendências envolvidas (Superintendência de Relações com Empresas — SEP, Superintendência de Supervisão de Investidores Institucionais — SIN, Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria — SNC e Superintendência de Supervisão de Riscos Estratégicos — SSR) acompanharão condutas do mercado de capitais — inclusive no que tange a fundos de investimento — tomadas sob o viés ESG.

O Plano Bienal prevê que a supervisão temática abrangerá as atividades de acompanhamento e participação no processo de normatização ESG em relevantes fóruns nacionais e internacionais, observando os principais agentes e aspectos reguladores dos mercados internacionais de contabilidade e de auditoria.

A expectativa de resultados, de acordo com o documento, é um amplo estudo sobre o comportamento de investidores diante de seus interesses e dos riscos alocados a eles:

"Adicionalmente, presume-se que a análise das informações ESG/ASG divulgadas pelas companhias no FRE proporcione uma melhoria na qualidade dessas informações, de modo a possibilitar a tomada de decisão pelo investidor de forma consciente, além de uma avaliação do efetivo interesse dos investidores nessas informações, e consequentemente da existência de um potencial risco relevante para acompanhamento nos próximos ciclos do SBR" [3].

Dentre parcerias e diretrizes institucionais, a movimentação da CVM esboça um entrelaçamento entre o desenvolvimento econômico sustentável e o mercado de capitais, esse na condição de crescente alternativa de crédito a investidores de pequeno, médio ou grande porte.

Diante da necessidade de adoção de práticas pautadas na sustentabilidade, em congruência com os pilares ESG, faz-se necessária a expansão de opções de fontes privadas de financiamento que vão além de instrumentos e recursos públicos. Mais que isso, é crucial que todos os sujeitos — entre eles, emissores de títulos mobiliários e investidores — envolvidos na cadeia de crédito ajam em conformidade com os ditames de uma sociedade, de fato, integrada ao meio ambiente em todos os seus níveis.

A estruturação do país para receber os investimentos verdes encontra eco no Decreto n°. 11.498, de 25 de abril de 2023, que promoveu a alteração do Decreto n° 8.874 de 2016, ampliando a lista de projetos de investimentos considerados prioritários para abarcar aqueles que carregam benefícios sociais e ambientais, dentre eles, os parques urbanos e unidades de conservação.

Os projetos considerados prioritários contam com importante incentivo tributário, como a redução para 0% da alíquota do imposto de renda para as pessoas físicas e redução para 15% da alíquota do Imposto sobre Renda das Pessoas Jurídicas.

Cabe observar que portarias ministeriais deverão aprovar os projetos considerados prioritários, estabelecendo o valor máximo que poderá ser captado pela emissão da debênture de infraestrutura "verde".

Trata-se de uma medida relevante do governo federal, que se soma a uma série de 12 iniciativas de estímulo ao crédito. Neste caso, verifica-se que a preocupação ultrapassa os limites estritamente econômicos para buscar a garantia de outros objetivos constitucionalmente garantidos.

Vale dizer, a emissão dos chamados green bonds alinha diferentes princípios constitucionais da ordem econômica [4], equiparando na mesma iniciativa o fomento à livre iniciativa e à defesa do meio ambiente.

Este novo perfil de título de crédito se soma às mudanças instituídas pela Resolução CVM Nº 59/2021 e à elaboração do Plano Bienal de Supervisão Baseada em Risco. Todos eles são desmembramentos da Política de Finanças Sustentáveis. Juntos, esses trabalhos culminam na sistematização e consolidação do resultado do que pode ser considerado o início de uma política pública nacional alavancada pela Comissão de Valores Mobiliários, premiando projetos que possam trazer benefícios sociais e ambientais.

O mercado de capitais não pode ser considerado um mundo alheio aos efeitos de uma economia que contribuiu significativamente para as mudanças climáticas observadas atualmente. Ter as finanças sustentáveis como oportunidade para a mitigação de riscos, o aumento de recursos e o desenvolvimento ambiental, social e econômico no âmbito do mercado de capitais é questão de ordem para um país que luta, ainda, contra as forças atávicas da destruição e do atraso.

 


[1] CVM lança Política de Finanças Sustentáveis. CVM, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/cvm-lanca-politica-de-financas-sustentaveis. Acesso em: 12 mai. 2023.

[2] Art. 3º O emissor pode requerer o registro na CVM em uma das seguintes categorias:

I – categoria A; ou

II – categoria B.

§ 1º. O registro na categoria A autoriza a negociação de quaisquer valores mobiliários do emissor em mercados regulamentados de valores mobiliários.

§ 2º. O registro na categoria B autoriza a negociação de valores mobiliários do emissor em mercados regulamentados de valores mobiliários, exceto os seguintes valores mobiliários:

I – ações e certificados de depósito de ações; ou

II – valores mobiliários que confiram ao titular o direito de adquirir os valores mobiliários mencionados no inciso I, em consequência da sua conversão ou do exercício dos direitos que lhes são inerentes, desde que emitidos pelo próprio emissor dos valores mobiliários referidos no inciso I ou por uma sociedade pertencente ao grupo do referido emissor.

[3] CVM. Supervisão Baseada em Risco: Plano Bienal 2023-2024. CVM, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/cvm/pt-br/acesso-a-informacao-cvm/acoes-e-programas/plano-de-supervisao-baseada-em-risco/2023-2024/Plano%20Bienal%20CVM%20SBR%202023-2024. Acesso em: 15 mai. 2023.

[4] CF, art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…)

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!