Teatro lavajatista

STF confirma proibição a censura a documentário sobre lawfare na Paraíba

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22 de maio de 2023, 13h54

A censura sobre o documentário "Justiça Contaminada — O Teatro Lavajatista da Operação Calvário na Paraíba", dos jornalistas Camilo Toscano e Eduardo Reina, foi derrubada por unanimidade pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal. Votaram a favor os ministros Edson Fachin (relator), Gilmar Mendes, Dias Toffoli, André Mendonça (presidente do colegiado) e Kassio Nunes Marques. Em abril, Fachin já havia vetado a proibição por meio de liminar.

Relator da matéria, o ministro Edson Fachin destacou o valor da liberdade de imprensa
Carlos Moura/SCO/STF

"Vê-se que a sintética fundamentação adotada no ato reclamado, formulada em sede de cognição sumária, teve como objetivo evitar a propagação do conteúdo supostamente ofensivo do documentário, sem, no entanto, discorrer, ainda que de forma sucinta, acerca de tal conteúdo", afirmou Fachin em seu voto.

De acordo com o ministro, a liberdade de imprensa tem importância maior para a democracia, e as queixas apresentadas contra o documentário não foram suficientes para autorizar "a vulneração, mesmo que provisória, do direito à liberdade de expressão".

A reclamação contra a censura ao documentário foi promovida pelos advogados André Matheus, do escritório Flora Matheus e Mangabeira Sociedade de Advogados, e Jonathas Moreth, do Marcos Rogério e Moreth Advocacia, com o apoio da Rede Nacional de Proteção de Jornalistas e Comunicadores, encabeçada pelo Instituto Vladimir Herzog e por Artigo 19, Repórteres sem Fronteiras e Intervozes. A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) ingressou como amicus curiae na ação, em defesa dos repórteres.

Os dois jornalistas também respondem civil e criminalmente pelo trabalho audiovisual, que faz críticas ao lavajatismo e à prática de lawfare, em duas outras ações que tramitam na Justiça paraibana.

Dois meses depois de ter sido lançado, em maio de 2022, o documentário se transformou em alvo do desembargador Ricardo Vital de Almeida, do Tribunal de Justiça da Paraíba. O magistrado alegou que o vídeo contém "diversas palavras ofensivas à sua imagem".

A censura à obra jornalística foi imposta por determinação da 3ª Entrância do Tribunal de Justiça da Paraíba.

Vital acusa Reina e Toscano de promoverem uma "construção de ataques pessoais" com o único intuito de atacar sua imagem e honra. Ele foi o único dos citados no documentário a mover ações na Justiça para impedir a veiculação do conteúdo e responsabilizar cível e criminalmente os jornalistas, apesar de nenhuma das falas apontadas como desonrosas pelo magistrado ter sido proferida por eles.

O documentário expõe ações da investigação que atingiu o ex-governador Ricardo Coutinho, a deputada estadual Estela Bezerra, a ex-prefeita de Conde Márcia Lucena e outras pessoas do mesmo grupo político.

A "operação calvário", que investiga supostas fraudes e desvios na saúde e na educação da Paraíba, constitui-se em um caso emblemático de lawfare. Levada ao TJ-PB em 2019, prendeu, nas vésperas do recesso de fim de ano, 17 pessoas e impôs várias medidas cautelares aos envolvidos.

A tramitação da ação vive desde então um jogo de empurra e falta de decisões. Em consulta ao Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, o desembargador questionou se o caso é de competência eleitoral ou comum. Mas, em um despacho, ele mesmo deixou clara sua opinião, apontando para crime comum.

Esse conflito de competência foi um dos pontos levantados pelos jornalistas para demonstrar que a "operação calvário" investigou e prendeu pessoas na esfera criminal, embora o tema seja da alçada da Justiça Eleitoral.

O TRE- PB fez o processo retornar à Justiça comum sem ouvir a defesa dos acusados. Mas, em seguida, o STF encaminhou a denúncia à Justiça Eleitoral, seguindo entendimento firmado na corte antes da investigação ser deflagrada.

Em seguida, o processo chegou à presidência do TRE-PB, que, por sua vez, remeteu a ação ao Tribunal Superior Eleitoral para que seja decidido em qual instância o processo deve correr. Isso tudo apesar do entendimento firmado pelo STF de que se trata de tema eleitoral.

O processo está parado há cerca de quatro anos, pois uma dezena de juízes da Paraíba já alegou incompatibilidade ou outros problemas, o que reforça os argumentos apresentados no documentário censurado.

As vítimas do lawfare na Paraíba continuam à espera de um desfecho para o caso, pois sequer foram julgadas. Enquanto isso, o desembargador também processou os autores do livro "Lawfare: O calvário da democracia brasileira", e agora investe contra os produtores do documentário que conta a história do caso.

"Justiça Contaminada — O Teatro Lavajatista da Operação Calvário na Paraíba" é uma produção independente, um trabalho de jornalismo investigativo baseado em farta documentação obtida por Reina e Toscano, entrevistas com os envolvidos e intenso trabalho de apuração, checagem e rechecagem de dados e informações, além de material já veiculado pela imprensa paraibana e nacional sobre o caso. Os jornalistas produziram o documentário, fizeram as reportagens e entrevistas e dirigiram a obra.

Responsáveis pela investigação na Paraíba, o promotor Octávio Paulo Neto, do Ministério Público paraibano, e o desembargador Ricardo Vital eram chamados pela imprensa local de "Moro e Dallagnol da Paraíba", em referência ao ex-juiz declarado parcial pelo STF e atual senador Sergio Moro e ao ex-procurador e deputado federal cassado Deltan Dallagnol, que comandaram a "lava jato".

Entre novembro de 2021 e janeiro de 2022, Vital recebeu inúmeros e infrutíferos contatos da produção do documentário, assim como a assessoria de imprensa do TJ-PB e a chefia de seu gabinete. Várias alternativas para manifestação foram oferecidas: entrevista pessoal, respostas por escrito a questionamentos dos jornalistas ou envio de nota escrita por ele mesmo ou pela assessoria de imprensa da corte paraibana. Não houve respostas às demandas.

Na ação, o desembargador recorreu à Associação dos Magistrados do Estado da Paraíba (AMPB) para obter assistência jurídica gratuita.

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